Em Portugal podemos debater em liberdade e sem limites, que não os estabelecidos pelos princípios constitucionais, todos os temas e assuntos políticos, económicos e sociais. A salutar discussão sobre a forma como, num contexto social e sanitário muito específico, se faz o contraditório no terreno, nas redes sociais e nos órgãos de comunicação social é relevante, mas não deve ensombrar o valor da liberdade de que desfrutamos por sermos um País que vive em democracia plena.
É dessa liberdade que vou usufruir para partilhar o meu olhar sobre a forma como os media e em particular as televisões tem vindo a transformar o debate político num espetáculo e como o critério das audiências e dos segmentos de público alvo condicionam cada vez mais, quer quem organiza os debates, quer quem neles participa.
À exceção do debate agendado para esta noite, entre os dois candidatos melhor posicionados para poderem vir a ser indigitados para formar Governo, que terá uma duração aumentada, os frente a frente têm sido encenados como combates curtos, forçando cada interveniente a tentar ganhar vantagem não diretamente nas suas ideias, mas na forma como consegue que a agenda do debate lhe seja favorável.
Os confrontos funcionam como mobilizadores dos respetivos eleitorados, para atrair indecisos e também para passar no crivo dos comentários e avaliações a que dão origem e que multiplicam as mensagens, com muito mais detalhe e tempo do que aquele que foi atribuído às fontes originais.
Este retrato é analítico e não qualificativo. Acredito que o espetáculo da política, com todos os riscos de simplificação e distorção que comporta, tem pelo menos a vantagem de atrair novos públicos, habitualmente afastados dos debates cívicos, e captar parte deles para um compromisso mais sério e profundo com a causa pública e as escolhas que ela implica.
A migração do debate político das tertúlias das sessões de esclarecimento para as redes sociais e os media, levando também consigo parte do contacto porta a porta e dos comícios, já tinha começado muito antes do surgimento da pandemia e das condicionantes que impõe. Também neste domínio nada voltará a ser como dantes.
Consciente que o voto é cada vez mais emocional e que as racionalidades ideológicas estão em erosão, tenho a convicção que a vontade da maioria se formará não por aquilo que os encenadores do espetáculo engendram para conquistar audiências, mas pela perceção dessas audiências. Uma perceção que continuará a ser influenciada sobretudo pelos valores e princípios de cada eleitor e pelas suas vivências concretas.
Acredito que, embora os debates quase tenham ignorado temas centrais como as questões europeias ou as questões do território e do posicionamento geopolítico de Portugal no mundo, serão estes os eixos a orientar as soluções governativas para o próximo ciclo.
Apagadas as luzes e corridas as cortinas saberemos se continuaremos um trajeto progressista e alinhado com as grandes agendas globais de modernização, ou se ficaremos estagnados na instabilidade e na incerteza. Como escolhermos, assim será o dia seguinte.