O eleitorado, ao dar uma maioria absoluta ao Partido Socialista, que começou a campanha a pedir esse resultado, para depois retirar o pedido – chegando mesmo a terçar armas pelo carácter indesejável das maiorias absolutas – constitui um dos mais abstrusos momentos da vida democrática do país depois de 1976.
E vale a pena interrogar-mo-nos por que tal resultado não é o ponto de chegada de uma campanha de argumentos para não repetir governos minoritários, mas terá sido opção do eleitorado que assim terá percebido o verdadeiro estado económico-social do país.
Apesar da natureza estabelecida no campo político/partidário, com relevância sucessivamente reiterada por actos eleitorais, quanto aos polos do regime saído da Constituição de 1976, neste acto eleitoral de nada valeu ao PS anunciar a queda dos “muros” fronteiriços com a extrema-esquerda, como não serviu para rigorosamente nada a tentativa de o PSD se colocar numa relação de distância com o eleitorado de direita.
Os resultados demonstram que no plano da consciência do eleitorado, os últimos seis anos não terão deixado saudades nem pelos resultados nem pela conversão à solução partidária de dependência da extrema-esquerda: na ausência de credibilidade da liderança do PSD, assim se explicará a perda de votos do PCP/BE e a deslocação e concentração de voto útil no PS.
O mesmo se diga à direita, onde o líder do PSD tudo fez para fatiar o eleitorado que sempre reconheceu a pluralidade de tendências não organizadas neste partido e não gostou da rejeição da concertação eleitoral quer com o CDS, quer com a IL e o Chega, promovendo estes últimos partidos a “players” com algum significado.
Aqui chegados, com esta sensação de resultados fruto de uma guinada de ultima hora, por parte do eleitorado que hoje se sabe esteve indeciso até à véspera das eleições, a questão que se coloca, do ponto de vista do país é a de saber que vai agora fazer o PS com esta maioria e, do ponto de vista do PSD, que consciência sobrevirá a este partido sobre o erro de posicionamento estratégico fundamental, cometido nos últimos quatro anos em que somou derrota atrás de derrota …
Sobre o PSD não será difícil adivinhar que só uma liderança excepcional e capaz de resistir ao tempo e à usura, poderá colar os cacos de diversa natureza que restam deste tempo, repondo o essencial da alma e modo de ser deste partido.
Quanto ao PS tem nas mãos uma oportunidade histórica para derrubar os muitos “muros” erguidos ao avanço da sociedade portuguesa, para a colocar num estádio de desenvolvimento integrando os países da linha da frente da UE.
Para isso necessita de começar pelo princípio, nas figuras que venham a compor o governo, rejeitando a lógica puramente partidária, assentando projecção e grandeza numa equipa estruturada para atacar problemas e apresentar resultados.
Quando hoje a Alemanha com um novo Governo, se prepara para iniciar um profundo processo de modernização do aparelho produtivo, dessa famosa máquina de produzir e exportar que é a economia alemã, é evidente que há lições a recolher e, “mutatis mutandis” também aí reside o segredo do que Portugal quer vir a ser no final deste decénio: se um país virado para uma sociedade dinâmica e uma economia forte, desenvolvida, moderna, competitiva, com um Estado que regula e protege os mais fracos mas cuida da liberdade económica e da afirmação de empresas para a internacionalização e empresários para uma economia global, ou mantém o pensamento e a acção assistencialista que conduziu à anemia económica e à dependência de uma sociedade fraca e de cidadania sem ambição.
Ora isto só se alcança com um governo com opções políticas que não se afirmem pelo toque repetido de que existe para “salvar o SNS” – que, sem reformas estruturais, afinal cada dia que passa mais põe em causa – ou para garantir pensões que só um aparelho fortemente criador de riqueza pode tranquilamente fortalecer para garantia futura.
Os últimos anos mostraram uma estranha coexistência de pluralidade política entre um governo minoritário dependente do apoio de partidos totalitários e fora do concerto constitucional e institucional quanto às grandes opções nacionais, com um Presidente oriundo de um eleitorado que raramente se reviu neste “melting pot” à portuguesa e cujos resultados, na decorrência da crise pandémica apenas aí terão suscitado uma certa consensualidade pragmática.
Ora as eleições terão sido a oportunidade de o eleitorado mostrar a linha limite a esta falta de clarificação, a este continuo adiar de decisões num país há muito adiado: na interpretação do significado da maioria absoluta, estará a chave do sucesso ou insucesso do próximo Governo.
Covilhã, Fevereiro 2022
Jurista