Cabine telefónica


“Guardávamos religiosamente umas moedinhas no fundo do bolso para poder acionar o aparelho que nos punha em contacto com quem era importante para nós.”


Certamente muita gente ainda se recordará das cabines telefónicas e do lugar que elas ocupavam nas cidades, vilas e aldeias, bem como da sua importância nas nossas vidas. A par do seu primo telefone público, eram elas que, quando estávamos fora de casa, da nossa terra ou do nosso país, nos ligavam às nossas famílias, aos nossos amigos, à mãe e ao pai.

Guardávamos religiosamente umas moedinhas no fundo do bolso para poder acionar o aparelho que nos punha em contacto com quem era importante para nós, com quem estava preocupado com a nossa ausência e ansiava por notícias, das boas. Ou então entravamos num café ou mercearia que tivesse telefone público. Tínhamos que estar atentos aos sinais. Literalmente. Pois muitos desses locais estavam assinalados por placas exteriores que publicitavam esse tão útil serviço.

Dá-me licença de fazer um telefonema? Acionavam então o botão vermelho do aparelho que contava os períodos e que iria determinar o custo da chamada. Recebíamos depois, ordem para estabelecer a desejada comunicação. Não sem antes recomendarem para sermos breves! Podia sempre haver alguém com a necessidade de ligar para lá e aquele era o único aparelho disponível.

Em tempo de férias, no Algarve, montavam-se postos de reforço. Em autocaravanas com cabines telefónicas, pois a procura era muita. Algumas vezes fiquei na fila para ligar para casa. Para dizer “que tudo vai bem por aqui”, à minha mãe.

No início do verão, de mochila às costas, despedia-me dos meus pais e saía por várias semanas. Com a promessa de telefonar de vez em quando. Para ir dando notícias. O “de vez em quando” podia demorar uma semana, ou quinze dias. Dependia da possibilidade de encontrar uma cabine ou um telefone disponível.

Coisas de outros tempos. Impensáveis nos dias de hoje. E mesmo noutros dias sem ser os de hoje, porque os meus filhos já não gozaram da liberdade da cabine telefónica. Ligavam quando chegavam. Do telemóvel. E quando se atrasavam mais do que uma hora ou duas, ou mesmo quinze minutos, a preocupação aumentava. Ainda hoje é assim, sendo eles já adultos. O “de vez em quando” transformou-se num “dia sim dia não”, ou mesmo num “todos os dias”.

Obviamente que a evolução das telecomunicações trouxe muita coisa boa. Muito conforto, segurança e
despreocupação. Encurtou distâncias para quem a distância é demasiada. Faz-nos sentir mais próximos saber que a qualquer momento podemos falar com quem amamos, com quem gostamos, com quem queremos. Mas também sabemos que a qualquer momento podem falar connosco. A qualquer hora. Em qualquer lugar. E isso é, por vezes, um bocadinho desconfortável. Intrusivo até, se não soubermos usar as formas de comunicação de forma educada, cuidadosa, respeitando o espaço e o tempo alheios.

Agora temos o mundo na palma da mão. E ficamos aflitos quando ele nos falha. Mas quando sairmos
para ver o mundo, nunca mais poderemos dizer que ligamos “de vez em quando, quando encontrarmos uma cabine telefónica”. E isso torna-nos, de certa forma, menos livres.

 

Paulo Romão

Designer

Cabine telefónica


“Guardávamos religiosamente umas moedinhas no fundo do bolso para poder acionar o aparelho que nos punha em contacto com quem era importante para nós.”


Certamente muita gente ainda se recordará das cabines telefónicas e do lugar que elas ocupavam nas cidades, vilas e aldeias, bem como da sua importância nas nossas vidas. A par do seu primo telefone público, eram elas que, quando estávamos fora de casa, da nossa terra ou do nosso país, nos ligavam às nossas famílias, aos nossos amigos, à mãe e ao pai.

Guardávamos religiosamente umas moedinhas no fundo do bolso para poder acionar o aparelho que nos punha em contacto com quem era importante para nós, com quem estava preocupado com a nossa ausência e ansiava por notícias, das boas. Ou então entravamos num café ou mercearia que tivesse telefone público. Tínhamos que estar atentos aos sinais. Literalmente. Pois muitos desses locais estavam assinalados por placas exteriores que publicitavam esse tão útil serviço.

Dá-me licença de fazer um telefonema? Acionavam então o botão vermelho do aparelho que contava os períodos e que iria determinar o custo da chamada. Recebíamos depois, ordem para estabelecer a desejada comunicação. Não sem antes recomendarem para sermos breves! Podia sempre haver alguém com a necessidade de ligar para lá e aquele era o único aparelho disponível.

Em tempo de férias, no Algarve, montavam-se postos de reforço. Em autocaravanas com cabines telefónicas, pois a procura era muita. Algumas vezes fiquei na fila para ligar para casa. Para dizer “que tudo vai bem por aqui”, à minha mãe.

No início do verão, de mochila às costas, despedia-me dos meus pais e saía por várias semanas. Com a promessa de telefonar de vez em quando. Para ir dando notícias. O “de vez em quando” podia demorar uma semana, ou quinze dias. Dependia da possibilidade de encontrar uma cabine ou um telefone disponível.

Coisas de outros tempos. Impensáveis nos dias de hoje. E mesmo noutros dias sem ser os de hoje, porque os meus filhos já não gozaram da liberdade da cabine telefónica. Ligavam quando chegavam. Do telemóvel. E quando se atrasavam mais do que uma hora ou duas, ou mesmo quinze minutos, a preocupação aumentava. Ainda hoje é assim, sendo eles já adultos. O “de vez em quando” transformou-se num “dia sim dia não”, ou mesmo num “todos os dias”.

Obviamente que a evolução das telecomunicações trouxe muita coisa boa. Muito conforto, segurança e
despreocupação. Encurtou distâncias para quem a distância é demasiada. Faz-nos sentir mais próximos saber que a qualquer momento podemos falar com quem amamos, com quem gostamos, com quem queremos. Mas também sabemos que a qualquer momento podem falar connosco. A qualquer hora. Em qualquer lugar. E isso é, por vezes, um bocadinho desconfortável. Intrusivo até, se não soubermos usar as formas de comunicação de forma educada, cuidadosa, respeitando o espaço e o tempo alheios.

Agora temos o mundo na palma da mão. E ficamos aflitos quando ele nos falha. Mas quando sairmos
para ver o mundo, nunca mais poderemos dizer que ligamos “de vez em quando, quando encontrarmos uma cabine telefónica”. E isso torna-nos, de certa forma, menos livres.

 

Paulo Romão

Designer