Edmundo Inácio. “A arte, quando não tem um objetivo, é apenas uma experiência”

Edmundo Inácio. “A arte, quando não tem um objetivo, é apenas uma experiência”


Demorou 15 anos até encontrar a sua identidade musical. Agora, e sempre em português, é um dos cinco finalistas do The Voice Portugal.


Conhecemos pouco sobre ti para lá do artista que vemos no palco do The Voice Portugal. Quem é o Edmundo por trás do performer? 

Para lá do artista que veem, sou uma pessoa muito ligada à família, aos amigos, às minhas raízes, ao sítio onde cresci [Portimão]. Neste momento é assim que me sinto, também porque estive três anos no Reino Unido e sinto que parte de mim se foi perdendo. Não a parte humana, mas a parte relacional, da “real” relação com os outros. Estive muito tempo dedicado aos estudos e acabei por perder essa parte. É por isso que sou tão ligado à família e à minha cultura. Neste momento, é exatamente assim que me descrevo.

E como te sentes? Como tens vivido as últimas semanas num programa como o The Voice? No domingo é a final, como se lida com isso?

Sinto-me tranquilo. Triste, porque vai terminar, mas tranquilo. E talvez um pouco cansado por não ter tempo para mim. Dedico-me demasiado ao trabalho e àquilo que vou apresentar todos os domingos. Acabo por me esquecer um pouco do meu tempo e é natural que isso canse. Mas está a ser uma experiência muito enriquecedora. Relativamente à logística do próprio programa, tem sido igual todas as semanas. No início tínhamos mais ensaios, como é natural, pois não conheciam tão bem os concorrentes. Tínhamos de gravar mais VTs [vídeos] e entrevistas. Agora, nestas últimas, temos tido um dia por semana de VTs e dois dias de ensaio, um deles no domingo [dia da gala]. Portanto, é metade da semana dedicada ao programa, no local do programa, e a outra metade dedicada ao programa, mas em casa. Mas, como disse, eu gosto do trabalho e, sobretudo, gosto do que faço. Por isso, não é frustrante.

E pensas muito na efemeridade da experiência? 

Acho que não. Acho que me dedico assim porque tenho esperança que depois do programa chegue ainda mais trabalho. Que depois disto as coisas se tornem ainda “piores”! [risos] 

Isso significa que também és bastante exigente?

Sim! Essa característica sempre fez parte de mim. Sou muito perfeccionista! Às vezes até demais (risos). Dedico-me sempre demasiado aos meus projetos. 

Esta não é a primeira vez que participas num programa de televisão… Em 2009 estreaste-te no programa da TVI, Uma Canção para Ti. Nessa altura de que forma vias e vivias a música? Como é que um rapaz de dez anos olhava para esta arte? 

Para ser transparente, eu inscrevi-me um pouco sem noção daquilo que era a música. Gostei do formato e queria aquela experiência. Sempre gostei muito de desafios. Adorava música, mas não tinha a certeza que seria mesmo isso que queria seguir. Sempre tive muito contacto com a arte, com os instrumentos. A minha família estimulava isso. Quando passei por essa experiência percebi que realmente tinha uma paixão por isso, mas até há pouco tempo ainda não tinha descoberto a minha identidade. 

Depois desse programa, estiveste num outro e, em 2016, participaste no The Voice pela primeira vez. Qual a grande diferença entre o artista que pisou o palco esse ano e este? Porquê voltar “só” agora?

Talvez por ser um pouco inseguro, senti, até ao ano passado, que não era a altura certa para voltar. Regressei ao programa precisamente no momento em que senti que já tinha alguma coisa “construída”, essa minha identidade. Antes disso, foi sempre só por prazer e aprendizagem. Não tinha identidade e não tinha os olhos postos num caminho “muito certo”. Sentia-me um pouco perdido, na verdade. “Hoje vou cantar rock, pop, algo mais tradicional?”.

Isso significa que um artista, antes de se apresentar, no teu ponto de vista, deve ter encontrado a sua identidade? Não é uma constante procura?

Sim, é uma procura! Não acho que se tenham de apresentar logo dessa forma. Aliás, eu próprio, quando me inscrevi desta vez, tinha noção daquilo que era, mas não tinha totalmente a certeza do que queria. Fui descobrindo. No primeiro casting que fiz, cantei R&B em inglês. Mas depois senti muita necessidade em cantar na nossa língua e mantive-o em todas as outras fases. Durante as fases de castings senti que era esse o caminho que queria percorrer. Entre o tradicional e o rock, uma coisa que fazia sempre… Mas como era tão fora do comum, não sabia se iria resultar. Foi pelo instinto. 

Como e quando é que a música entra na tua vida? 

Esta resposta poderá ser um pouco cliché, mas a verdade é que desde muito novo que tenho contacto com ela. O meu avô toca guitarra, a minha mãe teve aulas de órgão, o meu tio toca acordeão e o meu pai sempre gostou muito de música. Nenhum o faz profissionalmente, mas sempre houve muita música lá em casa. As coisas cresceram de forma natural. Lembro-me que em 2008 tive um amigo que veio da Guarda e sabia tocar guitarra. Achei isso super interessante e quis aprender um instrumento. Comecei a ter algumas aulas e no ano seguinte inscrevi-me no programa Uma Canção para Ti. A partir desse momento, a música entrou completamente na minha vida e, mesmo nos anos em que estive fora e pensei em desistir dela, nunca a consegui largar. É um amor que foi crescendo naturalmente e que agora mora dentro de mim. 

Foste para Inglaterra estudar Cinema. De onde veio essa vontade de partir? Podes falar-me um bocadinho do teu percurso académico? 

Desde muito novo que tenho contacto com as artes e, ao mesmo tempo, gostava muito de animais. Ainda pensei em ser veterinário, ou ter uma quinta. À medida que fui crescendo, fui percebendo que as artes faziam parte de mim. Como era muito tímido, era uma forma mais fácil de me expressar. Desde a música, à dança, ao cinema… Entrei no Conservatório no quinto ano, fiz cinco anos de Conservatório, ou seja tenho o quinto grau (durante esse período estava nos programas televisivos). Depois fiz muito teatro, danças de salão e, no décimo ano, segui artes visuais. Em criança, quando via com o meu avô os documentários sobre animais, acabávamos por desenhá-los. Na faculdade estudei produção de media, porque também sempre tive uma paixão muito grande por cinema. Portanto, sempre consegui caminhar um bocadinho por todas essas paixões. Umas vezes deixava mais para trás uma, dedicava-me mais à outra… Todas estas experiências fizeram de mim o artista em que eu me estou a tornar hoje. Nunca fui muito forte na língua inglesa, mas sabia que se queria seguir cinema que tinha de saber falá-la. Mais uma vez, como sempre gostei de desafios, pensei: “Porque não aprender inglês este Verão?”. Fiz um portfólio interessante para levar e pensei que se fosse aceite na escola, era – se não fosse, não fazia mal. Foi uma escolha muito rápida. Tive um espaço muito curto de tempo para decidir as coisas e gerir a situação. Mas ainda bem que fui! Aprendi a língua inglesa, tive contacto com outra cultura, com outras pessoas, com outra arte. É sempre muito enriquecedor. Tento sempre desafiar-me a mim mesmo. 

Deves ter, por isso, regressado carregado dessas “bagagens”… 

Sim! Regressei a Portugal com vontade de entrar na indústria do cinema e consegui um estágio na área, em Lisboa. Mas sempre que havia jantares da empresa, incentivavam-me a cantar. Acho que foi graças a essa experiência que voltei a ter a paixão pela música, a aproximar-me dela. Vim com vontade de fazer cinema, mas acabei por repensar na música. E agora é aqui que estou.

Sabes também tocar piano, baixo, teclado, guitarra elétrica, ukelele, cajón, entre outros tipos de instrumentos. Como é que te desdobras dessa maneira?

Tive formação em canto e guitarra dedilhada. Como gosto de aprender, e é isso que me alimenta, fui comprando instrumentos, e aprendendo cada um deles. Não sou um teclista, pianista, baixista, guitarrista, hiper mega profissional, mas, dentro do estúdio, consigo fazer aquilo que vai dentro da minha cabeça e acho que isso é o mais importante. Ia aprendendo através da internet ou com amigos que já conheciam os instrumentos.

E há algum com que te identifiques mais?

Todas as letras pedem coisas diferentes. O instrumento aparece como necessidade, como resposta à letra e à maneira. O que a música me pede, é aquele que eu vou buscar. 

Achas que isso faz de ti um artista mais completo?

Não diria mais completo, acho que me torna um artista mais autónomo, mais independente para começar um projeto. Não sei tocar acordeão, mas posso pegar no teclado e fazer um arranjo… Mesmo que não fique tão natural, dá para fazê-lo e depois sim, passar a um músico para me vir ajudar, e tornar tudo mais elegante e coerente. 

Acaba por ser uma coisa mais tua?! 

Sim! E também acaba por ser mais fácil transmitir as ideias que tenho na minha cabeça. 

A música que levaste às provas cegas, no programa The Voice, “Não vás ao Mar, Tonho!”, diz muito sobre a tua infância e raízes? Qual a ligação que tens com o mar? 

Escolhi essa música porque é uma canção que diz muito sobre mim e sobre a minha família. Cresci ao pé do mar, mais de metade da minha família também. No verão, passo os dias na praia e no inverno, quando tenho necessidade de refletir um pouco mais, facilmente estou na praia em 10 minutos. Uma parte da minha família é da Praia da Salema, terra de pescadores, portanto, sempre ouvimos essa canção. A música fala-nos muito sobre essa vida e, apesar de não ser pescador e de nunca ter conhecido o perigo do mar de perto, convivi com a minha família ao ponto de perceber que o mar é realmente importante para nós. 

Desconstruíste esse tema e passaste a fazê-lo nos seguintes, como na “Comunhão de Bens” da Ágata ou nos “Sonhos de Menino” do Tony Carreira. De onde surge essa ideia?

A minha irmã deu-me a ideia de levar a música “Não vás ao Mar, Tonho!”, nas provas cegas. Eu achava que a música era demasiado animada, com uma parte muito folclórica e ela sugeriu-me transformá-la noutra coisa. Aceitei o desafio e, a dada altura, percebi que era essa energia que queria passar em todas as galas. 

E porquê a escolha de músicas populares portuguesas? É com o objetivo de lhes dar uma nova vida? De lembrar ao pessoal mais novo que te ouve que estes artistas existem? 

É uma pergunta muito complicada. (risos)

Pode não ter um objetivo… 

Tem! Eu acho que a arte, quando não tem nenhum objetivo, não deve ser considerada arte, mas sim uma experiência. A arte tem sempre a intenção de fazer chegar uma mensagem, nem que seja relembrar às pessoas que aquela música existe e que aquela letra significa algo. Por exemplo, nesta última canção, “Sonhos de Menino”, do Tony Carreira… A minha avó sempre foi fã, por isso acabou por fazer parte da minha infância e sempre achei que a letra dizia sempre muito de vários artistas. Todos nós temos um sonho, alguns alcançam, outros não, mas se todos trabalharmos, mais perto ficamos do objetivo. A letra tem força, mas não me identificava tanto com o estilo musical e instrumental. Por isso, remontei a canção, de uma forma mais minha e que, se calhar, lhe deu uma carga mais dramática. É isso que eu normalmente faço quando sinto que as músicas precisam de uma carga emotiva mais forte. Por isso, acho que é muito para relembrar que aquela canção existe, fez parte de uma época, de um estilo muito próprio. Se a transformarmos, pode voltar a ser atual. Claro que em paralelo está o desafio de “transformar” estas canções, visto que não podemos levar originais para o programa. 

Tens algum processo quando estás a transformá-las? 

Normalmente é fácil, porque como tenho esta identidade sei o caminho que vou seguir. Como tenho formação musical e canto numa escala, sei as notas que vão calhar… Ou ouço a música, estudo a letra e trabalho a melodia. Ou acho que a música já tem a sua força, basta só torná-la mais atual… Ou agarro-me à letra e desconstruo tudo muito bem, desmonto, meto a parte do refrão na primeira parte, ou passo o refrão para o final, reconstruindo uma história que respeite aquela obra, mas de uma forma que consiga tornar algo “meu”. Não tenho um método específico… Acontece naturalmente! (risos)

É uma forma de misturar géneros? 

Perguntam-me muitas vezes qual é o meu género musical e eu nunca consigo responder. Eu tenho várias referências, vou beber a vários sítios. É uma forma de misturar os vários géneros de que eu gosto e todas as bases artísticas que tenho. Olho para as músicas de uma forma muito cinematográfica. Por isso é que, nas minhas atuações, gosto de tornar as coisas mais épicas, ter umas dinâmicas diferentes. 

Onde vais “beber”? Quais são as tuas principais inspirações?

É difícil. Mas talvez o Freddie Mercury, pela voz e por todo o talento e irreverência. Conseguiu agarrar o público dele, cativar o público do início ao fim. Transmitia bem aquilo que queria e as pessoas compreendiam de uma forma muito natural. O Stromae também. Não tanto pelas músicas mais comerciais, mas pelo facto de ter começado no hip hop e ter-se adaptado à indústria sem perder as suas origens. Ele dá muita importância à letra, sabe muito bem trabalhar em palco. É incrível visualmente e nunca perdeu a identidade musical. Tu ouves as músicas dele e percebes de onde vem. Lá está… A tradição. No cinema, pela parte visual e desenvolvimento de personagens – não querendo dizer que em cima do palco sou um personagem, mas gosto de assumir palco e o foco está em mim e nos músicos – talvez escolhesse o realizador Pedro Almodóvar. 

Sentes que falta música portuguesa nestes programas? 

Não sei se sinto falta dela nos programas, sei que sinto a sua falta na educação. Acho que deveríamos ter, desde mais cedo e mais tempo, contacto com a nossa música. Mesmo que não fosse para avaliação. Se incentivarmos mais à nossa cultura, talvez com muitos anos de ensino mais virado para ela, consigamos que o país mude um bocadinho.

As palavras para ti são importantes… Qual é a tua relação com a composição? 

Boa questão… Sempre gostei muito de escrever e de compor. Quando era novinho ia para um rock-pop. Neste momento, as coisas estão mais viradas para músicas do género banda sonora de filmes. A composição apareceu, por isso, de uma necessidade, para acompanhar os filmes na escola e para me ajudar a expressar-me de uma forma mais segura para mim. Se for só eu a falar sinto-me mais vulnerável… Através da arte, é mais fácil. 

Pensas muito no momento em que lançarás um original?

Sim! Anseio bastante lançar um original, mas após o programa gostava de me fechar em estúdio e repensar tudo o que eu tenho, tudo o que fiz, perceber o que aprendi e metê-lo em prática. Talvez ainda este ano, ou no próximo. 

Porque é que esta arte é tão especial?

Talvez por ser a arte de mais fácil acesso. Não foi por isso que a escolhi, mas realmente é. Acredito que as pessoas procuram cada vez mais coisas instantâneas, imediatas. Se calhar poucas pessoas vão ler um poema, ou se estiver alguém na rua a declamá-lo, poucos irão ser aqueles que param. Mas se o poema vier conduzido por uma parte sonora, as pessoas param e ficam por três minutos. É mais fácil e a mensagem talvez chegue a essa pessoa. 

No final da semana passada, o “Best of The Voice” elegeu a tua atuação como uma das melhores do mundo da primeira semana de 2022. Como reages ao veres que o mundo tem ouvido o teu trabalho?

Para ser sincero não ligo muito à internet, gosto mais das pessoas, das opiniões construtivas, das mensagens que recebo. Não me sinto tímido em aparecer, mas acaba por ser uma “terapia” para a minha timidez. E é um reconhecimento do meu trabalho, significa que o que estamos a fazer está a ir num bom caminho… Mas não sei os critérios deles! (risos) Aceito, fico grato! O que me importa é que as minhas mensagens passem, que as pessoas gostem do meu trabalho. 

O que achas que é mais importante ter presente nesta área?

Não só na música, mas em tudo o que fazemos, especialmente nas artes – porque acho que se temos uma mensagem temos um público – o que me deixa extremamente desiludido é quando alguns artistas se esquecem que têm pessoas que os admiram, que gostam do seu trabalho. Acabam então por ser arrogantes, ou não se esforçam para tentar responder, nem que seja a uma pequena mensagem… O que devemos ter presente nas artes é que nós não trabalhamos para nós. A obra do artista funciona para deixar em casa, mas para ganhar dinheiro e continuarmos a fazer aquilo de que gostamos precisamos de um público. Por isso, a parte humana é muito mais importante que a parte artística. Pelo menos na minha opinião.