Índia. Omicron estraga a época dos casamentos

Índia. Omicron estraga a época dos casamentos


A indústria dos casamentos indianos, que nos tempos pré-pandémicos se estimava render uns 70 mil milhões anualmente, cede sob o peso da Omicron. Em Nova Deli, noivos com famílias gigantes enfrentam o pesadelo de só poder ter vinte convidados.


Na Índia, um país tão conhecido pelo seu gosto por casamentos enormes, coloridos, que duram dias, ver a vaga de Omicron coincidir com a época tradicional dos casamentos, que tem o seu pico entre dezembro e fevereiro, foi um desgosto. Com as restrições ao número de convivas vem o pesadelo de rever a lista de convidados, de decidir quem é essencial e quem não é, que familiares e amigos arriscar ofender. Ou se simplesmente não será melhor adiar o casamento mais um ano, não vá a festa acabar por resultar em contágios de covid-19.

Afinal, o primeiro surto de Omicron detetado na Índia até surgiu num casamento em Jaipur, a capital do Rajastão – um estado repleto de fortes históricos e palácios, conhecido com o destino ideal para uma boda extravagante, onde casam boa parte das estrelas de Bollywood. Nesta, que decorreu a 28 de novembro, estiveram presentes mais de uma centena de convidados oriundos de toda a Índia, tornando mais difícil rastrear o surto. Nove deles dariam positivo à Omicron, avançou na altura o Scroll, incluindo quatro membros de uma família que viera de propósito da África do Sul – o primeiro país onde foi detetada a Omicron, que tem uma grande comunidade indiana – para o casamento.

Alguns estados como o Rajastão, que depende muito do dinheiro gerado pela indústria dos casamentos, têm hesitado em impor-lhes restrições, permitindo até uma centena de convidados. Já Nova Deli, cujas estradas nesta altura costumam estar constantemente entupidas por longas caravanas de carros, escoltando noivos, decidiu proibiu casamentos com mais de vinte pessoas.

“Só a minha família imediata são oitenta pessoas. Como é que posso reduzir os convidados para vinte?”, desesperou Heena Vashisht, uma noiva de 28 anos que queria casar-se em fevereiro, falando ao Guardian. Já tinha a reserva do espaço, catering e decoração pagos para receber uns 650 convidados. “A tensão na minha família é insuportável neste momento. Ninguém sabe o que fazer e a tensão arterial da minha mãe disparou”.

Não seria um dilema fácil para nenhuma família. Contudo, é ainda mais difícil na Índia, onde o casamento continua a ser uma ocasião da comunidade, muito mais do que a expressão do amor entre dois indivíduos. 93% dos casais indianos tiveram um casamento arranjado, mostra uma sondagem de 2018, citada pela BBC, e só 3% casaram por amor. Até entre casais jovens na casa dos 20 anos a diferença não era significativa, tendo 90% tido um casamento arranjado. Outra sondagem, de 2014, mostrava que menos de 10% dos indianos admitiam ter algum familiar que casou com alguém de outra casta, caindo a percentagem para 5% no que toca a casamentos inter-religiosos.

A questão é que, com a Índia rumo a um novo pico de contágios de covid-19, registando quase 320 mil casos esta quarta-feira, os receios são enormes. Ainda que o número de mortes diário se mantenha estável, estando quase metade da população com a vacinação completa, enquanto o Governo indiano já aposta no reforço para os mais vulneráveis.

No entanto, ninguém acha que vá haver um relaxamento das normas tão cedo, acrescentou Arnav Gupta, que trabalha numa gráfica dedicada a imprimir convites de casamento, ao Guardian. “Todos estão tão assombrados pela brutalidade da segunda vaga que nenhum político vai arriscar”.

Da desforra ao novo normal Após anos de incerteza, quebra económica e estritos confinamentos, os noivos desforraram-se mal conseguiram, mesmo antes da chegada da época tradicional para casar. “Os grandes e gordos casamentos indianos voltaram no final do ano passado, com as famílias a ostentar o dinheiro que pouparam durante a pandemia”, descreveu o Business Standard. “Os nossos feeds de Instagram encheram-se com imagens de amigos a casarem-se ou a ir a casamentos”.

Foi um alívio para uma indústria que, em tempos pré-pandémicos, gerava receitas avaliadas em mais de 70 mil milhões de euros anualmente, com uns 10 milhões de casamentos. Nesse período entre a vaga da Delta e a da Omicron, tudo o que fosse recinto para casamentos estava com reservas cheias, dando-se ao luxo de cobrar extra pelas data consideradas mais auspiciosas no calendário hindu. Empresas de catering não tinham mãos a medir, havia filas nos ourives – entre hindus, acredita-se que o ouro traz sorte e a bênção de Lakshmi, a deusa da prosperidade, sendo boa parte comprado no Dubai, que costuma ver um aumento de até 25% na procura deste metal com a época dos casamentos indianos, segundo a CNN – e floristas, fotógrafos ou decoradores não paravam de trabalhar, enquanto os destinos mais populares para a lua-de-mel, como Goa, estavam cheios.

Agora, os noivos indianos começam a adaptar-se ao novo normal. “Acreditamos que tendências como os ‘casamentos por turnos’, onde os convidados são convidados à vez para que a contagem bata certa com as normas, deverá ressurgir”, avaliou Anam Zubair, diretor de uma empresa de organização de casamentos, ao the Hindu. “Em vez de adiarem, provavelmente os casais irão em frente com a cerimónia de casamento, num ambiente íntimo, seguido por uma celebração maior mais tarde”.