A partir do momento em que ficou claro para toda a gente que o país iria mesmo para eleições legislativas antecipadas – não por causa daquele chumbo do Orçamento de Estado para 2022 na Assembleia da República, mas por força de um Presidente da República que não imprime qualquer autoridade na sua actuação, que fala demais (principalmente quando não deve) e que não se faz ouvir nem se faz notar quando realmente é necessário – percebeu-se que iria haver uma forte tentativa de bipolarização política entre o incumbente PS e o principal candidato à sua sucessão no Governo, o PSD, que, diga-se em abono da verdade, renasceu das cinzas depois de mais uma luta interna ocorrida nas vésperas destas eleições legislativas.
Essa previsível dicotomia ocorreu com recurso a uma ampla exploração do detestável conceito anti-democrático, vulgarmente conhecido como “voto útil”, que apenas existe por responsabilidade directa dos dois principais partidos políticos que aprovaram a respectiva lei eleitoral para a Assembleia da República (Lei n.º 14/79), em vigor há 43 anos, sem que nunca tenha sido alvo de uma qualquer reforma ou alteração substancial. Ao longo destas mais de quatro décadas de vigência apenas contou com uns insignificantes retoques de cosmética que nada de verdadeiramente importante resolveram. Uma lei da democracia que é mais sagrada do que tábuas de Moisés e que espelha bem quão anacrónico é o sistema eleitoral português.
É, pois, preciso que se diga que se houvesse uma genuína preocupação com a utilidade dos votos de todos os cidadãos eleitores para a Assembleia da República, se houvesse um sentimento de puro respeito pela democracia representativa, se se atribuísse uma importância realmente fundamental ao acto individual de votar e se se considerasse cada voto, validamente expresso, como um bem democrático absoluto, então já teríamos acabado com esta “fraude eleitoral” legalizada que são os actuais 22 círculos eleitorais, promotores do voto inútil que, em cada nova eleição, atiram para o caixote do lixo dezenas de milhares de votos que não servem para nada porque não temos um círculo nacional de compensação que aproveite todos esses votos livres de cidadãos nacionais e estrangeiros residentes em Portugal que escolhem votar, em consciência e de acordo com as suas opções politicas, em partidos que depois acabam por não eleger deputados nesses respectivos círculos eleitorais.
É esta característica circunstancial do nosso sistema eleitoral que alimenta o chamado “voto útil” e que por força do Método de Hondt (que é o modelo matemático utilizado para converter votos em mandatos) apenas serve aos dois maiores partidos políticos PS e PSD e, por isso mesmo, nunca quiseram mexer nesta lei inimiga da democracia e da verdadeira liberdade de escolha política.
Com efeito, na esmagadora maioria dos círculos eleitorais – com excepção dos maiores que têm mais eleitores e, consequentemente, elegem mais deputados –, o eleitor consciente e esclarecido é confrontado com esta situação aberrante de se sentir tentado a escolher uma segunda opção, i.e., de trair as suas convicções em nome de uma aparente utilidade electiva concreta, isto se quiser que o seu voto conte para eleger deputados no seu respectivo círculo eleitoral. Esta opção, porém, para muitos eleitores é algo de tal ordem insuportável que acaba por não ocorrer, sendo esse voto um voto útil, por consciente e de primeira opção, que contará para a quantidade total e percentagem global obtida pelo respectivo partido, mas, com grande probabilidade, poderá não ser um voto electivo e constituir fonte de descrédito e desânimo com a democracia participativa, materializando-se numa crescente abstenção.
Por outa banda, um eleitor que nesses círculos eleitorais que elegem poucos deputados acabe votando, contrariado, numa segunda opção, por força do insistente apelo ao “voto útil” feito pelos partidos políticos responsáveis por esta lei violadora do princípio da igualdade, é algo que só posso classificar como uma manifestação de coacção eleitoral que urge desmontar e destruir definitivamente, através de uma reforma da lei eleitoral, já na próxima legislatura, que, das duas uma, ou acabe com os 22 círculos eleitorais criando-se apenas um único círculo, como é o caso da eleição para o Parlamento Europeu, ou mantém os actuais 22 círculos eleitorais e cria um 23.º circulo nacional de compensação que aproveite todos os votos dos restantes círculos eleitorais que não elegendo ninguém nos respectivos círculos, possam eleger pela sua soma total nesse novo círculo nacional de compensação.
Manter tudo como está é que não se pode admitir em plena década de 20 do século XXI!
Posto isto, e apesar disto tudo, houve margem nestes dois anos para a afirmação clara de uma outra corrente político-doutrinária que em 2019 entrou, pela primeira vez, no Parlamento e que se pautou por uma postura irrepreensível na defesa das suas ideias e dos interesses legítimos de todos aqueles que votaram para que houvesse em Portugal uma voz liberal. Essa voz foi a voz de João Cotrim de Figueiredo, o deputado único da IL que, só tendo um minuto para falar soube aproveitá-lo como ninguém. Um deputado que apesar de único, nunca faltou a uma única sessão no plenário nem faltou a nenhuma reunião ou audição nas respectivas comissões parlamentares de que fez parte. Um deputado que fez toda a diferença e por toda a gente é reconhecido esse mérito e essa nova forma de fazer e de estar na política, em que permanentemente se prestam contas ao partido e aos seus eleitores. A Iniciativa Liberal defende uma mudança profunda do sistema eleitoral português, precisamente porque atribui um valor fundamental à liberdade, à democracia e aos votos de todos os cidadãos.
A Iniciativa Liberal é um projecto político muito diferente do que há por aí. É um projecto político para se levar muito a sério como uma alternativa verosímil à mera alternância democrática que em Portugal impera desde 1976. Mas já lá vamos…
Estas eleições legislativas antecipadas, como dizia, ocorrerem apenas porque o Senhor Presidente da República assim o determinou, em resultado da não viabilização de um mero Orçamento de Estado por parte dos dois partidos políticos (BE e PCP/PEV) que ao longo dos últimos 6 anos têm suportado, politicamente, no Parlamento, o Governo socialista de António Costa.
Ora como muito bem sabemos – por termos assistido a todo o desenrolar desta opereta política ao longo destes três frenéticos meses – o PS ensaiou, desastrosamente, uma coreografia absolutamente trapalhona. Começou por acusar de forma categórica e amplamente corrosiva os seus antigos parceiros de esquerda, dizendo deles o que Maomé não disse do toucinho. Aliás, o debate televisivo entre António Costa e Jerónimo de Sousa foi de uma violência atroz, com ataques muito duros e algo despropositados do líder do PS e Primeiro-Ministro de um Governo suportado pelo PCP, de uma ordem tal que o próprio secretário-geral comunista não conseguiu disfarçar o incómodo, tendo sido nitidamente surpreendido por aquela atitude vil e demolidora. De resto, coincidências da vida, dias depois Jerónimo teve de se retirar da campanha para ser submetido a uma cirurgia da qual entretanto já recuperou, tendo de ser substituído, em plena campanha eleitoral, pela dupla João Oliveira & João Ferreira.
Depois disto o PS e o seu líder cavalgaram a onda imaginária da maioria absoluta, acenando ao país aquele mesmo Orçamento de Estado da discórdia e derrotado na Assembleia da República, como se de um novo testamento socialista se tratasse. E, quanto a essa matéria, ficará para a história aquele momento patético no debate televisivo com Rui Rio – que todos os analistas políticos deste país, de todos os canais de TV e estações de Rádio, com excepção, naturalmente, da admirável Anabela Neves da CNN Portugal, atribuíram a vitória a Rio – em que Costa, no final, se presta àquele número de mostrar para as câmaras o dito livrinho orçamental chumbado, impresso e encadernado numa loja de fotocópias, sendo de imediato o alvo de todos os gozos nocturnos e dos dias seguintes, por milhões de pessoas que, nas redes sociais, não perderam tempo nem perdoaram tal momento.
Com as sistemáticas divulgações dos inúmeros estudos de opinião e sondagens a revelarem a impossibilidade objectiva de o PS alcançar uma maioria absoluta e, pelo contrário, a mostrarem uma crescente probabilidade de perder as eleições, António Costa, que certamente ainda tem bem presente na sua memória aquela noite “horribilis” de Setembro, em Lisboa, faz uma inversão de marcha espectacular – só comparável à que fez o Primeiro-Ministro britânico Boris Johnson no início da pandemia – e, de repente, não só deixa cair a mirabolante maioria absoluta, como se mostra disponível para conversar com os outros partidos, incluindo os seus ex-aliados BE e PCP, com vista a uma nova geringonça 2.0, apoteoticamente aplaudida por Ana Gomes e Pedro Nuno Santos, entre outros vultos da nacional politique socialista que, simplesmente, ultrapassou todos os limites da decência e da credibilidade e que só revela um único sentimento: desespero!
Uma campanha eleitoral errática e repleta de demagogia e de afirmações muito pouco sérias, momentos de mau humor e de pura má educação daquele que ainda é o Primeiro-Ministro deste país. Recurso à falsidade argumentativa, conforme se comprova pelos vários polígrafos e fact-checking. Não fora a crónica e inexplicável condescendência reverencial da generalidade dos órgãos de comunicação social ao líder do PS e António Costa teria sido por essa mesma comunicação social completamente arrasado. Ao longo desta última semana dei comigo a pensar: ai se tudo isto tivesse acontecido com outro protagonista político de outra área ideológico-partidária?
O mesmo se diga, convenhamos, dos seus camaradas de “gauche” com especial enfoque no BE que mal se aperceberam deste “zig-zag” psico-socialista ficaram tão radiantes com a mera possibilidade de reatarem relações que nem conseguiram disfarçar e nem tão pouco se fizeram difíceis… Será que Catarina Martins não percebe o imenso ridículo que é esta sua oferecida alegria, depois de tudo o que aconteceu e de tudo o que fizeram ao país? Não compreenderá o BE que única imagem que passa, para além do compreensível desespero pela hecatombe eleitoral que se avizinha, é a de sofrerem de síndrome de Estocolmo?
Disponibilizarem-se para se entenderem após dia 30 de Janeiro e aprovarem aquilo que chumbaram em Outubro, depois de terem provocado toda esta crise política, sem paralelo, em torno da não aprovação de um mero Orçamento do Estado, seria mais do que fazer o pino na nossa cara, seria um acto de contorcionismo nunca antes visto merecedor de uma alta condecoração no próximo 10 de Junho!
Isto dito, é também para nos prevenirmos de coisas deste tipo que possam estar para acontecer que é da mais vital importância sair de casa no próximo domingo dia 30 de Janeiro para votar.
Creio ser este o momento certo para o país ensaiar uma mudança liberal na condução política do Governo da República.
O PSD pode, efectivamente, vencer estas eleições de domingo.
Porém, um tal Governo liderado pelo PSD não pode, de todo, ficar refém de uma agremiação política heterogénea composta por um conjunto de individualidades obcecadas pela fama, em busca de uma notoriedade política impossível, por castrada pela respectiva liderança “eucalíptica”. Uma agremiação partidária cuja única dúvida que verdadeiramente suscita, neste momento, não é a de se saber quantos deputados irá conseguir eleger, mas sim, desse total de deputados eleitos, quantos irão passar a não inscritos ao longo da legislatura, em ruptura com a direcção unipessoal? Só para avivar a memória, nos Açores houve logo uma cisão de 50% dos deputados eleitos antes mesmo da tomada de posse na Assembleia Regional…
De igual modo esse Governo liderado pelo PSD não pode ficar dependente de um tentador Bloco Central, apadrinhado pelo Presidente da República, que levaria o país à manutenção plena da estagnação por décadas e seria, assim, uma oportunidade totalmente perdida para promover as grandes reformas de que o país tanto necessita.
Pelo contrário, para que um eventual Governo liderado pelo PSD possa ser um Governo útil e substancialmente diferente dos Governos do PS, irá precisar de um parceiro confiável, homogéneo e que tenha uma agenda com temas de manifesto interesse para o país e para a vida concreta das pessoas. Um partido fortemente liberal, com ideias claras e francamente inovadoras, amplamente testadas noutros países com elevadíssimo grau de sucesso. Um partido liberal em toda a linha que traga para a governação e para o debate parlamentar legislativo o ímpeto reformador e a energia de quem quer construir um país verdadeiramente próspero e diferente deste marasmo em que nos encontramos há mais de duas décadas. Um partido que anseia por rápidas mudanças com o objectivo último de alcançar o progresso da nação e a felicidade dos cidadãos que só o crescimento económico, devidamente estruturado e duradouro pode garantir, acompanhado de uma progressiva redução brutal de impostos, para darmos mais rendimento disponível às pessoas e às famílias e captar investimento estrangeiro que promova a criação de emprego de qualidade e de altos salários e dinamize a economia nacional. Um partido com uma equipa de gente séria e honesta com uma vida própria construída fora do “bas-fond” da velha política partidária lusitana. Um partido marcadamente ideológico e de convicções que coloca, sem ambiguidades, a liberdade, todas as liberdades individuais, no centro da sua acção política.
Esse partido é a Iniciativa Liberal!
Jurista,
Escreve de acordo com a antiga ortografia.