25 de Janeiro de 1950. Ora batatas! Ou a triste vida de um tubérculo

25 de Janeiro de 1950. Ora batatas! Ou a triste vida de um tubérculo


“Com a batata não se brinca!”, gritou o capitão Silva Pais, director dos Serviços de Fiscalização. Vai daí, para pôr um ponto final nos preços especulativos a que tinha chegado o acompanhamento favorito dos portugueses, deu instruções às brigadas para controlarem a distribuição do produto em todo o país.


Pode dizer-se, sem medo da expressão, que Portugal estava com um problema tuberculoso, tendo em conta que um tubérculo é, segundo o dicionário, uma excrescência que aparece em qualquer parte da planta, mas principalmente na raiz. Uma batata, por exemplo. O capitão Silva Pais, director dos Serviços de Fiscalização, tomava medidas urgentes: deu instruções às brigadas para controlarem a distribuição de batatas em todo o país, nos estabelecimentos de retalho e armazenistas, assim como nos postos abastecedores, com o propósito de inutilizar a tempo uma manobra de especulação que se tornava adivinhável e repetiria um processo recentemente posto em prática. A medida chegava ao extremo de proibir os comerciantes de batatas de Lisboa e Porto fazerem chegar os tubérculos a qualquer ponto do território sem autorização passada a papel de vinte e cinco linhas, ou seja, umas guias de trânsito oficializadas pelo organismo corporativo.

Ora batatas!, suspiraram os portugueses em geral, gente que aprecia a sua batatinha, cozida ou frita, ou assada a murro, companhia indispensável do conduto, se não for substituída pelo sagrado pão. Papo seco, se quiserem. Quem fosse apanhado a transportar batatas sem o tal papelinho oficial sujeitava-se à apreensão de toda a carga e, até, do próprio veículo. Uma chatice, como devem calcular.

Estranhamente, a batata escasseava nos mercados. E já se sabe como a ganância é tão própria do homem como a ambição do vil metal. Quem a tinha, subia os preços de forma quase vil. As queixas apareciam aos montes nos serviços de fiscalização, com o povinho a queixar-se dos preços proibitivos com que começava a deparar. Vai daí, entra em campo o capitão Silva Pais como se fosse o Capitão América. Um murro na mesa, dois gritos aos funcionários de postos mais elevados que, por sua vez, despejam os tais gritos nos inspectores de rua e ei-los que partem, de mercado em mercado, em busca dos prevaricadores que querem tirar partido da escassez para explorar a fome da populaça que, dois dias antes, já reclamara fortemente às autoridades do disparate a que chegara o preço do peixe na lota. Caiu o Carmo e a Trindade sobre as pobres varinas, que se limitavam a pôr o pescado nos cestos e os cesto à cabeça e andarem por aí a gritar “olhá sardinha linda, ò freguesa!” Pois com a batata não se brinca, gritou o capitão. E ai de que vendesse o tubérculo acima do preço de mercado!