A conivência com o ódio dificultará sempre o compromisso


Portugal tem problemas estruturais que nunca foram respondidos, porque os recursos são escassos, as prioridades são outras e as mudanças de governo originam sempre um momento inicial de implosão de parte do que vem do anterior Executivo.


A realidade é demasiado exigente e complexa para que possamos dispensar a criação de condições para o compromisso em torno do interesse geral. Não, não estou a falar de um Bloco Central, nem de qualquer reflexão sobre os resultados das legislativas, pois escrevemos na manhã em que os portugueses começaram a pronunciar-se sobre a crise gerada pela solução governativa e as perspetivas para o futuro. 

Portugal tem problemas estruturais que nunca foram respondidos, porque os recursos são escassos, as prioridades são outras e as mudanças de governo originam sempre um momento inicial de implosão de parte do que vem do anterior Executivo.

Portugal tem novos problemas resultantes dos impactos pandémicos, do plano da saúde mental à atrofia dos escalões de formação desportiva das diversas modalidades, da esfera individual a várias expressões das vivências comunitárias condicionadas pela covid-19.

Portugal enfrenta diversos desafios de futuro, de sustentabilidade das opções políticas, de reequilíbrio dos direitos e dos deveres, de inversão de tendências negativas para uma comunidade com mínimos de coesão, de integração e de desenvolvimento, e de resposta aos desafios das alterações climáticas, da transição energética e da transição digital, sem comprometer as realidades atuais, por vezes, muito distantes de decisores que entre a utopia e o agrado a Bruxelas, se esquecem das pessoas e dos territórios reais.

Temos tudo isto pela frente, a exigir compromisso, rasgo, coragem e sustentabilidade na ação, mas, alguns insistem em percorrer caminhos de interação social assentes no insulto, na soberba, na superficialidade e numa liberdade de expressão que não hesita em descambar em divisões estéreis, em mentiras, na promoção do ódio e num tribalismo no limiar da acefalia face à fragilidade dos argumentos próprios, em que os casos mais inacreditáveis até são de ex-jornalistas na funções político-partidárias.

Podia ser na política, nas redes sociais – palco maior das conversas das tascas e dos cafés agora projetadas urbi et orbi –, em várias áreas do nosso quotidiano, mas também no desporto e no futebol em particular. Enquanto a Federação Portuguesa de Futebol, a Liga Portugal e as autoridades de toda a ordem, das políticas às judiciais, considerarem aceitável que bandos identificados com clubes passem jogos inteiros a entoarem cânticos de insulto e de promoção de ódio, mesmo que os visados nem sejam os adversários do dia, sem que os respetivos clubes sejam severamente punidos, estamos a sinalizar que não há linhas vermelhas para a afirmação do amor a um determinado clube. Bem podem proclamar que é preciso outro ambiente, que a gestão desportiva deve ter maior lisura, transparência e verdade em linha com a relevância social e económica da atividade, enquanto permitirem que um cidadão em casa, num estádio ou num pavilhão, só pela condição das suas opções individuais esteja sujeito a ser insultado de forma gratuita e impune por quem não vê nada melhor para sustentar a sua afirmação do que a agressão verbal ao outro. Quem aceita o rastilho, reiterado e evidente, que nada tem a ver com rivalidade desportiva, é conivente com a promoção do ódio e com as suas desmultiplicações individuais e comunitárias. É que haver regras e serem aplicadas, faz toda diferença. Basta ver que, no essencial, os comportamentos dos adeptos modelam-se em função das competições serem nacionais ou internacionais. É que nas competições europeias não vigora a República das Bananas de Fernando Gomes e Pedro Proença, sendo as penalizações suficientemente dissuasoras. 

E, por muito que não pareça, isto anda tudo ligado com o Portugal que queremos e os desafios que temos no horizonte. É que depois do tribalismo da campanha eleitoral e da expressão da vontade popular, depois do rasgar de vestes, da escalada verbal, das precisões e das distorções, da espuma dos dias, é preciso, será sempre preciso, compromisso em torno do interesse geral, com equilíbrio, sustentabilidade e noção do todo. É claro que os formatados em alguma espécie de ódio, real ou artificial, em função de objetivos políticos ou do vale tudo, tão do agrado de alguns, terão uma enorme dificuldade em se focar no compromisso e no interesse geral. É esse o problema dos insultos nos jogos ou da dialética do quotidiano. O defeito torna-se feitio, entranhado no corpo e a gravitar no cérebro, que, da escola, já veio mais treinado para debitar do que para pensar. Continuar a não quebrar estas cadeias instaladas na sociedade portuguesa é condenar-nos a nunca termos condições para responder aos três grandes desafios que temos pela frente: os estruturais, os que resultam da pandemia e os que estão identificados como as ameaças e as oportunidades do futuro. Também para isso, os cinquenta anos de Democracia poderiam ser aproveitados para identificar os problemas não resolvidos, estabelecer mínimos de consenso e definir um programa de respostas a concretizar qualquer que fosse o governo, sem mudanças a cada alteração dos políticos de turno.

A não ser assim, continuaremos a ter mais do mesmo e a ser bafejados por insultos durante um espetáculo desportivo porque quem manda acha bem que se promova o ódio com um clube rival e com os seus adeptos, verbalizado em cânticos tribalistas acéfalos.

NOTAS FINAIS

ABSTENÇÃO. E QUE TAL AGIR. Não é preciso o apuramento dos resultados para voltarmos a falar de abstenção. Mesmo a escrever com a votação a decorrer, é uma inevitabilidade que a abstenção seja elevada e que os lamentos sejam muitos. E que tal um compromisso nacional para a redução da abstenção, com medidas concretas para limpar cadernos eleitorais e agilizar o processo eleitoral. A trabalhar a partir de hoje, com prazo para a consensualização e a execução. É pedir demais. Então, continuaremos no queixume pós-eleitoral inconsequente.

ANACRONISMOS ELEITORAIS. Se há voto antecipado e em mobilidade, por vontade própria, não faz sentido persistir num anacrónico período de reflexão, em que a atualidade impacta na alegada reflexão sem influências político-partidárias. A morte de um bebé por alegada ausência de resposta do INEM por indisponibilidade de médico para o veículo de emergência, para além da tragédia familiar, sublinha uma anomalia do sistema de saúde. É claro que tem relevância política, mas os portugueses têm maturidade cívica e política para processarem as informações, sem que precisem de um dia de alegada suspensão do quotidiano.

OS POLÍGRAFOS VIERAM PARA FICAR E AINDA BEM. As circunstâncias mudam, as convicções podem mudar, as perceções e a realidades são voláteis. A forma de fazer política joga com tudo isso. Alguns não hesitam em dizer uma coisa e o seu contrário, confortados que estavam da ausência de escrutínio cívico e mediático. A mentira ainda não tem a perna curta, mas alguns protagonistas habituados a “cataventar”, a que os fins justifiquem todos os meios e a não terem de dar explicações, dando-se ao desplante de declararem encerrados temas têm a vida dificultada com o esforço de verificação das afirmações. E bem! 
Escreve à segunda-feira

A conivência com o ódio dificultará sempre o compromisso


Portugal tem problemas estruturais que nunca foram respondidos, porque os recursos são escassos, as prioridades são outras e as mudanças de governo originam sempre um momento inicial de implosão de parte do que vem do anterior Executivo.


A realidade é demasiado exigente e complexa para que possamos dispensar a criação de condições para o compromisso em torno do interesse geral. Não, não estou a falar de um Bloco Central, nem de qualquer reflexão sobre os resultados das legislativas, pois escrevemos na manhã em que os portugueses começaram a pronunciar-se sobre a crise gerada pela solução governativa e as perspetivas para o futuro. 

Portugal tem problemas estruturais que nunca foram respondidos, porque os recursos são escassos, as prioridades são outras e as mudanças de governo originam sempre um momento inicial de implosão de parte do que vem do anterior Executivo.

Portugal tem novos problemas resultantes dos impactos pandémicos, do plano da saúde mental à atrofia dos escalões de formação desportiva das diversas modalidades, da esfera individual a várias expressões das vivências comunitárias condicionadas pela covid-19.

Portugal enfrenta diversos desafios de futuro, de sustentabilidade das opções políticas, de reequilíbrio dos direitos e dos deveres, de inversão de tendências negativas para uma comunidade com mínimos de coesão, de integração e de desenvolvimento, e de resposta aos desafios das alterações climáticas, da transição energética e da transição digital, sem comprometer as realidades atuais, por vezes, muito distantes de decisores que entre a utopia e o agrado a Bruxelas, se esquecem das pessoas e dos territórios reais.

Temos tudo isto pela frente, a exigir compromisso, rasgo, coragem e sustentabilidade na ação, mas, alguns insistem em percorrer caminhos de interação social assentes no insulto, na soberba, na superficialidade e numa liberdade de expressão que não hesita em descambar em divisões estéreis, em mentiras, na promoção do ódio e num tribalismo no limiar da acefalia face à fragilidade dos argumentos próprios, em que os casos mais inacreditáveis até são de ex-jornalistas na funções político-partidárias.

Podia ser na política, nas redes sociais – palco maior das conversas das tascas e dos cafés agora projetadas urbi et orbi –, em várias áreas do nosso quotidiano, mas também no desporto e no futebol em particular. Enquanto a Federação Portuguesa de Futebol, a Liga Portugal e as autoridades de toda a ordem, das políticas às judiciais, considerarem aceitável que bandos identificados com clubes passem jogos inteiros a entoarem cânticos de insulto e de promoção de ódio, mesmo que os visados nem sejam os adversários do dia, sem que os respetivos clubes sejam severamente punidos, estamos a sinalizar que não há linhas vermelhas para a afirmação do amor a um determinado clube. Bem podem proclamar que é preciso outro ambiente, que a gestão desportiva deve ter maior lisura, transparência e verdade em linha com a relevância social e económica da atividade, enquanto permitirem que um cidadão em casa, num estádio ou num pavilhão, só pela condição das suas opções individuais esteja sujeito a ser insultado de forma gratuita e impune por quem não vê nada melhor para sustentar a sua afirmação do que a agressão verbal ao outro. Quem aceita o rastilho, reiterado e evidente, que nada tem a ver com rivalidade desportiva, é conivente com a promoção do ódio e com as suas desmultiplicações individuais e comunitárias. É que haver regras e serem aplicadas, faz toda diferença. Basta ver que, no essencial, os comportamentos dos adeptos modelam-se em função das competições serem nacionais ou internacionais. É que nas competições europeias não vigora a República das Bananas de Fernando Gomes e Pedro Proença, sendo as penalizações suficientemente dissuasoras. 

E, por muito que não pareça, isto anda tudo ligado com o Portugal que queremos e os desafios que temos no horizonte. É que depois do tribalismo da campanha eleitoral e da expressão da vontade popular, depois do rasgar de vestes, da escalada verbal, das precisões e das distorções, da espuma dos dias, é preciso, será sempre preciso, compromisso em torno do interesse geral, com equilíbrio, sustentabilidade e noção do todo. É claro que os formatados em alguma espécie de ódio, real ou artificial, em função de objetivos políticos ou do vale tudo, tão do agrado de alguns, terão uma enorme dificuldade em se focar no compromisso e no interesse geral. É esse o problema dos insultos nos jogos ou da dialética do quotidiano. O defeito torna-se feitio, entranhado no corpo e a gravitar no cérebro, que, da escola, já veio mais treinado para debitar do que para pensar. Continuar a não quebrar estas cadeias instaladas na sociedade portuguesa é condenar-nos a nunca termos condições para responder aos três grandes desafios que temos pela frente: os estruturais, os que resultam da pandemia e os que estão identificados como as ameaças e as oportunidades do futuro. Também para isso, os cinquenta anos de Democracia poderiam ser aproveitados para identificar os problemas não resolvidos, estabelecer mínimos de consenso e definir um programa de respostas a concretizar qualquer que fosse o governo, sem mudanças a cada alteração dos políticos de turno.

A não ser assim, continuaremos a ter mais do mesmo e a ser bafejados por insultos durante um espetáculo desportivo porque quem manda acha bem que se promova o ódio com um clube rival e com os seus adeptos, verbalizado em cânticos tribalistas acéfalos.

NOTAS FINAIS

ABSTENÇÃO. E QUE TAL AGIR. Não é preciso o apuramento dos resultados para voltarmos a falar de abstenção. Mesmo a escrever com a votação a decorrer, é uma inevitabilidade que a abstenção seja elevada e que os lamentos sejam muitos. E que tal um compromisso nacional para a redução da abstenção, com medidas concretas para limpar cadernos eleitorais e agilizar o processo eleitoral. A trabalhar a partir de hoje, com prazo para a consensualização e a execução. É pedir demais. Então, continuaremos no queixume pós-eleitoral inconsequente.

ANACRONISMOS ELEITORAIS. Se há voto antecipado e em mobilidade, por vontade própria, não faz sentido persistir num anacrónico período de reflexão, em que a atualidade impacta na alegada reflexão sem influências político-partidárias. A morte de um bebé por alegada ausência de resposta do INEM por indisponibilidade de médico para o veículo de emergência, para além da tragédia familiar, sublinha uma anomalia do sistema de saúde. É claro que tem relevância política, mas os portugueses têm maturidade cívica e política para processarem as informações, sem que precisem de um dia de alegada suspensão do quotidiano.

OS POLÍGRAFOS VIERAM PARA FICAR E AINDA BEM. As circunstâncias mudam, as convicções podem mudar, as perceções e a realidades são voláteis. A forma de fazer política joga com tudo isso. Alguns não hesitam em dizer uma coisa e o seu contrário, confortados que estavam da ausência de escrutínio cívico e mediático. A mentira ainda não tem a perna curta, mas alguns protagonistas habituados a “cataventar”, a que os fins justifiquem todos os meios e a não terem de dar explicações, dando-se ao desplante de declararem encerrados temas têm a vida dificultada com o esforço de verificação das afirmações. E bem! 
Escreve à segunda-feira