Eusébio e Gento. Agora correm juntos na relva do infinito verde

Eusébio e Gento. Agora correm juntos na relva do infinito verde


Morreram ambos em janeiro (5 de 2014 e 18 de 2022). Há 50 anos jogaram lado a lado com a camisola do Real Madrid contra o Belenenses.


Franciso (Paco) Gento morreu há uma semana, no dia 18 de janeiro de 2022. Tinha 88 anos, que pode ser um número redondo e bonito para a Senhora da Gadanha mas que, hoje em dia, já não assusta os mortais. Foi, provavelmente, o maior dos extremos-esquerdos do mundo, mas não vale a pena estar a pôr as mãos no fogo por isso, tão subjetivo é o jogo da bola, essa mágica senhora das paixões. Único de todos os tempos a ganhar seis Taças dos Clubes Campeões Europeus, sempre com a camisola do Real Madrid e, aqui aposto, singelo contra dobrado, como nos livros do Texas Jack, que não haverá no universo quem seja capaz de tal proeza pelos séculos que aí vêm.

No dia 14 de dezembro de 1972, cumpriram-se há pouco 50 anos, o Estádio de Chamartín comemorava 25 anos de existência e Gento, o Paco Gento, fazia a sua festa de despedida. O Real Madrid preparou uma noite de arromba. Convidou para o jogo da gala o mesmo adversário que duas décadas e meia antes tinha apadrinhado o batismo no seu novo campo de futebol: Os Belenenses. E resolveu construir uma linha avançada de luxo, fabricada maioritariamente com jogadores externos, composta pelo próprio Francisco, pelo na altura ainda muito jovem Santillana (apenas 20 anos, um dos melhores avançados que alguma vez vi a jogar de cabeça), pelo húngaro Ferenc Bene, internacional por 76 vezes e que defrontou Portugal no Mundial de 1966, pelo romeno Nicolae Dobrin, conhecido por o Ganso, um dos melhores jogadores de sempre do seu país, e por Dragan Dzajic, figura máxima do Estrela Vermelha entre 1961 e 1978, sem esquecer o nosso Eusébio da Silva Ferreira, outro dos mortos de janeiro e que teria cumprido ontem, se se mantivesse vivo, como devia, 80 anos de idade. Tal como o Chico Buarque, gostava de ter estado nessa festa, pá. Passou-me ao lado, entretido que andava eu com os fazeres próprios da infância. 

jogo animado O Belenenses apresentou-se com uma equipa rija: Mourinho; Murça, Calado, Freitas e Cardoso; Quaresma e Quinito; Laurindo, Luis Carlos, Godinho e Gonzalez (também ele Paco). O povo ficou bem entretido nessa hora e meia e mais um pós para que se pudessem ser entregues a Gento uma série de medalhas em reconhecimento pelos 18 anos de fervoroso defensor da camisola branca (1953-1971), doze campeonatos de Espanha, as tais seis Taças dos Campeões, duas Copas do Rei, duas Taças Latinas (uma conquistada frente ao Benfica, ainda sem Eusébio) e uma Taça Intercontinental. Convenhamos: o homem merecia tudo e mais o par e botas que acabara de pendurar.

Eusébio e Paco Gento, que se fizeram fotografar juntos, para que os pudéssemos pendurar na parede branca de eterna idade, já tinham estado lado a lado numa selecção do mundo, vestindo a camisola da FIFA. Mas o que ficava na memória eram os confrontos entre Real Madrid e Benfica (3-5 na final da Taça dos Campeões de 1962, em Amesterdão e 1-5 e 2-1 nos quartos-de-final da mesma prova em 1965). Cantava de galo o Pantera Negra.

Aos 15 minutos de jogo, penálti contra o Belenenses. Reclamaram os rapazes do Restelo mas o árbitro, o espanhol Camacho, esteve-se nas tintas. Festa era festa. E Paco Gento foi chamado a converter o lance em golo perante o delírio de mais de 60 mil pessoas que se tinham amontoado nas bancadas do Santiago Bernabéu para lhe dizer adeus. Paco estava velho e cansado: aproveitou a oportunidade e saiu de campo ao mesmo tempo que os aplausos o rodeavam como um quente cobertor de papa. 

Cinco minutos depois, Pirri fez o 2-0 de cabeça, garantindo que o festival-Gento não daria lugar a uma derrota com o seu quê de embaraçosa. Aos 79 minutos, já se corria em câmara lenta, Quaresma fez o 1-2. Gento dizia adeus ao futebol, Chamartín carregava-o em ombros. Eusébio estava lá.