O Galope de Gish e o futuro da extrema-direita


O clima de ódio não é apenas contra os habituais alvos do seu programa mas também entre militantes e ex-militantes.


O Galope de Gish é uma estratégia retórica usada em debates, preferencialmente curtos, na qual se procura sufocar o oponente com perguntas e declarações divergentes e não sequenciais de modo a que seja impossível dar resposta. Não se procura demonstrar qualidades, inteligência ou um compromisso com a verdade mas deixar no ar uma quantidade de indeterminações e insinuações que possam mobilizar a dúvida e o ódio do espectador para com o seu oponente. Gish, falecido em 2013, foi um dos mais famosos líderes do movimento criacionista nos Estados Unidos da América e que deu nome a esta técnica retórica a partir das suas discussões com cientistas que procuravam argumentar com factos.

Desde os tempos em que era comentador de futebol, esta sempre foi a estratégia retórica de André Ventura. Sendo certo que impressionou nos primeiros tempos, o tom beligerante e repetitivo parece não estar a mobilizar muito mais eleitores podendo verificar-se, nestas eleições, que atingiu o tecto de mobilização eleitoral nas últimas presidenciais.

As mais recentes sondagens dão o Chega em queda. Os 500.000 votos de Ventura nas Presidenciais ou os 10% que as sondagens já lhe atribuíram (que corresponderá, mais ou menos, a 500.000 votos se a afluência se mantiver equivalente à de 2019), parecem longe de alcançar. Aliás, e ainda que as autárquicas tenham características distintas de eleições nacionais, esse resultado já caiu consideravelmente para os 200.000 votos. Apesar de existir uma crescente simpatia de novos e velhos comentadores de direita que ocupam a esmagadora maioria do espaço público – desvalorizando o racismo, a homofobia, a misoginia e o pouco respeito pela verdade e factos –, procurando valorizar uma ou outra expressão do descontentamento e cegos por uma desforra dos tempos do passismo, parece-me claro que Ventura e o Chega terão muita dificuldade em chegar aos número de votos que tiveram nas presidenciais.

Acresce que, quem acompanha as redes sociais do Chega percebe que o clima de ódio não é apenas contra os habituais alvos do seu programa mas também entre militantes e ex-militantes do próprio partido com acusações muito graves entre as partes. Ventura, aliás, movimenta-se como nenhum outro líder partidário, cercado de guarda-costas e seguranças, sempre receoso que o seu discurso de ódio tenha um efeito boomerang.

Não pretendo com isto declarar o fim da extrema-direita em Portugal. Pelo contrário, Ventura e o Chega abriram a porta encerrada pelo 25 de Abril, provocando um realinhamento dos partidos da direita e do seu discurso, e preparando o terreno para que algo mais sisudo e visceral possa vir a nascer neste campo político.