Há um par de semanas que corre em Cascais um embuste: a Câmara vai “destruir” o Parque das Gerações (PdG), rasgando-o com uma estrada prevista pelo novo PDM que será alternativa à passagem de nível da CP em São João do Estoril.
Um argumento simples. Assustador. Falso.
Não: a Câmara de Cascais não vai destruir o Parque das Gerações, pelo contrário até o vai melhorar e ampliar.
Sim: o novo PDM prevê que a Câmara e as Infraestruturas de Portugal construam um túnel sob o Parque (não uma estrada à superfície) que permitirá encerrar a passagem de nível da linha férrea, um ponto negro onde continuam a morrer pessoas por falta de condições de segurança.
Não se trata de escolher entre o parque ou a segurança das pessoas. (E, sejamos claros, se uma escolha dessas estivesse em cima da mesa, numa sociedade democrática ninguém hesitaria em colocar a segurança à frente da diversão). Trata-se de ter um parque melhorado e maior, por um lado, e um novo túnel em São João que acabe com a maldita passagem de nível, por outro.
Um parque e um túnel, mais qualidade de vida e mais segurança. Ganho para uns, ganho para outros, ganhos para todos. Simples.
Para os nossos leitores menos familiarizados com a realidade de Cascais, o PdG é um grande skatepark e um espaço popular no concelho. Construído com dinheiros do município, num terreno mesmo em cima do Atlântico que muitos diziam (conspirativamente) estar prometido pela autarquia à especulação imobiliária, nascido na sequência de um Orçamento Participativo, o PdG é uma obra proposta por cascalenses, feita com dinheiro dos cascalenses, para todos os cascalenses.
Perguntará o leitor: faz sentido um poder público deitar dinheiro ao lixo e destruir um projeto que é resultado de um processo de empoderamento dos cidadãos? Claro que não faz. Em conversas razoáveis, esta seria a conclusão razoável.
O problema é que a razoabilidade anda há muito tempo arredada da nossa vida cívica. Sobretudo em períodos eleitorais nacionais e locais que têm marcado o compasso para o aparecimento/desaparecimento destas fabricações que seguem a cartilha conhecida entre os jovens de determinada escola revolucionária.
Como já aqui escrevi a propósito de outros temas, este é o exemplo acabado da “era dourada de ignorância” que nos aflige. Isto é, um tempo em que a ignorância é produzida deliberadamente por quem procura tirar proveito próprio – atenção, vaidade ou ganhos materiais – da manipulação da genuína boa vontade de terceiros.
É a isto que estamos a assistir no embuste do PdG: um pequeno grupo de populistas criou uma narrativa que apela aos sentimentos humanos mais basilares – o medo, a insegurança, a ameaça da perda – para satisfazerem os seus egos e agendas. A dúvida é o seu produto. Não querem esclarecer, querem baralhar. Não querem unir, querem dividir.
Com a conivência de alguns meios de comunicação social, sobretudo um jornal e uma rádio respeitáveis que tiveram um dia mau, o embuste teve estatuto de “notícia”.
Os factos indisputados (a construção de um túnel) passaram a ser disputados (“agora uma estrada rasga o parque”) por invenções. As explicações das fontes institucionais (neste caso um poder público escrutinado e escrutinável) passaram a ter valor noticioso equivalente ou até mesmo inferior ao das insinuações das fontes inorgânicas, opacas e imperscrutáveis das redes sociais.
Essas “notícias” deram corpo de respeitabilidade a uma mentira descarada. Isto acontece porque algum jornalismo claudicou perante o ambiente do pós-verdade. Segue alegremente a lógica dos demagogos da internet. Independentemente dos factos, apenas lhe interessa manter viva a controvérsia.
A degradação do nosso ambiente democrático também se explica por esta conivência com a necessidade de polémica a qualquer custo, de equivaler as opiniões aos factos, de relativizar a verdade perante o potencial de “viralização”, criando factos em vez de os relatar.
Em Cascais, como no país, temos uma pandemia para vencer. Desmontar embustes é tarefa inútil quando precisamos de tempo para tratar de assuntos bem mais sérios.
Há semanas a correr nas redes sociais sem sobre ele nunca me ter pronunciado, precisamente pela razão acima aduzida, fui ontem abordado em Reunião de Câmara por um conjunto de cidadãos. O que me impele a encerrar o tema recapitulando os factos:
Primeiro: o Parque das Gerações não esteve, não está e não estará em causa. O compromisso da minha equipa na Câmara, tal como gravei em vídeo em abril de 2020, é que o PdG seja ainda melhor e maior.
Segundo: vamos desativar a passagem de nível de São João para evitar mais mortes e para dar qualidade de vida às populações, cumprindo assim as políticas europeias.
Terceiro: a alternativa á passagem de nível, como está proposto no PDM e como garanti em Abril de 2020, é um túnel na zona do PdG.
Quarto: o Orçamento Participativo de 2017 para o PdG será concretizado.
Quinto: equipas da Câmara estão a trabalhar na identificação de terrenos, na zona oriental do concelho, para o maior skatepark (20 mil metros quadrados).
E para que não venham, daqui por uns tempos, os agitadores dizer que venceram a sua cruzada imaginária contra os infiéis inimigos das rampas, aqui fica a minha última palavra sobre o tema: em Cascais não teremos apenas um mas sim dois grandes skateparks.
Chega de embuste. É tempo de escolher a verdade e os factos e pormos um par de patins aos populistas.