Racismo. Um tema em que impera a boa vontade, mas no qual só a esquerda dá cartas

Racismo. Um tema em que impera a boa vontade, mas no qual só a esquerda dá cartas


É um tema que entrou finalmente nos programas eleitorais, destacando-se as propostas de alteração à lei da nacionalidade e as quotas étnico-raciais nas universidades.


Desde as eleições anteriores, em outubro de 2019, o combate ao racismo entrou nos programas de vários partidos, sobretudo à esquerda, com Partido Socialista (PS), Bloco de Esquerda (BE), Pessoas-Animais-Natureza (PAN) e Livre a avançarem pela primeira vez com uma série de propostas, que levam mais longe a tendência para uma cada vez maior preocupação também com a representatividade. Foi o Livre, como se sabe, o primeiro partido a ter como cabeça de lista às legislativas uma mulher negra. BE, PS e Partido Popular (CDS) têm candidatos afrodescendentes em lugares elegíveis. Para esta corrida eleitoral, não há, contudo, candidaturas novas de afrodescendentes, e no combate ao racismo, e no esforço para “continuar a reivindicar este espaço de maior representatividade e igualdade na constituição das listas dos partidos”, de modo “a traduzir a diversidade que existe na sociedade portuguesa”, destacam-se três nomes: Beatriz Gomes, pelo BE, Romualda Fernandes, pelo PS, e Ossanda Líber, pelo partido Aliança.

Uma proposta que serve bem para se tomar o pulso à forma como os diferentes partidos se posicionam face à questão do racismo é a possibilidade de serem implementadas quotas étnico-raciais nas universidades. Nesta proposta, dois partidos assumem a dianteira: BE e Livre. Trata-se de criar “um contingente especial para candidatos e candidatas das comunidades racializadas no concurso nacional de acesso e ingresso no ensino superior”, como se lê no programa do Bloco. Já o Livre defende que esta medida é crucial para “a correcção de desigualdades e de combate à discriminação, segregação e invisibilização de segmentos da população”. Tanto o BE como o Livre insistem ainda na necessidade de recolher dados étnico-raciais sobre a população nos censos, proposta que foi chumbada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) e, em matéria laboral, referem a necessidade de criar medidas dirigidas a formas de trabalho precárias onde dizem haver uma desproporcional representatividade de “comunidades racializadas”, especialmente mulheres (como o trabalho doméstico). À direita, o CDS manifesta-se contra as quotas, e o Partido Social Democrata (PSD) não diz que sim nem que não.

Não é difícil, de resto, sintetizar a posição da direita democrática e liberal (composta por estes dois partidos e ainda pela Iniciativa Liberal) no que respeita às atitudes perante o racismo. O PSD admite a necessidade de “combater a discriminação racial com novas práticas preventivas e repressivas”, mas não concretiza nem sugere quaisquer propostas específicas. Por sua vez, o CDS diz que promove “um enquadramento que rejeite a violência e o ódio e a discriminação contra qualquer ser humano em função da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião”, também sem avançar medidas. Já a Iniciativa Liberal condena todas as formas de discriminação, e o racismo em particular, mas também não especifica como pretende fazer esse combate.

Quanto ao Chega, este partido continua a sua campanha de exclusão das minorias com base em informações falsas sobre estas corresponderem a comunidades subsidiodependentes. O partido liderado por André Ventura não apenas se opõe à entrada de mais imigrantes e asilados em Portugal, como defende “cadastro étnico racial” para identificar os problemas de algumas minorias em Portugal, com vista a tentar solucioná-los, rejeitando tratar-se de racismo. “Este cadastro étnico racial que acho que devemos defender e que seria ímpar dentro da UE não nos deve meter medo, porque nós sabemos que não somos racistas”, considera o presidente do Chega. “O partido deve defender não só a identificação das comunidades subsidiodependentes, onde estão localizadas, qual é a prevalência da subsidiodependência, qual é o nível de subsidiodependência, porque na verdade somos todos nós que estamos a pagar isso, como deve ter uma espécie de cadastro ou de identificação étnica ou racial”, afirmou André Ventura.

Do outro lado do espetro, a CDU –  Coligação Democrática Unitária (que junta PCP e PEV) também não se estende no que toca a gizar propostas concretas, dizendo apenas que defenderá o “combate a discriminações e preconceitos” na sociedade portuguesa “de natureza racial, religiosa, de condição social ou de orientação sexual”. 

Nas anteriores legislativas, ao ser questionada quanto à representatividade, a CDU defendia que as suas listas “não são elaboradas a partir de critérios étnico-raciais”, mas isso “não significa” que não tenha “vários candidatos de origem africana” – só que não especifica quantos.

Outra proposta relevante e que une três partidos prende-se com a alteração da lei da nacionalidade para que todos os cidadãos que nasçam em Portugal sejam portugueses, privilegiando o chamado direito de solo: BE, PAN e Livre. Estas forças coincidem ainda na proposta de revisão dos currículos ou dos manuais escolares de modo a introduzir uma versão crítica sobre o papel de Portugal durante o colonialismo, por exemplo.

Já o PS, embora, abra margem a alterações à legislação no que toca à nacionalidade não vai, para já, tão longe quanto estas formações. Mas junta-se ao BE e ao PAN na defesa da criação de um organismo independente que estude as questões do racismo e da xenofobia. O PS propõe-se ainda “criar incentivos de apoio a jovens da comunidade cigana para a continuidade do percurso escolar no 3º ciclo e ensino secundário, observando a igualdade de género”. E quer “desenvolver projetos no âmbito da ‘polícia de proximidade’, que promovam nos bairros de grande diversidade étnico-cultural a segurança dos cidadãos, o diálogo, a confiança e o respeito entre a população e os agentes das forças de segurança”.