The show can’t go on, Cristina Ferreira


A CIG apresentou uma denúncia ao Ministério Público e instou a TVI a tomar “de imediato as necessárias diligências no sentido de pôr termo a esta situação, suscetível de configurar a prática de crime público de violência doméstica, na forma psicológica e física”.


Em 2018, um estudo da UMAR dava conta de que “para muitos jovens (40%), se alguém impede o namorado ou a namorada de se vestir de determinada forma, isso não é violência. Não é uma agressão corporal se dela não resulta uma ferida ou uma marca (8%). Já a violência sexual é legitimada por um quarto dos 4000 inquiridos”.

Em 2020, a CIG divulgou dados sobre violência no namoro: “58% de jovens que namoram ou já namoraram reportam já ter sofrido pelo menos uma forma de violência por parte de atual ou ex-companheiro/a; e 67% de jovens consideram como natural algum dos comportamentos de violência”.

Sem surpresa, os números deste ano confirmam que a maioria dos jovens inquiridos acha legítimo o controlo na relação (67%), seguindo-se a perseguição (23%), e a violência sexual (19%). Em declarações à imprensa, o intendente Hugo Guinote disse que não é fácil para um jovem de hoje distinguir a fronteira entre o que é um contacto físico que possa ser interpretado como uma brincadeira daquele que passa a ser uma agressão: “é isso que tentamos desconstruir com as ações da Escola Segura”.

Uma e outra vez, os dados confirmam que o fenómenos da violência doméstica e da violência de género não nascem de geração espontânea nas suas formas mais bárbaras: o assassinato, o espancamento ou a violação, embora seja sobretudo nessas formas que o fenómeno é reconhecido, tanto socialmente como – tragicamente – pelas suas vítimas.

No entanto, a ausência de percepção não cessa o crime, como demonstram os números alucinantes que fazem da violência doméstica o crime mais cometido – e que mais mata – em Portugal. Foi a necessidade de contornar essa falta de reconhecimento que há pouco mais de 20 anos levou à classificação da violência doméstica como crime público, consagrando a ideia revolucionária de que entre marido e mulher deve meter-se a colher.

Foi isso que fez a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG), em relação ao “programa televisivo Big Brother, em exibição pela TVI, onde se pode assistir ao comportamento ameaçador do concorrente Bruno de Carvalho para com a sua namorada, a concorrente Liliana, chegando inclusive a agarrar o seu pescoço de forma indelicada e evidentemente desconfortável.”

A CIG apresentou uma denúncia ao Ministério Público e instou a TVI a tomar “de imediato as necessárias diligências no sentido de pôr termo a esta situação, suscetível de configurar a prática de crime público de violência doméstica, na forma psicológica e física”.

Até esse momento poder-se-ia argumentar que os responsáveis da TVI padecem do mal social que é a incapacidade de reconhecer sinais de abuso ou de violência nas relações afetivas. Mas o caminho da estação televisiva foi mais perverso: depois de ter conhecimento da queixa, lucrou com a transmissão em direto de uma “gala”, recorde de audiências, onde a situação foi submetida a julgamento popular.

Beneficiando da ténue fronteira entre ficção e realidade proporcionada pelo subproduto televisivo dos reality shows, a TVI conseguiu de uma assentada normalizar todos os comportamentos que a nossa sociedade tenta há décadas que sejam amplamente reconhecidos como sinais de violência doméstica, e ainda reduzir a possível existência de um crime a uma matéria de “opinião”.

Agarrando-se à velha máxima imortalizada pelos Queen, a TVI certamente desejaria continuar com o espetáculo, segura da desresponsabilização que lhe é garantida pela categoria “entrenimento”. O problema é que, no que toca à violência doméstica, a diferença entre ficção e realidade não só existe, como é demasiado trágica.

The show can’t go on, Cristina Ferreira


A CIG apresentou uma denúncia ao Ministério Público e instou a TVI a tomar “de imediato as necessárias diligências no sentido de pôr termo a esta situação, suscetível de configurar a prática de crime público de violência doméstica, na forma psicológica e física”.


Em 2018, um estudo da UMAR dava conta de que “para muitos jovens (40%), se alguém impede o namorado ou a namorada de se vestir de determinada forma, isso não é violência. Não é uma agressão corporal se dela não resulta uma ferida ou uma marca (8%). Já a violência sexual é legitimada por um quarto dos 4000 inquiridos”.

Em 2020, a CIG divulgou dados sobre violência no namoro: “58% de jovens que namoram ou já namoraram reportam já ter sofrido pelo menos uma forma de violência por parte de atual ou ex-companheiro/a; e 67% de jovens consideram como natural algum dos comportamentos de violência”.

Sem surpresa, os números deste ano confirmam que a maioria dos jovens inquiridos acha legítimo o controlo na relação (67%), seguindo-se a perseguição (23%), e a violência sexual (19%). Em declarações à imprensa, o intendente Hugo Guinote disse que não é fácil para um jovem de hoje distinguir a fronteira entre o que é um contacto físico que possa ser interpretado como uma brincadeira daquele que passa a ser uma agressão: “é isso que tentamos desconstruir com as ações da Escola Segura”.

Uma e outra vez, os dados confirmam que o fenómenos da violência doméstica e da violência de género não nascem de geração espontânea nas suas formas mais bárbaras: o assassinato, o espancamento ou a violação, embora seja sobretudo nessas formas que o fenómeno é reconhecido, tanto socialmente como – tragicamente – pelas suas vítimas.

No entanto, a ausência de percepção não cessa o crime, como demonstram os números alucinantes que fazem da violência doméstica o crime mais cometido – e que mais mata – em Portugal. Foi a necessidade de contornar essa falta de reconhecimento que há pouco mais de 20 anos levou à classificação da violência doméstica como crime público, consagrando a ideia revolucionária de que entre marido e mulher deve meter-se a colher.

Foi isso que fez a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG), em relação ao “programa televisivo Big Brother, em exibição pela TVI, onde se pode assistir ao comportamento ameaçador do concorrente Bruno de Carvalho para com a sua namorada, a concorrente Liliana, chegando inclusive a agarrar o seu pescoço de forma indelicada e evidentemente desconfortável.”

A CIG apresentou uma denúncia ao Ministério Público e instou a TVI a tomar “de imediato as necessárias diligências no sentido de pôr termo a esta situação, suscetível de configurar a prática de crime público de violência doméstica, na forma psicológica e física”.

Até esse momento poder-se-ia argumentar que os responsáveis da TVI padecem do mal social que é a incapacidade de reconhecer sinais de abuso ou de violência nas relações afetivas. Mas o caminho da estação televisiva foi mais perverso: depois de ter conhecimento da queixa, lucrou com a transmissão em direto de uma “gala”, recorde de audiências, onde a situação foi submetida a julgamento popular.

Beneficiando da ténue fronteira entre ficção e realidade proporcionada pelo subproduto televisivo dos reality shows, a TVI conseguiu de uma assentada normalizar todos os comportamentos que a nossa sociedade tenta há décadas que sejam amplamente reconhecidos como sinais de violência doméstica, e ainda reduzir a possível existência de um crime a uma matéria de “opinião”.

Agarrando-se à velha máxima imortalizada pelos Queen, a TVI certamente desejaria continuar com o espetáculo, segura da desresponsabilização que lhe é garantida pela categoria “entrenimento”. O problema é que, no que toca à violência doméstica, a diferença entre ficção e realidade não só existe, como é demasiado trágica.