22 de Fevereiro de 1955. Os príncipes maçadores e o cavalheiro ligeiramente ordinário

22 de Fevereiro de 1955. Os príncipes maçadores e o cavalheiro ligeiramente ordinário


Maria Pia de Sabóia e Alexandre da Jugoslávia casaram-se em Cascais e decidiram passar a lua de mel na Madeira. As coisas começaram a correr mal e a aborrecer a imprensa cor-de-rosa com os atrasos consecutivos do hidroavião que deveria levar o casal de Cabo Ruivo ao Funchal.


Vivíamos num tempo em que, talvez por sermos um bocado pelintras, nos deixávamos enlevar por contos de príncipes e princesas. Mesmo que, vendo bem, não fossem nossos príncipes nem nossas princesas, como era o caso. Convém acrescentar pelo caminho que os jornalistas destacados para cobrir o evento já estavam um bocado pelas orelhas com Maria Pia de Saboia e com o seu noivo Alexandre da Jugoslávia. Primeiro porque não faziam um casal bonito, ambos com um aspeto mais plebeu do que aqueles que nem convidaram para a cerimónia que teve lugar em Cascais, no dia 12 de fevereiro.

A costa do Estoril fervilhava com antigos governantes num exílio dourado com um fundo azul de mar magnífico, e Maria Pia era filha do antigo Rei de Itália, Humberto, pessoa muito estimada na zona, pelo que a popularidade do casório atraiu gente de todas as proveniências. Agora, o que não deixa de ser curioso é que os jornais da época se refiram à partida dos pombinhos para a Madeira, em lua de mel, como um alívio. Um alívio, sim. Vejam bem: “Sejamos sinceros. Não foi sem um suspiro de alívio que os jornalistas viram levantar hoje, num turbilhão de espuma, o hidroavião que conduziu os príncipes Maria e Alexandre para oFunchal! Acabou-se a história. Findou-se para nós o romance, o casamento e a lua de mel. Agora, quanto muito, será com os nossos camaradas da Pérola do Atlântico, passe a frase de cartaz turístico”.

Mas, afinal, que diacho de coisa irritara tanto os atarefados membros da comunicação social portuguesa para que ansiassem ver pelas costas o recém-casado casalinho? Ora bem, houve um que deu com a língua nos dentes: “Já faltava paciência para tantos e sucessivos adiamentos da partida do hidroavião. Como já não havia pachorra para os infinitos segredinhos de gentil-homens, sempre muito murmurados, que iam avariando não o aparelho, mas os nervos dos jornalistas”. Ah! Bom. Também quem se dedica a ser repórter de sociedade precisa de engolir a sua boa dose de fofocas, ou não? Como dizem os americanos: “It comes with the job”.

Pelas costas. Foi, portanto, dez dias após a cerimónia, que a embirrenta Maria Pia e o maçador Alexandre se puseram a andar. Às 9h30 já uma multidão envolvera o cais de Cabo Ruivo, e os príncipes, que chegaram 15 minutos mais tarde, viram-se rodeados por um grupo enorme de passageiros que vira as suas viagens serem interrompidas nos dias anteriores. Era a nobreza a cheirar o suor do povo, e era o que havia, aguentassem se quisessem.

Duas? Três centenas de pessoas? Na sua maioria para ver os dois nobres nubentes que havia muita gente ansiosa para lhes observar os trajes e babar de inveja. Um sol fraco de Inverno, um prenúncio de chuva para breve, e o Aquila chapinhando na água, emitindo reflexos metálicos.

Alexandre insistira em conduzir o seu FIAT Abarth vistoso. Trazia a esposa ao lado do lugar do condutor e, atrás, visivelmente incomodado, o chofer com o seu boné impecável. Vinham todos de óculos escuros, só mesmo por sainete já que o sol teimava em manter-se envergonhadamente escondido. Mal saíram da viatura foram imediatamente rodeados por uma multidão, sobretudo composta por senhoras, algumas tão redondas como a personagem de Virgínia de Castro e Almeida. Dirigiram-se ao bar para um último cafezinho, um conjunto de ingleses reclamava por causa do atraso, com a pressa de chegarem aos campos de golfe da ilha. Um cavalheiro viu as hospedeiras recusarem-lhe o embarque. Tinha bilhete, mas o voo recebera gente inesperada que acompanharia o casal. Perdeu a compostura e gritou: “Bardamerda para essa gente fina!” Mas ficou em terra.