1. Só se perceberá minimamente o tipo de políticas que teremos nos próximos anos, quando, além do programa do governo, António Costa anunciar os nomes da equipa e a respetiva estrutura orgânica. Com a lista de ministros e secretários de Estado na mão, ter-se-á uma ideia se Costa se fica por mais do mesmo ou enceta uma via mais reformista e mais aberta à iniciativa privada, uma vez que já não está condicionado pelo BE, o PCP, os Verdes e o PAN. Nos últimos anos, António Costa (sem dúvida um homem de esquerda não fundamentalista) foi cedendo à pressão dos parceiros da ‘‘geringonça’’, nalguns casos provavelmente a contragosto. Agora está mais livre para ocidentalizar a sua governação e encetar reformas que tornem a nossa economia mais ágil, diluindo o peso sufocante e gastador do Estado. Uma situação dessas é perfeitamente compatível com o modelo político que o PS sempre preconizou, através da sua ala mais moderada, personificada por figuras como Mário Soares, Guterres e António José Seguro. Sócrates não pode entrar na equação, uma vez que se tem hoje a ideia de que tudo o que fez foi alegadamente mais em seu próprio benefício do que por razões ideológicas. Os recentes resultados eleitorais mostraram que os portugueses depositaram em Costa uma confiança máxima. Compete-lhe a interpretação executiva do voto, a qual terá de estar plasmada na composição e na orgânica do governo. Já se sabe que ele o pretende mais enxuto, o que não admira uma vez que o anterior era uma manta de retalhos mal-amanhada e constituída por alguns políticos sem grande substância. Não fosse a pandemia, que tanta coisa justificou e a forma como ela foi controlada apesar de erros bem graves, e Costa não teria certamente obtido o resultado inesperado com que os portugueses o brindaram. Está tudo nas mãos dele e nas de Marcelo, cujos poderes interventivos e discursivos são bem maiores do que alguns admitem. Basta recordar as demolidoras presidências abertas e intervenções de Mário Soares durante a maioria absoluta de Cavaco. Ou os discursos de Eanes e de Cavaco em datas simbólicas, que deixavam os primeiros-ministros com os nervos em franja. Às vezes a história repete-se.
2. Entretanto, não faltam nomes para o Governo. Sampaio da Nóvoa, Costa Silva, Ana Catarina Mendes (com a ressalva de que o irmão pode ir a ministro) e Fernando Medina são falados como estreantes. Há depois os que tendencialmente ficam, como Cravinho Jr. (MNE), Mariana Vieira da Silva, Alexandra Leitão e Siza Vieira. E, finalmente, os que potencialmente saem por vontade própria ou porque não estiveram à altura. Estranhamente, Matos Fernandes parece sobreviver, apesar de ser uma desgraça ambulante. O mesmo não deve suceder com Santos Silva (potencial presidente do parlamento), João Leão, Van Dunem, Nelson de Souza, Graça Fonseca, Manuel Heitor, Brandão Rodrigues, Ana Abrunhosa, Maria do Céu Antunes e Ricardo Serrão dos Santos. Claro que é futurologia, mas vale a pena correr o risco. Fácil é acertar no totobola à segunda-feira.
3. Vítor Bento produziu uma análise neoliberal que anda a circular abundantemente e é muito citada na comunicação social também ela neoliberal. Explica, em síntese, que Portugal tem muitos dependentes do Orçamento, o que subliminarmente explica as vitórias do PS. Como dependentes cita os pensionistas (que descontaram para tal), os funcionários públicos e os desempregados, ignorando que o respetivo subsídio é um seguro que o Estado cobra através da Segurança Social. Bento fala dos outros, mas esquece-se dele próprio. Professor na Nova (Estado), passou pelo Instituto Emissor de Macau (Estado), pelo Comité dos Bancos Centrais Europeus (Estado), Diretor-Geral do Tesouro (Estado), Junta do Crédito Público (Estado) e mais umas quantas colocações. Claro que também andou em algumas organizações privadas como a SIBS (que vive de comissões pagas por clientes bancários) e a Unicre (que cobra juros exorbitantes pelo crédito), sendo que entrou e saiu meteoricamente no Novo Banco (na prática pago pelo Estado) quando viu a carga de problemas que lá vinha. Afinal há muitas formas de depender do Estado. O crescimento da dependência da população em relação ao Estado não pode ser analisada da forma demagógica e simplista como Vítor Bento fez.
4. O prolongamento da permanência de Rui Rio na liderança do PSD e sobretudo no parlamento pode comportar a existência de uma frente pró-regionalização que vá do PS ao PCP, passando pelo PSD. Portugal precisa de uma descentralização em certos setores. Mas se há coisa que seguramente acentuaria o nosso atraso e o transformaria numa catástrofe definitiva seria uma regionalização, inevitavelmente portadora de uma extensão da classe política. Uma regionalização teria de ser referendada, mas os votos conjuntos dos partidos citados poderiam alterar essa premissa, através de uma revisão constitucional cirúrgica. É certo que Rio tem a consciência e o sentido de responsabilidade de que está numa espécie de governação de gestão dos sociais-democratas, ficando eticamente limitado na sua intervenção. Mas é desejável que alguém lhe lembre internamente essa situação. É uma que cabe a Paulo Mota Pinto enquanto presidente da mesa do congresso e figura máxima do partido. É verdade que não se lhe ouviu uma única palavra ultimamente. Faltou até a uma entrevista na própria noite das eleições na rádio Observador com a qual se tinha comprometido.
5. A eleição ou não de um vice-presidente da AR proposto pelo Chega já virou novela. A praxe parlamentar diz que o terceiro maior partido indica um dos vices, mas este tem de ser eleito. Ora, a eleição é diferente de uma inerência e tem efetivamente de ocorrer e por voto secreto. Logo, é tão legítima uma rejeição como uma eleição. Para o Chega e a sua propaganda é até bom que o seu candidato seja chumbado. Seria uma forma de manter a questão da exclusão de 400 mil eleitores do arco democrático na ordem do dia e de ir propondo sucessivamente os nomes dos seus doze deputados. Quanto à desculpa do Chega não ser democrático e ser xenófobo, há que dizer que a questão nunca se colocou com o Bloco e com o PCP, defensores de regimes onde essas práticas ocorreram sistematicamente. O PCP foi sempre um caso à parte na aceitação democrática, uma vez que a sua legitimidade tem fonte no grande combate que travou contra a ditadura salazarista. Outro caso da atualidade é o da indicação de Edite Estrela para presidente da AR. Cresce a ideia de que a deputada não reúne as condições políticas e éticas para assumir a função de número dois do Estado, podendo substituir o próprio presidente da República, em caso de impedimento.
6. Temos uma diplomacia bipolar. Tanto consegue apoiar, à força de contactos e croquetes, a eleição de um secretário-geral da ONU, como deixa sem um visto durante quatro anos uma mulher da Guiné-Bissau que pretendia vir apoiar a filha que está cá, esperando um transplante. Essa diplomacia é a mesma que não sabe comunicar, articulada com a administração interna, as diligências que os portugueses emigrados devem fazer para votar. Ainda não passou a geração da brigada da mão fria que andava sempre em eventos, segurando na mão um copo com gelo e uma bebida britânica. Ainda temos poucos embaixadores de serviço público. Vamos tendo alguns de pendor comercial, o que não é mau. Agora está tudo resolvido no caso da Guiné. Bastou uma notícia do Expresso. E os outros casos? Quem trata?
Escreve à quarta-feira