O Chega e a comunicação social


Como deve a comunicação social, garante do sistema democrático,comportar-se em relação a estes extremos políticos?


“Parem de escrever artigos para conquistarem Pulitzers. Dêem às pessoas o que elas querem ler e tornem isso interessante”. 
Rupert Murdoch

A história tem poucos anos e, embora não comece em 2019, é a partir deste ano que o fenómeno começa a ganhar verdadeira relevância. 

Falo, como já perceberam, do nascimento do Chega, do seu crescimento desde então e da forma como a comunicação social portuguesa tem lidado com este projeto político de extrema-direita, ou direita radical, se preferirem.

Lembremos a sua linha identitária:

“O CHEGA filia-se à tradição civilizacional portuguesa, europeia e ocidental por pressupor que o primado moral da autorresponsabilidade antecede e determina tudo o resto na condição humana. No campo religioso, a autorresponsabilidade deriva da matriz milenar judaico-cristã e, no campo intelectual, deriva da matriz milenar greco-romana”.

Eis a primeira novidade. Até à data, nenhum partido desta área política, depois da instituição da democracia, se apresentara com este programa e com possibilidades de algum êxito político.

Nos primeiros anos do século XXI, outras experiências de extrema-direita foram tentadas, como o PNR e a Frente Nacional, agora Nova Ordem Social (NOS), do autoproclamado neonazi Mário Machado, condenado por vários crimes a pena de prisão, aliado a José Pinto Coelho, atual líder do Ergue-te, sucedâneo do PNR, não atingiram qualquer relevância política. 

Em 2011, o investigador José Mourão da Costa exprimia num trabalho publicado na Análise Social o sentir de uma esmagadora maioria da população portuguesa: “O seu desempenho (PNR) no plano eleitoral não feriu a tese da marginalização da direita radical portuguesa”. 

Decorrida menos de uma década, eis que um partido identificado com a extrema-direita, com menos de três anos de vida, consegue 12 lugares no Parlamento.

E a comunicação social tem sido acusada de ser a principal responsável por este crescimento, uma vez que concedeu ao partido Chega uma atenção desproporcional ao seu peso político, avaliado nas eleições de 2019 – 1,29% e um deputado eleito.

Nas eleições de janeiro, o Chega consegue 7,15% e elege 12 deputados.

Alguns dos deputados eleitos pelo partido conquistaram espaço relevante nas televisões, principalmente em debates, ao mesmo tempo que à volta do seu vice-presidente, Pacheco de Amorim, se criou a polémica sobre a sua eleição para a mesa da Assembleia da República, sendo praticamente certa a rejeição pela maioria dos deputados.

Tradição, reclamam uns, defendendo a sua eleição. Rejeição de ideias não democráticas, respondem outros, previsivelmente maioritários.

São as teias que a democracia tece, permitindo o crescimento no seu seio de potenciais destruidores do seu regime.

É aqui que a verdadeira questão se coloca: Tolerância para os intolerantes?

Como deve a comunicação social, garante do sistema democrático, comportar-se em relação a estes extremos políticos?

É verdade que do outro lado da barricada, na esquerda, nem sempre se defenderam ideias democráticas e, pelo contrário, se apoiaram regimes totalitários.

No caso da extrema-direita, fenómeno novo e, por isso, mais interessante, a cobertura tem-se resumido, salvo raras exceções, ao “jornalismo declarativo”, isto é, a exibir acriticamente declarações proferidas pelos dirigentes políticos. 
Jornalistas como Pedro Coelho (SIC), Miguel Carvalho (Visão) ou Fernanda Câncio (DN), entre outros, muito poucos, são a exceção que confirma a regra nos seus trabalhos.

A grave crise que os media vivem, a ausência quase total de líderes de empresas com genuíno interesse no jornalismo – Pinto Balsemão é a exceção – impondo a ditadura do lucro acima de qualquer outro interesse, contribui decisivamente para a atual situação.

Ao mesmo tempo, também ligado a este último aspeto, o emagrecimento das redações e o abandono dos jornalistas mais antigos, com vencimentos maiores, aliado a uma excessiva imposição de multitarefa aos jovens jornalistas, impossibilita o necessário discernimento, o “parar para pensar”, o tempo de investigação.

A maioria dos jornalistas está quase incapacitado para usar a sua primeira arma: a dúvida, face à necessidade de produzir informações (tenho dificuldade em chamar-lhes notícias), aliada a outro fenómeno, os artigos nas redes sociais com mais likes. 

Num artigo publicado no jornal digital Setenta e Quatro, em outubro de 2021, com o título Como o jornalismo português noticiou a extrema-direita, o seu diretor, Ricardo Cabral Fernandes, ouviu alguns jornalistas, entre eles, Paulo Pena, que afirmou:

“O que se passa nestes turnos é uma avaliação absolutamente acrítica dos números do Chartbeat e do Google Analytics [plataformas de análise de tráfego nos sites] para tentar perceber que tipo de histórias é que estão a trazer tráfego para o jornal naquele instante”.

No mesmo artigo, Helder Gomes, jornalista do Expresso, reconhece que “o Chega é mais interessante de cobrir do que a IL porque rasga, e rasgando é mais apetecível e sexy que a IL.”

Enquanto o Chega garantir audiências, a comunicação social não vai desistir dele, esquecendo que, se o partido um dia chegasse ao poder, seria o primeiro a esquecer-se dela. 
Jornalista