Marcelo e a batata quente


A confirmarem-se as sondagens com o PSD e o PS muito próximos e vários partidos na ordem dos 5% a 7%, o Presidente da República não poderá ser só uma espécie de notário, embora tenha que ter em conta a composição da nova AR. 


1. O número de votantes que antecipou o voto foi muito menos do que se esperava. É mais um erro de avaliação de uma Comissão Nacional de Eleições e de um governo que raramente acertam seja no que for. Esperava-se um milhão de inscrições, mas registaram-se cerca de 315 mil. Quanto à participação concreta de domingo passado parece ter sido significativa, podendo rondar os 90%, o que, a confirmar-se, seria um bom sinal.

Tudo acontece em plena pandemia quando o número de infetados não para de subir e, agora, já com um número de óbitos novamente preocupante. Isto, apesar da vacinação que se vai fazendo, lamentavelmente sem a eficácia de outros países. Entre nós, há uma abstenção eleitoral técnica elevada e também uma indiferença cada vez maior relativamente à política.

A soma desses dois fatores, somado ao receio de alguns em serem contaminados, pode gerar um resultado eleitoral que não corresponda ao verdadeiro sentimento da população. Se assim fosse, não se sentiria de imediato qualquer efeito, mas o efeito apareceria irremediavelmente mais à frente e tornaria a vida muito complicada a qualquer solução governativa que se encontrasse.

2. Apesar das sondagens recentes, na hora de enviar esta crónica, é, entretanto, impossível saber se a vitória percentual e em número de assentos (podem curiosamente não coincidir) será do PS ou do PSD. Os trabalhos feitos pelas empresas especializadas dão um empate e as margens de erro são grandes. Certo é que será o centro político que vai decidir quem, entre Costa e Rio, vai ser o primeiro-ministro indigitado para formar governo, mas é já claro que o PSD ganharia se o Chega e a Iniciativa Liberal não tivessem o crescimento que se antevê nas sondagens.

A corrida é renhida entre dois políticos profundamente diferentes. Rio é um corredor de fundo com um temível sprint final. Nesta campanha, está a explorar fundamentalmente o seu perfil determinado e popular, deixando de parte os aspetos mais secos e autoritários da sua personalidade. Costa, por seu lado, é um fundista puro, que domina todas as técnicas, mas está desgastado pela governação e um governo excecionalmente mau. Rio tem-se refugiado em generalidades, sem dizer verdadeiramente ao que vem. E Costa promete mais do mesmo, ou seja, cumprir o que não conseguiu, usando abundantemente as circunstâncias pandémicas para se justificar.

O dado tido por adquirido é que nenhum destes atletas políticos terá maioria absoluta, o que significa que terá de haver acordos à esquerda, à direita, ou ao centro para se encontrar uma situação minimamente estável para um Portugal em queda sistemática desde o princípio do século. A probabilidade de cairmos numa situação complexa ou de impasse é, portanto, muito grande. É, assim, provável que se recorra a uma difícil ronda de negociações pós-eleitorais tendo em vista a formação de um governo. É de recordar que a ‘‘geringonça’’ foi acertada durante 54 dias e que foi antecedida de um governo Passos/Portas que não passou no parlamento. A afixação dos resultados finais deve ocorrer apenas cerca de 15 de fevereiro.

Uma vez eleita a nova Assembleia da República, entraremos num período de seis meses em que aquele órgão não pode voltar a ser dissolvido, o que implica que a perspetiva de novas eleições devido a um impasse fica protelada no mínimo por nove meses. Obviamente que isso seria uma situação catastrófica para a imagem e a economia do país. 
Sem entrar em futurologia, no contexto provável vai competir ao Presidente República analisar os resultados, as soluções que lhe forem propostas e procurar a maior estabilidade possível.

Se os resultados forem tão renhidos como se projeta, Marcelo terá a batata quente na mão, porque foi ele que marcou eleições e porque tem a obrigação de contribuir para a uma solução, mesmo que tenha de impor certos limites, como o fez Cavaco astuciosamente para aceitar a geringonça. O papel do presidente, um político experiente e um homem de rara perspicácia e inteligência, vai, provavelmente, ser decisivo. Marcelo, que tem estado mais calado do que nunca, não poderá cingir-se a um papel de notário, coisa que a sua natureza rejeita por definição.

De algum modo, António Costa antecipou essa intervenção quando, ao solicitar, pontualmente, uma maioria absoluta (o que só fez dois dias) lembrou que Marcelo nunca deixaria que o PS abusasse de um tal poder. Subliminarmente estava também a mensagem de que os eleitores nunca devem pôr todos os ovos no mesmo cesto e que é prudente ter um governo de uma área e um presidente de outra. Em circunstâncias anteriores, essa mensagem foi passada com sucesso.

3. Na campanha tem-se falado de muita coisa que não interessa para nada ou de temas fofinhos, o que ajuda estrategicamente a tapar problemas do quotidiano. Os bichinhos lá de casa ocuparam imensas horas porque os jornalistas e os internautas também adoram esses “faits divers”, dando uma imagem “cool” aos candidatos. Há questões dramáticas que foram meramente enunciadas.

É o caso da violência doméstica que é tremenda entre nós, da necessidade de congelar certos preços administrativamente dada a inflação (medida em vigor na Hungria – o tal país de direita – e na Polónia, estando a ser avaliada em França), da seca terrível que enfrentamos, da relação com a Espanha por causa da água, da nossa posição face ao nuclear dito verde, das circunstâncias do mundo rural, da recomposição da demografia, da situação das Forças Armadas, da defesa do nosso mar, da nossa relação com a União Europeia, do nosso posicionamento no quadro da Nato num momento de alta tensão militar no leste europeu, da relação com os Palop e a CPLP e, mais concretamente, da situação da Efacec, da Sata, dos buracos sem fundo da banca, da crise geral dos média, da anarquia das redes sociais, da segurança informática e, ainda, de uma coisa tão básica como o desporto escolar.

A isto preferiu-se o “sound bite” estudado de véspera ou bitaites improvisados debitados da boca para fora. Nem a bazuca, que servia para tudo nas autárquicas, veio à baila nestes dias, o que diz muito sobre mais essa oportunidade que vamos perder ou que já lá vai.

Marcelo e a batata quente


A confirmarem-se as sondagens com o PSD e o PS muito próximos e vários partidos na ordem dos 5% a 7%, o Presidente da República não poderá ser só uma espécie de notário, embora tenha que ter em conta a composição da nova AR. 


1. O número de votantes que antecipou o voto foi muito menos do que se esperava. É mais um erro de avaliação de uma Comissão Nacional de Eleições e de um governo que raramente acertam seja no que for. Esperava-se um milhão de inscrições, mas registaram-se cerca de 315 mil. Quanto à participação concreta de domingo passado parece ter sido significativa, podendo rondar os 90%, o que, a confirmar-se, seria um bom sinal.

Tudo acontece em plena pandemia quando o número de infetados não para de subir e, agora, já com um número de óbitos novamente preocupante. Isto, apesar da vacinação que se vai fazendo, lamentavelmente sem a eficácia de outros países. Entre nós, há uma abstenção eleitoral técnica elevada e também uma indiferença cada vez maior relativamente à política.

A soma desses dois fatores, somado ao receio de alguns em serem contaminados, pode gerar um resultado eleitoral que não corresponda ao verdadeiro sentimento da população. Se assim fosse, não se sentiria de imediato qualquer efeito, mas o efeito apareceria irremediavelmente mais à frente e tornaria a vida muito complicada a qualquer solução governativa que se encontrasse.

2. Apesar das sondagens recentes, na hora de enviar esta crónica, é, entretanto, impossível saber se a vitória percentual e em número de assentos (podem curiosamente não coincidir) será do PS ou do PSD. Os trabalhos feitos pelas empresas especializadas dão um empate e as margens de erro são grandes. Certo é que será o centro político que vai decidir quem, entre Costa e Rio, vai ser o primeiro-ministro indigitado para formar governo, mas é já claro que o PSD ganharia se o Chega e a Iniciativa Liberal não tivessem o crescimento que se antevê nas sondagens.

A corrida é renhida entre dois políticos profundamente diferentes. Rio é um corredor de fundo com um temível sprint final. Nesta campanha, está a explorar fundamentalmente o seu perfil determinado e popular, deixando de parte os aspetos mais secos e autoritários da sua personalidade. Costa, por seu lado, é um fundista puro, que domina todas as técnicas, mas está desgastado pela governação e um governo excecionalmente mau. Rio tem-se refugiado em generalidades, sem dizer verdadeiramente ao que vem. E Costa promete mais do mesmo, ou seja, cumprir o que não conseguiu, usando abundantemente as circunstâncias pandémicas para se justificar.

O dado tido por adquirido é que nenhum destes atletas políticos terá maioria absoluta, o que significa que terá de haver acordos à esquerda, à direita, ou ao centro para se encontrar uma situação minimamente estável para um Portugal em queda sistemática desde o princípio do século. A probabilidade de cairmos numa situação complexa ou de impasse é, portanto, muito grande. É, assim, provável que se recorra a uma difícil ronda de negociações pós-eleitorais tendo em vista a formação de um governo. É de recordar que a ‘‘geringonça’’ foi acertada durante 54 dias e que foi antecedida de um governo Passos/Portas que não passou no parlamento. A afixação dos resultados finais deve ocorrer apenas cerca de 15 de fevereiro.

Uma vez eleita a nova Assembleia da República, entraremos num período de seis meses em que aquele órgão não pode voltar a ser dissolvido, o que implica que a perspetiva de novas eleições devido a um impasse fica protelada no mínimo por nove meses. Obviamente que isso seria uma situação catastrófica para a imagem e a economia do país. 
Sem entrar em futurologia, no contexto provável vai competir ao Presidente República analisar os resultados, as soluções que lhe forem propostas e procurar a maior estabilidade possível.

Se os resultados forem tão renhidos como se projeta, Marcelo terá a batata quente na mão, porque foi ele que marcou eleições e porque tem a obrigação de contribuir para a uma solução, mesmo que tenha de impor certos limites, como o fez Cavaco astuciosamente para aceitar a geringonça. O papel do presidente, um político experiente e um homem de rara perspicácia e inteligência, vai, provavelmente, ser decisivo. Marcelo, que tem estado mais calado do que nunca, não poderá cingir-se a um papel de notário, coisa que a sua natureza rejeita por definição.

De algum modo, António Costa antecipou essa intervenção quando, ao solicitar, pontualmente, uma maioria absoluta (o que só fez dois dias) lembrou que Marcelo nunca deixaria que o PS abusasse de um tal poder. Subliminarmente estava também a mensagem de que os eleitores nunca devem pôr todos os ovos no mesmo cesto e que é prudente ter um governo de uma área e um presidente de outra. Em circunstâncias anteriores, essa mensagem foi passada com sucesso.

3. Na campanha tem-se falado de muita coisa que não interessa para nada ou de temas fofinhos, o que ajuda estrategicamente a tapar problemas do quotidiano. Os bichinhos lá de casa ocuparam imensas horas porque os jornalistas e os internautas também adoram esses “faits divers”, dando uma imagem “cool” aos candidatos. Há questões dramáticas que foram meramente enunciadas.

É o caso da violência doméstica que é tremenda entre nós, da necessidade de congelar certos preços administrativamente dada a inflação (medida em vigor na Hungria – o tal país de direita – e na Polónia, estando a ser avaliada em França), da seca terrível que enfrentamos, da relação com a Espanha por causa da água, da nossa posição face ao nuclear dito verde, das circunstâncias do mundo rural, da recomposição da demografia, da situação das Forças Armadas, da defesa do nosso mar, da nossa relação com a União Europeia, do nosso posicionamento no quadro da Nato num momento de alta tensão militar no leste europeu, da relação com os Palop e a CPLP e, mais concretamente, da situação da Efacec, da Sata, dos buracos sem fundo da banca, da crise geral dos média, da anarquia das redes sociais, da segurança informática e, ainda, de uma coisa tão básica como o desporto escolar.

A isto preferiu-se o “sound bite” estudado de véspera ou bitaites improvisados debitados da boca para fora. Nem a bazuca, que servia para tudo nas autárquicas, veio à baila nestes dias, o que diz muito sobre mais essa oportunidade que vamos perder ou que já lá vai.