Euclides Dâmaso no Ministério Público e arredores: Um retrato de uma vida e uma carreira


Não se deixa antever, na sua narração, nenhum outro desígnio, que não o da descrição dos muitos trabalhos realizados em prol da realização efetiva da Justiça.


Num tempo em que, por vezes com razão, na maior parte dos casos sem ela, se fala, generalizando, mal das magistraturas e nelas de determinados magistrados, faz bem ler o livro de Euclides Dâmaso intitulado «No Ministério Público e Arredores».

Esta obra, uma edição de autor, é um retrato de vida e de carreira.

Um retrato que, sem secura, busca, todavia, a objetividade na descrição de um percurso; um percurso seu e de uma geração de magistrados do MP.

Nele, ao contrário do que frequentemente acontece hoje, a realidade vem, por isso, sistematicamente documentada.

É esse rigor factual que torna esta obra diferente de muitas outras do género.

O seu autor narra, de maneira direta e desprovida de qualquer tentativa de autojustificação, autoindulgência ou autoelogio, os passos seguros, mas muitas vezes atribulados, de uma carreira sua de magistrado do MP.

Uma carreira feita desde o início da consagração da autonomia desta magistratura, introduzida com a sua primeira Lei Orgânica, e consagrada, depois, na Constituição.

Uma carreira que, por isso, acompanhou todos os passos bons, ou maus, que esta magistratura foi dando, para consolidar a iniciativa processual em defesa da legalidade, a concretizar, depois, nos tribunais.

Por isso, e como já referi, é muito relevante ler os documentos coligidos no livro pelo autor, pois eles funcionam como confirmações do que aí se escreve e defende, a propósito dos degraus que, ao longo dos anos, o MP foi galgando com maior ou menor dificuldade para cumprir a sua função constitucional.

E, contudo, não se procura, nem se deixa antever, na narração e nas provas que a documentam, nenhum outro desígnio – assumido ou idealizado – que não o da descrição dos muitos trabalhos realizados em prol da realização efetiva da Justiça.

Ora, esta é, também, uma qualidade já rara em algum discurso sobre a Justiça e na intervenção de certos magistrados em constante busca de evidência.

Um cuidado com a realização pura e simples da Justiça – uma preocupação sem adornos nem pretensões próprias ou corporativas de qualquer tipo – parece, com efeito, estar fora de moda.

O protagonismo vai hoje para os que sempre se sentiram imbuídos de espírito de missionário, de inspirações tão volúveis e variadas quanto, pelo menos, as tendências mediáticas do momento.

É o que acontece, por exemplo, com o eruptivo fenómeno da corrupção.

Euclides Dâmaso, pelo contrário, centra-se mais nas eternas – mas sempre dinâmicas – funções e intenções gerais da Justiça e no que estas valem, sem mais, quando têm de realizar-se em cada situação e processo concreto.

Sendo, como se pode ler no livro, muito conhecedor do fenómeno corruptivo, o seu autor não se centra, contudo, nele e nas ações concretas que, nesse campo, desenvolveu, nem – como muitos procuradores da sua geração – faz dele o desígnio único do MP ou o da projeção da sua carreira.

Tudo o que teoriza – e muita de tal teorização vem justificada nos inúmeros documentos que publica – tem, precisamente, o sentido simples e depurado de permitir que toda a Justiça se exerça de acordo com métodos eficientes e procedimentos escrupulosos e indubitáveis.

Claro está que Euclides Dâmaso, um homem e magistrado do seu tempo, compreendeu, muito cedo, que sem inovação procedimental, técnica e organizativa não era mais possível intervir, com rigor e discernimento, na investigação da criminalidade atual.

Por tal razão, como bem descreve no capítulo dedicado ao DIAP Distrital de Coimbra, muito do seu esforço enquanto dirigente daquele departamento orientou-se, desde logo, para o seu adequado apetrechamento humano e técnico.

É essa a característica de um verdadeiro dirigente: a capacidade de se interessar e intervir nos aspetos jurídicos e estratégicos dos casos mais complexos – não deixando a responsabilidade toda nos ombros dos seus subordinados – e, simultaneamente, procurar sempre que aqueles exerçam as suas funções nas melhores condições, para que os resultados possam ser alcançados em tempo e com sucesso.

Contou-me, a propósito, um colega que com ele trabalhou, que Euclides foi dos primeiros dirigentes do MP a compreender e realizar a necessidade de que os procuradores que dirigiam as investigações mais complexas, deveriam, também, dar por elas a cara em julgamento, por serem, naturalmente, os mais habilitados a conhecer o processo e, assim, a conseguir produzir prova válida e suficiente em juízo.

Assim, se deveriam confundir, também, num único magistrado, evidência pública com responsabilidade pessoal.

Esta capacidade de reunir, simultaneamente, conhecimentos atualizados e rigor jurídico com o sentido estratégico na organização dos serviços e na orientação da atuação dos magistrados, é a qualidade que melhor o define enquanto procurador e dirigente do MP.

Quem ler estas suas memórias perceberá isso e muito mais.

Ficará, por certo, com uma imagem de um MP e dos procuradores de uma certa geração que, em vez de procurarem protagonismo interno ou externo à custa da notoriedade dos casos com que tiveram de lidar, pretendiam, sobretudo, e mais prosaicamente, conseguir realizar o Estado de Direito e os direitos que a então jovem Democracia prometia e exigia que fossem assegurados.

 

 

 

 

 

Euclides Dâmaso no Ministério Público e arredores: Um retrato de uma vida e uma carreira


Não se deixa antever, na sua narração, nenhum outro desígnio, que não o da descrição dos muitos trabalhos realizados em prol da realização efetiva da Justiça.


Num tempo em que, por vezes com razão, na maior parte dos casos sem ela, se fala, generalizando, mal das magistraturas e nelas de determinados magistrados, faz bem ler o livro de Euclides Dâmaso intitulado «No Ministério Público e Arredores».

Esta obra, uma edição de autor, é um retrato de vida e de carreira.

Um retrato que, sem secura, busca, todavia, a objetividade na descrição de um percurso; um percurso seu e de uma geração de magistrados do MP.

Nele, ao contrário do que frequentemente acontece hoje, a realidade vem, por isso, sistematicamente documentada.

É esse rigor factual que torna esta obra diferente de muitas outras do género.

O seu autor narra, de maneira direta e desprovida de qualquer tentativa de autojustificação, autoindulgência ou autoelogio, os passos seguros, mas muitas vezes atribulados, de uma carreira sua de magistrado do MP.

Uma carreira feita desde o início da consagração da autonomia desta magistratura, introduzida com a sua primeira Lei Orgânica, e consagrada, depois, na Constituição.

Uma carreira que, por isso, acompanhou todos os passos bons, ou maus, que esta magistratura foi dando, para consolidar a iniciativa processual em defesa da legalidade, a concretizar, depois, nos tribunais.

Por isso, e como já referi, é muito relevante ler os documentos coligidos no livro pelo autor, pois eles funcionam como confirmações do que aí se escreve e defende, a propósito dos degraus que, ao longo dos anos, o MP foi galgando com maior ou menor dificuldade para cumprir a sua função constitucional.

E, contudo, não se procura, nem se deixa antever, na narração e nas provas que a documentam, nenhum outro desígnio – assumido ou idealizado – que não o da descrição dos muitos trabalhos realizados em prol da realização efetiva da Justiça.

Ora, esta é, também, uma qualidade já rara em algum discurso sobre a Justiça e na intervenção de certos magistrados em constante busca de evidência.

Um cuidado com a realização pura e simples da Justiça – uma preocupação sem adornos nem pretensões próprias ou corporativas de qualquer tipo – parece, com efeito, estar fora de moda.

O protagonismo vai hoje para os que sempre se sentiram imbuídos de espírito de missionário, de inspirações tão volúveis e variadas quanto, pelo menos, as tendências mediáticas do momento.

É o que acontece, por exemplo, com o eruptivo fenómeno da corrupção.

Euclides Dâmaso, pelo contrário, centra-se mais nas eternas – mas sempre dinâmicas – funções e intenções gerais da Justiça e no que estas valem, sem mais, quando têm de realizar-se em cada situação e processo concreto.

Sendo, como se pode ler no livro, muito conhecedor do fenómeno corruptivo, o seu autor não se centra, contudo, nele e nas ações concretas que, nesse campo, desenvolveu, nem – como muitos procuradores da sua geração – faz dele o desígnio único do MP ou o da projeção da sua carreira.

Tudo o que teoriza – e muita de tal teorização vem justificada nos inúmeros documentos que publica – tem, precisamente, o sentido simples e depurado de permitir que toda a Justiça se exerça de acordo com métodos eficientes e procedimentos escrupulosos e indubitáveis.

Claro está que Euclides Dâmaso, um homem e magistrado do seu tempo, compreendeu, muito cedo, que sem inovação procedimental, técnica e organizativa não era mais possível intervir, com rigor e discernimento, na investigação da criminalidade atual.

Por tal razão, como bem descreve no capítulo dedicado ao DIAP Distrital de Coimbra, muito do seu esforço enquanto dirigente daquele departamento orientou-se, desde logo, para o seu adequado apetrechamento humano e técnico.

É essa a característica de um verdadeiro dirigente: a capacidade de se interessar e intervir nos aspetos jurídicos e estratégicos dos casos mais complexos – não deixando a responsabilidade toda nos ombros dos seus subordinados – e, simultaneamente, procurar sempre que aqueles exerçam as suas funções nas melhores condições, para que os resultados possam ser alcançados em tempo e com sucesso.

Contou-me, a propósito, um colega que com ele trabalhou, que Euclides foi dos primeiros dirigentes do MP a compreender e realizar a necessidade de que os procuradores que dirigiam as investigações mais complexas, deveriam, também, dar por elas a cara em julgamento, por serem, naturalmente, os mais habilitados a conhecer o processo e, assim, a conseguir produzir prova válida e suficiente em juízo.

Assim, se deveriam confundir, também, num único magistrado, evidência pública com responsabilidade pessoal.

Esta capacidade de reunir, simultaneamente, conhecimentos atualizados e rigor jurídico com o sentido estratégico na organização dos serviços e na orientação da atuação dos magistrados, é a qualidade que melhor o define enquanto procurador e dirigente do MP.

Quem ler estas suas memórias perceberá isso e muito mais.

Ficará, por certo, com uma imagem de um MP e dos procuradores de uma certa geração que, em vez de procurarem protagonismo interno ou externo à custa da notoriedade dos casos com que tiveram de lidar, pretendiam, sobretudo, e mais prosaicamente, conseguir realizar o Estado de Direito e os direitos que a então jovem Democracia prometia e exigia que fossem assegurados.