Uma velha alegria de fevereiro


 As conversas mudavam, os espíritos agradeciam a sua pureza quase infantil de fazer da vida um jogo, essa vida que tantas vezes o maltratou e lhe fugiu tão, tão cedo, ingrata e infalível.


Há gente cuja alegria contagia a nossa. O meu querido amigo Francisco Febrero (por extenso Xitó), por exemplo, tem uma gargalhada que nos envolve a todos com a facilidade de um domingo de manhã, como diria o Lionel Ritchie.

Sobretudo naquelas madrugadas do Montalvo em que o Jorge Laires fazia uma jam de Ordinary Songs ou quando o Sporting marca um golo ao Benfica. O seu riso é tão saudável que faz parte da enorme generosidade em que engloba o Universo, ele que, à sua maneira, é um pequeno planeta com uma tremenda força gravitacional. O meu velho irmão Paulo Pimenta (por extenso Gelateiro), era mais dado à alegria escandalosa de Ivan Lins. Onde chegasse (sempre tarde) levantava o céu. As conversas mudavam, os espíritos agradeciam a sua pureza quase infantil de fazer da vida um jogo, essa vida que tantas vezes o maltratou e lhe fugiu tão, tão cedo, ingrata e infalível. Talvez a sua escala de 10 nas notas atribuídas às raparigas da nossa pós-adolescência nunca encaixasse verdadeiramente na minha escala de 20, mas isso, confesso, até dava jeito aos dois. Talvez a sua escala de notas na viola com que andava sempre na mão não batesse certo com a escala do nosso afinadíssimo e perfeccionista Jorge Laires. Mas, que importava que tocasse músicas inteiras com uma só nota se Tom Jobim nos ensinou que o samba pode ser de uma nota só? O som da sua voz trazia a melodia de quem não tem vergonha de saber como se goza. Partiu num dia de Fevereiro em que chovia como se o céu doesse. E como doía. E como ainda dói, acho que cada vez mais à medida que envelheço sem ele a meu lado, companheiro de noites que só morriam muito para lá das madrugadas.

A alegria ficou no brilho malandro dos seus olhos verdes e naquele bigodinho que usou à Omar Sharif. Como chegava sempre tarde, agora vingo-me: ele que espere por mim. Por sua causa ainda acredito que a vida pode ser maravilhosa.

afonso.melo@ionline.pt

Uma velha alegria de fevereiro


 As conversas mudavam, os espíritos agradeciam a sua pureza quase infantil de fazer da vida um jogo, essa vida que tantas vezes o maltratou e lhe fugiu tão, tão cedo, ingrata e infalível.


Há gente cuja alegria contagia a nossa. O meu querido amigo Francisco Febrero (por extenso Xitó), por exemplo, tem uma gargalhada que nos envolve a todos com a facilidade de um domingo de manhã, como diria o Lionel Ritchie.

Sobretudo naquelas madrugadas do Montalvo em que o Jorge Laires fazia uma jam de Ordinary Songs ou quando o Sporting marca um golo ao Benfica. O seu riso é tão saudável que faz parte da enorme generosidade em que engloba o Universo, ele que, à sua maneira, é um pequeno planeta com uma tremenda força gravitacional. O meu velho irmão Paulo Pimenta (por extenso Gelateiro), era mais dado à alegria escandalosa de Ivan Lins. Onde chegasse (sempre tarde) levantava o céu. As conversas mudavam, os espíritos agradeciam a sua pureza quase infantil de fazer da vida um jogo, essa vida que tantas vezes o maltratou e lhe fugiu tão, tão cedo, ingrata e infalível. Talvez a sua escala de 10 nas notas atribuídas às raparigas da nossa pós-adolescência nunca encaixasse verdadeiramente na minha escala de 20, mas isso, confesso, até dava jeito aos dois. Talvez a sua escala de notas na viola com que andava sempre na mão não batesse certo com a escala do nosso afinadíssimo e perfeccionista Jorge Laires. Mas, que importava que tocasse músicas inteiras com uma só nota se Tom Jobim nos ensinou que o samba pode ser de uma nota só? O som da sua voz trazia a melodia de quem não tem vergonha de saber como se goza. Partiu num dia de Fevereiro em que chovia como se o céu doesse. E como doía. E como ainda dói, acho que cada vez mais à medida que envelheço sem ele a meu lado, companheiro de noites que só morriam muito para lá das madrugadas.

A alegria ficou no brilho malandro dos seus olhos verdes e naquele bigodinho que usou à Omar Sharif. Como chegava sempre tarde, agora vingo-me: ele que espere por mim. Por sua causa ainda acredito que a vida pode ser maravilhosa.

afonso.melo@ionline.pt