As tentativas de criar partidos paneuropeus ou um círculo eleitoral europeu (não nacional) para o Parlamento Europeu (PE) têm sido votadas ao insucesso. A desnacionalização da eleição não foi além da inclusão de cidadãos de outras nacionalidades nas listas pelos círculos nacionais sendo eleitos para o PE bem poucos destes. Sobram as afinidades electivas entre partidos nacionais, com o propósito de conquistar, pela via associativa, uma maior fatia de poder. As grandes famílias políticas europeias têm mantido alguma estabilidade: centro direita (Partido Popular Europeu, PPE), centro esquerda (tradicionalmente o Partido Socialista Europeu, actualmente sob a marca Socialistas e Democratas) e liberais (unidos na Aliança dos Liberais e Democratas pela Europa, ALDE, hoje no mercado político com a marca Renew Europe). O sistema partidário “europeu” também sofreu a fragmentação que atingiu os sistemas partidários nacionais. As três grandes famílias políticas incluem uma fatia menor do eleitorado, agora dividido com os Verdes e com extremismos de esquerda e de direita que passaram a ter representação eleitoral no PE.
As três famílias partilham o poder no PE em função do número de Eurodeputados e na Comissão e no Conselho de acordo com o controlo efectivo dos governos nacionais, complicando-se a contagem de espingardas quando existem coligações governamentais. Os governos não abdicam do direito de escolha dos principais cargos políticos europeus, recusando a lógica de eleição directa por via das eleições para o PE. As tentativas ditas “democráticas” de eleição de Spitzencandidaten não conduziram, em 2019, a nenhum resultado útil: o PPE deixou cair o seu candidato oficial e os socialistas não ganharam as eleições para o PE e não tinham uma maioria de Governos com assento no Conselho.
Sendo os Governos 27, as grandes famílias políticas 3 e havendo poucos lugares de topo na liderança europeia, assistiu-se ao milagre da multiplicação destes por via da cisão do tempo de duração dos mandatos. A Presidência do PE passou a ser dividida ao meio, permitindo a ocupação sucessiva do cargo por representantes de duas famílias políticas. Já o tratado de Lisboa conferiu ao Presidente do Conselho Europeu um mandato curto (dois anos e meio) mas renovável. Na próxima terça-feira será eleita a nova Presidente do PE, eleição já agendada antes da morte do socialista David Sassoli. PPE e liberais juntar-se-ão para eleger Roberta Metsola (PPE) esperando os liberais a devolução do favor quando em Maio chegar a hora da renovação do mandato do Presidente do Conselho, o seu correligionário Charles Michel.
Michel filho, fiel ao cursus honorum na vida política belga, não se tem ilustrado nas funções europeias onde se destacou pelo papel (sentado) no Sofagate. Os socialistas, que só têm menos 30 Eurodeputados do que o PPE, lamentam a perda da Presidência do PE, cujo exercício foi limitado pela pandemia, consideram que só ocuparão um único cargo de topo (o de Alto Representante) e esperam que o novo Chanceler alemão reivindique mais um posto, justamente o de Presidente do Conselho. Scholz encabeça um Governo de coligação onde tem de gerir os liberais (do FDP que integra a família política de Charles Michel) compensando-os ao nível da gestão política nacional por uma facadinha no primo belga. Na óptica das chaises musicales não é nada que, sendo preparado a partir de 30 de Janeiro, não possa ser feito em Maio.
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990