1. Cada vez mais a política e o futebol são tratados de forma idêntica em termos de cobertura mediática. O debate “decisivo” entre António Costa e Rui Rio confirmou-o. As televisões de informação (fossem de cabo ou não) seguiram a cartilha que aplicam aos grandes desafios de bola, com clubes ou seleção. A única diferença foi que o debate teve transmissão em todos os canais abertos e mais uns de cabo, o que não acontece sequer com a equipa das Quinas. O rolo compressor informativo começou na véspera e prolongou-se no dia, antes e depois da contenda. Foram ouvidos comentadores (jornalistas, políticos e especialistas na matéria ou figuras que viveram momentos semelhantes), fizeram-se painéis sucessivos que chegaram a juntar mais de uma dúzia de pessoas. Não faltaram sondagens sobre expectativas e resultados e, para cúmulo, os protagonistas tiveram ainda a oportunidade de ter um pré-match e um pós-match. Com efeito, no final, ao jeito das conferências de imprensa dos treinadores, cada um, sobretudo Costa, aproveitou longamente para corrigir o que lhe tinha corrido mal. Nos comentários, mais do que a substância, observadores de toda a espécie opinaram sobre quem tinha ganho, valorizando inevitavelmente o seu favorito. Como o respeitinho é muito bonito, alguns não se esqueciam de dizer que os entrevistadores tinham sido brilhantes, mesmo que não tenham abordado as condições logísticas em que vamos votar, em grande parte por causa da incapacidade de antevisão dos cavalheiros que se enfrentaram, ou temas de fora de fronteiras como a água que a Espanha nos tira. O debate “decisivo” foi uma final de futebol e o Capitólio (num Parque Mayer deprimente) foi o Estádio Nacional do Jamor. As audiências foram excelentes, mas, vá lá, os analistas mais lúcidos recordaram que ganhar o debate “decisivo” não é vitória legislativa, como já se viu há anos. No pós-emissão não faltou sequer análise tipo VAR, que na política toma a forma de fact check. Sinal dos tempos e da covid, não houve praticamente claques no final para animar a malta. E também não houve “roulottes, coiratos e imperiais em copo de plástico”, uma vez que a política já não traz gente para a rua, às vezes nem para votar. Como no futebol, o jogo dos grandes secou os debates do dia seguinte, com direito apenas a notas de rodapé. Dito isto, é claro que o debate era de interesse público. Mas uma coisa é isso e outra é um massacre informativo que nem dá tempo a cada um de digerir e pensar no que viu e ouviu. Todo este bruaá tem uma explicação que não é propriamente a do abnegado trabalho dos média ao serviço do povo. Sucede que a informação política, desportiva, geral e o infotainment feitos em estúdio, com protagonistas a contrapor e convidados a contar experiências, são um produto barato de televisão. É por isso, aliás, que somos recordistas mundiais da duração de telejornais. Em televisão, o que sai caro são grandes reportagens, filmes, novelas e documentários. Ora, esses produtos vão perdendo sentido com o advento das Netflix, HBO e a multiplicação de canais de cabo.
2. Um debate que pode servir de referência positiva em termos de moderação foi o que Carlos Daniel conduziu na RTP com todos os partidos parlamentares. O jornalista foi seguro, não se deixou distrair, não mostrou especial agressividade com ninguém (ao contrário de outros). Houve um aspeto que ressaltou do debate alargado: parece haver mais pontos de entendimento possíveis entre Rio e os partidos que estão à sua direita do que entre António Costa e as opções que este tem à esquerda dele. Por isso Costa não teve outro remédio a não ser fixar a maioria absoluta como objetivo primordial.
3. António Lamas foi escolhido por Carlos Moedas para presidir à SRU, a Sociedade de Reabilitação Urbana de Lisboa Ocidental que manda no urbanismo em desenvolvimento naquela zona de Lisboa. Lamas sucede a Manuel Salgado, cuja pegada poluidora urbana é gigantesca. Brindou os alfacinhas com fabulosos monos, entre os quais se destaca o hospital plantado à beira Tejo, em Alcântara. Ressalve-se que essas aberrações não foram aprovadas por Salgado só na SRU, mas também enquanto vereador do urbanismo, cargo que lhe permitia exercer influência em toda a cidade. António Lamas passou por uma enorme quantidade de postos controversos, sempre por indicação política. Esteve na Expo, na Brisa, na Junta Autónoma das Estradas e no CCB, de onde foi despachado por João Soares, logo que este tomou posse como efémero ministro da Cultura. Lamas é também um reconhecido professor jubilado do Instituto Superior Técnico. A sua escolha surpreendeu e pode dar azo a polémicas futuras eventualmente referentes às suas realizações passadas.
4. Como foi noticiado neste jornal e no Nascer do Sol, as gigantescas colunas erigidas no topo do parque Eduardo VII, em Lisboa, constituem um perigo para quem por ali passa e carecem de intervenção urgente. Esse perigo iminente está lá sinalizado pela Proteção Civil desde setembro e não há sinais nenhuns de obras naqueles símbolos da arquitetura do Estado Novo. Houve, de facto, intervenções no subsolo circundante nos últimos meses. É urgente que a câmara de Carlos Moedas tome medidas para impedir que alguém sofra um acidente grave ou mortal ao passar no topo do parque ou quando estiver a usufruir do miradouro. Naquele local, está também erguido para a posteridade o fálico monumento que João Cutileiro concebeu para celebrar a Revolução dos Cravos, o qual, entretanto, murchou e deixou de jorrar água. Uma triste realidade portuguesa patente num dos pontos turísticos obrigatórios de Lisboa.
5. Emídio Rangel teve uma vitória judicial póstuma. Sete anos depois da sua morte, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem condenou o Estado português a pagar às herdeiras do jornalista um total de 50 mil euros por este ter sido condenado a dar uma indemnização pesada aos sindicatos dos magistrados e dos juízes, que responsabilizou por fugas de informação. Cá, Rangel tinha perdido em sucessivas instâncias. A sentença europeia rejeitou a fundamentação que o condenou em Portugal, considerando que tudo o que se passou não era necessário numa sociedade democrática. Veremos quanto tempo vai levar para que se execute a sentença europeia. Entretanto, talvez este seja o momento do Estado português, através do seu Presidente da República, um ex-jornalista, se lembrar de prestar a devida homenagem ao fundador da TSF e grande líder executivo da SIC, marcas que mudaram o nosso panorama mediático. Apesar de nunca ter sido próximo de Rangel, o signatário desta coluna tem assinalado essa falta regularmente, mesmo quando ele era vivo. Afinal quem trava a homenagem? Será que há alguém suficientemente poderoso para impedir uma coisa tão óbvia? Quem será?
6. Por falar em sentenças houve uma quase inédita recentemente. O médico João Júlio Cerqueira foi condenado a pagar uma pesada indemnização a Pedro Choy, um conceituado acupuntor de origem chinesa, por o ter ofendido 18 vezes em redes sociais e no Prós e Contras de boa memória da RTP. É natural que haja recurso, mas o facto é que este é um caso singular que reconforta aqueles que são objeto de difamação nas redes sociais e na comunicação social. De notar que a sentença é sobre um crime de difamação continuada e não tem a ver com qualquer tipo de delito de opinião. O médico condenado tem 79 mil seguidores nas redes sociais e é filho da atual secretária de Estado da Emigração, Berta Nunes, também ela médica.
7. Há 25 anos foi fundado o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. É um serviço público feito civil feito com escassos meios, que evita que se cometam muitos erros a escrever e a falar. Uma saudação ao jornalista José Mário Costa que nunca desistiu do projeto, mesmo depois a morte do seu principal fundador, João Carreira Bom.
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