Club Makumba. “A nossa música não ergue muros, nem fronteiras entre povos e culturas”

Club Makumba. “A nossa música não ergue muros, nem fronteiras entre povos e culturas”


O i esteve à conversa com Gonçalo Leonardo, dos Club Makumba, a nova aventura musical de Tó Trips, e falou sobre como a sua música, mesmo sem palavras, procura adotar uma postura interventiva


Tó Trips, guitarrista português e uma metade dos Dead Combo, estava farto de estar na estrada sozinho a apresentar o seu disco a solo Guitarra Makaka, lançado em 2015, o que o motivou a convidar o baterista e percussionista, João Doce, para o acompanhar na tour.
O saxofonista Gonçalo Prazeres e o baixista Gonçalo Leonardo acompanharam os Dead Combo na criação do seu último disco, Odeon Hotel.
Apesar das diferentes formações e carreiras de todos estes homens, mas encantado com o talento, Tó Trips convidou estes músicos para formar a sua nova aventura musical, Club Makumba, que editou no dia 21 de janeiro o seu disco de estreia.
Gonçalo Leonardo esteve à conversa com o i e explicou como é que o grupo se inspirou na região do Mediterrâneo para criar o seu som e como a sua música, mesmo sem palavras, procura adotar uma postura interventiva.

 

O disco de estreia dos Clube Makumba está a ser trabalhado desde 2019, qual a razão para só ser lançado agora?

Esta foi a altura certa para editar o disco e lançar a banda. Começámos a gravar em novembro de 2019 e já estava pronto a lançar no ano seguinte, mas com o fim do mundo [risos] teve de ser adiado até que chegassem melhores dias. Entretanto, surgiu um convite por parte do Centro Cultural de Belém para fazermos um concerto nesta sala, no dia 27 de janeiro, e decidimos que poderia ser uma boa altura para lançar o disco e começar a agendar novos concertos para mostrar a banda.

Como foram as sessões de gravação de Club Makumba?

O disco foi gravado durante uma semana nos estúdios Namouche e as sessões correram bastante bem. Tínhamos ideias bem definidas e delineadas, o que nos deu tempo para gravar as músicas e acrescentar mais alguns detalhes. O disco foi feito em “tempo recorde”, juntámo-nos os quatro, em agosto de 2019, e, três meses depois, já estávamos a gravar o disco. Apesar do pouco tempo que estivemos juntos existia muita fluidez na forma como montámos as músicas.

Apesar de serem quatro músicos de contextos completamente diferentes é interessante como conseguiram criar essa dinâmica.

Todos gostamos de ouvir coisas diferentes, mas em termos de formação e caminho que fizemos ao longo da nossa carreira existem grandes diferenças. Eu tenho uma formação mais ligada ao jazz, o Tó e o João vêm do rock e o Gonçalo está um bocado ali no meio [risos]. Mas, apesar de vir do jazz, não quer dizer que não ouça rock ou outros estilos. Eu e o Gonçalo já tínhamos trabalhado com o Tó porque tínhamos feito vários concertos dos Dead Combo na tour do Odeon Hotel, que mais tarde nos convidou para formar os Club Makumba.

Quando começaram a tocar juntos, como foi conciliar todos estes percursos diferentes num som único?

Não foi difícil. Esta é uma banda de todos e tínhamos carta branca para tocar e ir onde quiséssemos. Havia uma base, que era o trabalho que o Tó tinha desenvolvido no seu disco a solo, Guitarra Makaka, que, inclusive, já tinha tocado ao vivo com o João. Quando começámos a trabalhar juntos, para não ser só uma sessão de improviso, pegámos neste trabalho e fizemos arranjos novos. Acabámos também por falar entre o grupo para tentar perceber qual era o universo que queríamos explorar. Abordámos como seria interessante explorar um som mais mediterrâneo, mas não queríamos usar ritmos ou melodias que já existissem, queríamos criar uma imagem do que imaginávamos que seriam esses sons. É engraçado porque devido a todas estas diferenças de contextos musicais, quando eu levava uma ideia para um ensaio, no final, a imagem que tinha transformava-se em algo completamente diferente. Estas diferenças são sempre bem-vindas no grupo e são o que o tornam tão interessante.

Mas além desse desconhecido, existem certas ideias que nos pretendem levar a lugares mais concretos, por exemplo, na vossa descrição falam de que se inspiraram numa “África imaginada”, como chegaram a essa imagem?

Nós temos uma imagem na nossa mente, mas isso não quer dizer que vamos pegar em elementos existentes e reproduzi-los conforme as suas origens. Vamos tentar materializar esta música da forma como a pensamos. Neste caso, apontámos a nossa bússola a esta zona do mediterrâneo, que abarca tantas culturas e elementos diferentes. É um elo de ligação tão grande e que está tão perto e por isso decidimos que o som deveria soar a todas estas influências. Acho que foi uma fusão que aconteceu naturalmente, não foi muito falado entre os membros da banda, qual era o objetivo para a nossa banda, mas houve esta abordagem ao som.

Som esse, que também foi inspirado pela parte visual dos Club Makumba.

Sim, a capa do disco foi uma inspiração. Ela foi desenhada pelo Tó Trips, que também trabalha como designer gráfico, antes de existir qualquer som por parte da banda. Isso ajudou-nos a transportar para esse universo. O desenho é baseado num quadro do século XIX, da autoria de Théodore Gericault (1791-1824), “A balsa da medusa”, onde é retratado um naufrágio, que levanta a questão de uma passagem, de esperança, mas ao mesmo tempo de tragédia. Isto são tudo temas e questões que assistimos com a situação dos migrantes no mediterrâneo. Estas realidades acabaram por confluir e surgiram todas no nosso disco.

Os Club Makumba adotaram esta postura intervencionista. Além do trabalho visual da capa, como é que isto se reflete na vossa música? 

É mais uma questão de atitude. Queríamos que a banda fosse ativista, que não fizesse apenas música, mas que também refletisse ou falasse sobre temas que nos preocupam, como é o caso dos refugiados. Temos que pensar que a nossa banda nunca existiria se não fosse toda esta postura de confluência de culturas. Como é que poderíamos estar a separar culturas se a nossa música se reflete nisso, uma vez que vamos buscar influências a todo o lado. Apesar de não termos letras, sinto que se reflete nessa postura. Lá porque é uma música instrumental podemos tentar passar uma mensagem sobre todos os assuntos que nos apoquentam, se não, não estávamos aqui a falar sobre estes temas. Só o facto de ter criado este diálogo e de podermos partilhar as nossas visões com um público, podemos tentar utilizar a nossa voz para criar sensibilidade a estes problemas. Esta posição é política, mas não é uma política de esquerda ou direita, é uma posição em que queremos lutar por garantir os direitos fundamentais das pessoas. 

É interessante falar sobre a confluência de culturas na vossa música, porque este disco acaba por ser quase um melting pot. 

A nossa música não ergue muros, não cria fronteiras entre povos e culturas. Toda esta postura é audível na nossa música, consegues perceber que tem influências de sítios diferentes, como África, ou o Oriente, mas nunca esquecendo os nossos lares.

Depois de estarmos a falar do poder que tem a vossa música e das suas características intervencionistas, será que podemos afirmar que o jazz é uma nova “arma”?

Essa componente não é nova, especialmente entre os grupos de free jazz, nos anos de 1950 e 1960, que tinham uma voz e uma atitude de intervenção, como e o caso do Charlie Haden e da sua Liberation Music Orchestra. Também sentimos que atualmente esta é uma atitude que é menos adotada. Existe muita música, mas que às vezes não passa disso. Não há nenhum problema com isso, mas queríamos que a nossa fosse diferente, que tivesse alguma carga. Nós somos músicos, isto é a nossa vida, é o que fazemos, mas ao mesmo tempo não queremos que seja só para nós, se temos oportunidade para dizer algo queremos fazê-lo.

No entanto, apesar de toda esta carga séria da vossa música, é inegável que a vossa música tem a capacidade de colocar um auditório a dançar. Como é que tem sido os primeiros concertos do vosso grupo?

Já apanhámos concertos com malta sentada e que dava para sentir que queriam era estar em pé a dançar. Mas no concerto que demos em Faro estava a audiência a dançar. Queríamos que a música deixasse as pessoas a mexer, não queríamos perder esta componente rítmica, e isso sempre foi uma base de trabalho para os Club Makumba. É importante sentir que as pessoas se sentem livre e que pessoas de diferentes sítios possam dançar de maneiras completamente diferentes e que a sintam de maneiras diferentes. De certa maneira, isto é um ato de libertação que interessa à banda.

E como é que os Club Makumba se sentem ao tentar fazer uma audiência dançar numa altura em que parece que o país se encontra cada vez mais dividido politicamente?

Não é uma pergunta fácil. Sinto que temos que fazer aquilo em que acreditamos. Temos que garantir que existe o menor número de barreiras possíveis entre as pessoas e culturas, nunca o contrário. É isto que queremos demonstrar. Não queremos ter posições políticas e partidárias, mas sim numa posição mais genérica e global, em que todas as pessoas se consigam entender sem problemas. Temos que respeitar todas as nossas diferenças e levantar todas as limitações entre as nossas relações