Três toques na campainha, bruscos e rápidos. Não conheço quem toque assim à campainha. Aliás não conheço ninguém que me toque à campainha. A minha campainha não serve para tocar mas, de repente, lembro-me que pode ser o carteiro. Quem toca assim três vezes à campainha, com toques bruscos e rápidos, deve ter, provavelmente, pressa.
Os carteiros são apressados. Têm a urgência de entregar contas e erros de ortografia. Mas, reparo, hoje é domingo. Que carteiro trabalha ao domingo? Só mesmo o funcionário na altura da carta registada com aviso de receção da Senhora da Gadanha. Mas, madraça, nem ela trabalhará hoje, aqui em Alcácer, nesta tarde de modorra em que até o rio parece ter parado. Um dia, Ruy Belo, escreveu um poema chamado Toque de Campainha.
Começava assim: “Entre rosa e a chuva é tudo solidão/Nenhuma mão vence a distância/Que separa uma e outra ou no portão/Começa e termina na infância”. Não há rosa nem chuva. Talvez quanto muito, na memória, uma mão a chorar por outra mão. Há apenas pardais afadigados, também eles urgentes, a debicar a pilha de arroz carolino que lhes deixei no parapeito. O seu chilreio é a minha campainha da manhã, quando toca o sol. Mas o sol foi-se e deixou um céu cinzento de horizonte a horizonte. Cinzentobaço; cinzento-solidão.
Fico à espera de ouvir outra vez os três toques na campainha. Quem tem tamanha pressa deve ser teimoso, insistente, voltará a premir o botão, inevitavelmente. Não me levanto da cadeira, do sótão. Campainhas tocadas à pressa não me despertam a curiosidade desde o tempo em que, crianças, tocávamos nelas e fugíamos pela rua, como se alguém viesse a correr atrás de nós. Não vou à porta saber quem é. Tal ideia nunca tive. Não espero por ninguém, não me apetece ninguém. Além do mais, não há nada urgente que continue urgente ao fim de seis meses. Por isso, espero.