No passado dia 28 de Dezembro escrevi uma crónica neste jornal, referindo as consequências para os tribunais da alteração ao artigo 40º do Código de Processo Penal pela Lei 94/2021, de 21 de Dezembro. Efectivamente, essa lei efectuou uma alteração a essa disposição, aumentando as situações de impedimento dos juízes de instrução, ficando os mesmos impedidos de realizar a instrução dos processos, desde que tenham praticado qualquer acto da competência do juiz de instrução durante a fase de inquérito.
O país não tem, no entanto, um número de juízes de instrução tão grande que permita o surgimento de tantos novos impedimentos, pelo que se prevê a paralisação de um grande número de processos penais, deixando de haver juízes em condições legais de realizar a sua instrução. Efectivamente, uma vez que a nova redacção da lei se vai aplicar aos processos em curso, estes processos terão que ser redistribuídos sempre que tiverem sido atribuídos a um juiz a quem o novo impedimento se aplique. No caso de se tratar de comarcas pequenas, pode mesmo ser necessário chamar juízes de outras comarcas para fazerem a instrução desses processos. Tudo isto vai provocar um atraso ainda maior nos nossos processos penais, que se vai juntar aos inúmeros atrasos já provocados pela pandemia. Por esse motivo, corre-se o risco de aumentar de forma exponencial a prescrição de crimes no nosso país, aumentando o descrédito da nossa justiça.
O que é extremamente preocupante é que esta solução tenha vindo a ser introduzida no Parlamento à última hora, sem que as entidades representativas do sector da justiça, designadamente a Ordem dos Advogados, tenham sido sequer ouvidas sobre esta alteração. Efectivamente, o art. 3º j) do Estatuto da Ordem dos Advogados determina expressamente que é atribuição da Ordem dos Advogados “ser ouvida sobre os projectos de diplomas legislativos que interessem ao exercício da advocacia e ao patrocínio judiciário em geral e propor as alterações legislativas que se entendam convenientes”. Ora, é manifesto que uma alteração ao Código de Processo Penal com este impacto nunca deveria ter sido aprovada pelo Parlamento sem que a Ordem dos Advogados tivesse sido ouvida.
Infelizmente temos assistido nos últimos tempos a sucessivas iniciativas legislativas realizadas de forma precipitada, sem que as mesmas sejam adequadamente ponderadas, designadamente através da audição das entidades representativas do sector da justiça. Mas é especialmente preocupante que, em consequência desta iniciativa legislativa, surja o risco de se estabelecer o caos nos tribunais, sem que sejam tomadas as medidas necessárias para que isso seja evitado.
Em ordem a poder resolver este problema, deveria desde já ser feito um diagnóstico preciso das consequências dessa alteração, identificando o Conselho Superior de Magistratura os processos em que se verifica o impedimento de juízes e verificar as possibilidades de substituição dos mesmos em tempo útil para evitar os atrasos dos processos. E o novo Governo deverá propor rapidamente ao Parlamento uma nova alteração ao Código de Processo Penal, sendo desta vez o processo legislativo realizado com a audição de todas as entidades representativas do sector da justiça, incluindo a Ordem dos Advogados.
A nossa justiça já foi profundamente afectada pela pandemia nos últimos dois anos para que agora se crie mais um novo factor de entropia que pode gerar mesmo o caos nos nossos tribunais. É por isso que é urgente tomar todas as medidas necessárias para que esse caos possa ser evitado.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990