Os meus amigos do CDS devem sentir-se como os cidadãos de Roma no dia seguinte ao saque da cidade pelos Visigodos em 24 de Agosto de 410; ou como os cidadãos do império moribundo naquela data de 476 em que o chefe ostrogodo Odoacro depôs o último imperador romano Romulus Augustus. Desorientados.
Também em Bizâncio havia coisas assim tremendas: depois de uma tragédia, não raro, os imperadores recolhiam a um convento ou cegavam-nos, ou as duas coisas ao mesmo tempo.
Eu não sou médico legista, mas não é difícil passar a certidão de óbito ao CDS depois da tragédia de domingo, 30 de Janeiro. Os partidos moribundos, é assim, morrem na praia, a meia dúzia de votos da eleição do último deputado da noite, enquanto outros festejam a aquisição dos seus despojos e outros ainda a vitória triunfal. O mais triste de quem parte é ver quem fica a celebrar a vida e a vitória, enquanto que os sonhos de toda uma geração de políticos conservadores se esvai para aquele sítio obscuro chamado esquecimento.
No entanto, é bom notar que a tragédia do CDS é apenas a metáfora do desastre que a direita sofreu domingo dia 30 de Janeiro de 2022.
Houve quem chorasse, quem encolhesse filosoficamente os ombros e quem tenha acrescentado, depois de contribuir o melhor que pode e soube para esse desfecho, “eu bem avisei”. Não vou aqui dissecar as causas e as razões do triste fim de um partido essencial à democracia, outros o farão bem melhor do que eu, que nem sequer sou militante do CDS. Vou é chamar a atenção para duas ou três coisas, de que não me cansei de falar ao longo dos últimos anos:
Em primeiro lugar, lamento dizê-lo, a imbecilidade estratégica do PSD. Estaremos todos recordados de como o PSD recusou com sobranceria (era uma mera “caridade”) uma nova AD com o CDS. Contados os votos, verifica-se que essa “caridade” lhe teria permitido, ao menos, evitar uma maioria absoluta do PS e provavelmente ganhar em conjunto mais 8 a 12 deputados na Assembleia. Uma falta de caridade que saiu cara ao PSD e a nós, caríssima.
Mas há mais: também nos lembraremos todos de como Rui Rio desqualificou a necessidade de cobrir a sua direita, avançando que não se ia maçar por “meia dúzia de votos” que os partidos à sua direita receberiam. Essa meia dúzia de votos foram quase 16% a nível nacional, mais em Lisboa e no Porto, e 20 deputados na Assembleia. É verdade que de permeio o PSD realizou o seu velho desígnio de acabar com o CDS, um partido odiado pelo sistema desde que votou contra a constituição socialista de 1976. Espero que lhes dê alento, o cumprimento desse desígnio…
Aquilo que a meu ver determinou a rejeição da direita pelo eleitorado foi a compreensão de que Rio se recusou a ocupar o lugar natural que o PSD tem no sistema, assumindo-se quase como um partido socialista aguado, como se estivéssemos em 1975 e houvesse medo de assumir uma real divergência com o sistema; a percepção – realista – de que a direita não oferecia nenhuma alternativa válida ao socialismo soft de Costa; de que o voto à direita era uma aventura, porque a direita não teve o cuidado de se organizar. Disse isto aqui muitas e muitas vezes.
Os dois partidos da direita que no domingo puderam celebrar alguma coisa, são cada qual extremista à sua maneira: o Chega, que é um partido de ressentimentos, ideias feitas de falsidades e alarvidades, e a Iniciativa Liberal, cujas ideias são sedutoras (e com as quais concordo a 99%) mas totalmente utópicas e inexequíveis. Entre o que a IL propõe e a realidade interpõe-se essa coisa tão simples como a Constituição da República.
Dou dois exemplos, por respeito a essas boas ideias: a ideia de criar uma taxa única de imposto sobre os rendimentos pessoais embate de frente no artigo 104º, 1, da CRP, que diz que o sistema fiscal deve ser “progressivo” e não “proporcional”. Não vale a pena estar a discutir os conceitos porque qualquer jurista mediamente informado poderá explicar a jurisprudência do Tribunal Constitucional que os densifica.
A ideia de fundir os conselhos superiores das magistraturas num único e criar uma única jurisdição, é excelente (tirando a parte do Ministério Público) mas, lá está, artigos 202º e seguintes da CRP: não é possível.
O que é que a IL nos quer propor? Uma revisão de fundo da Constituição que permitisse pôr essas ideias em prática? Pois já muito o tentaram. Boa sorte na tentativa. E se conseguissem, comecem por tirar o caminho constitucional para o socialismo que ainda está no preâmbulo do texto…
Agora, do que não há dúvida é que a IL é o novo CDS (a quem aliás tirou uma grande parte do eleitorado) tirando os valores a que certos jornalistas chamam “fundamentalismo conservador”. Eu pessoalmente, estou de acordo com quase tudo, como já estava em 1983, no tempo do Francisco Lucas Pires. Já dá uma ideia da novidade destas propostas.
Prosseguindo: graças à imbecilidade estratégica do PSD, à descarada manipulação das “sondagens” que davam um “empatão” (já repararam na sofisticação de ter baptizado a coisa e tudo?), ao crescimento de dois partidos extremistas à direita, o PSD manteve a sua minguada votação e o PS teve maioria absoluta.
Agora vamos ter de nos haver quatro longos e deprimentes anos com este PS absoluto, incapaz de qualquer reforma estrutural, porque todas põem em causa os interesses das suas clientelas que lhe asseguram vitórias quase automáticas; com um sistema informativo totalmente cativo do beneplácito do poder que emana do PS; com os contrapoderes nas mãos do mesmo; com uma Assembleia da República que nem debates quinzenais tem e onde a única coisa audível vai ser o rugir feroz do Chega… um pesadelo, sobretudo porque o tempo já escasseia para inverter o rumo do País e, ano após ano, o marasmo piora.
Alguém acredita sinceramente que em 2026 estaremos melhor do que estamos hoje? Que estes quatro anos de imobilismo socialista nos vão permitir sair do marasmo? A quem acreditar, dou os meus parabéns pela fé demonstrada.
Aos outros, vaticino-lhes quatro anos de frustração e de descanso inquieto.
Mas não, descansem em paz, porque a Pátria está entregue aos desígnios bondosos e honestos do Dr. Costa, que só quer prosseguir para continuar a prosseguir na continuidade, sob a paternal tutela do General António Óscar de
Fragoso Carmona (1), também conhecido como Marcelo Rebelo de Sousa.
Bom descanso!
(1) Aos meus leitores que não saibam quem é, aconselho o estudo, mesmo perfunctório, da História de Portugal
Advogado, ex-politico