1. A poucos dias das eleições mantém-se a confusão logística. Como aqui se disse oportunamente, foi um tema que deveria ter sido ponderado pelo Governo e os partidos que o derrubaram, se não fossem irresponsáveis. O derrube do Governo em pandemia foi um absurdo. Mesmo assim, teria sido simples alargar os dias e os horários de votação de forma a garantir o direito de voto a toda a gente. Nada se fez de concreto até agora. Ouvir os partidos e consultar os tribunais, como o faz agora o Governo, não elimina o rasto da incompetência.
E, além disso, há momentos em que as decisões a tomar são da esfera política e não meramente jurídica. Normalmente, nas eleições portuguesas regista-se uma enorme abstenção. Se a isso juntarmos mais uns largos milhares de abstencionistas forçados, será uma adulteração democrática. Fazer um horário para infetados parece uma descriminação do tempo da lepra. O problema devia ter sido evitado porque, aquando da dissolução, estávamos em plena pandemia.
Embora a variante fosse diferente, ela iria sempre multiplicar-se com a chegada do inverno. E isso sabia-se. Nesta altura, não há soluções, mas algo tem de ser feito para que o resultado não seja uma farsa e que as pessoas possam exercer o seu primeiro direito: votar! Estranhamente, o Presidente Marcelo está silencioso, apesar de ser o que tem menos culpa porque disse que iria para eleições se não houvesse orçamento. Ao dia de hoje, mais parece que vamos a caminho de uma farsa do que de eleições democráticas. Lamentavelmente, nos debates televisivos o tema da logística das eleições não foi colocado pelos moderadores. Todos eles estiveram muito aquém dos mínimos exigidos.
2. Enquanto a classe política fala, o país afunda-se. Não é novidade! Portugal foi sempre (tirando no tempo dos Descobrimentos e das riquezas que eles nos trouxeram) o país mais pobre da Europa. Desperdiçámos inúmeras oportunidades, como as que a União Europeia nos deu. Os indicadores revelam que estamos a cair estrondosamente na escala de riqueza. Os países do Leste e os do Báltico ultrapassam-nos sem apelo nem agravo. Há razões múltiplas para o nosso atraso. São de natureza geográfica e de contexto. Estamos longe do centro da Europa rica. Temos vizinhos imediatos pobres. Temos pesados custos de autonomia regional. Temos défice demográfico. Temos falta de qualificação.
Temos níveis de corrupção enormes devido à teia burocrática e não só. Temos incompetência técnica e política gigantescas. Temos empresários sem dimensão. Temos isso tudo, mas temos sobretudo falta de uma estratégia nacional. Temos um PRR e muitos programas de governo que são nados mortos. Não colam com a realidade. Não temos liderança política e capacidade de estabelecer um acordo nacional assente numa base minimamente consensual. Fazemos e desfazemos tudo regularmente.
Nem sequer nos limitamos a fazer bem o que os outros querem de nós: um país acolhedor, de sol, turismo, boa mesa, seguro, onde é bom viver sem pressa e onde podem desenvolver-se negócios inovadores de muitas áreas. Não temos sequer uma companhia área de jeito, nem ferrovia para nos tornar menos periféricos. Quando tentamos estruturar as áreas fundamentais acabamos por estragar, complicando o que é simples e criando uma massa de impostos, taxas e taxinhas a que se juntam ordenados miseráveis que levam à emigração. Somos um território lindo que as nossas mãos tornaram feio do ponto de vista urbanístico. Temos, em contrapartida, a vantagem de gostarmos do país e de nos darmos geralmente bem uns com os outros. E quando estamos fora ficamos cheios da nossa palavra mais forte e triste: saudade!
3. O PS e o PSD apresentaram dois calhamaços de mais de 150 páginas a que chamaram programas eleitorais. Neles falam de quase tudo, o que é, por si só, a garantia de que muito pouco daquilo não se poderá concretizar. Obviamente, a maioria dos portugueses não vai perder um segundo com aqueles ou outros programas. No caso do PSD, há que reconhecer que houve um esforço substancial, uma vez que o programa nasceu de um Conselho Estratégico Nacional, que reuniu algumas (nem todas) personalidades credíveis durante longas horas.
Mesmo assim, não há qualquer referência concreta à situação da comunicação social, que tanta influência tem na sociedade. Apenas se lê uma alusão imprecisa à RTP. No PS, a nota é ainda mais difusa. Fala do acesso dos cidadãos à comunicação social e da democratização da sociedade. Não ter noção dos problemas da comunicação social, do impacto das redes, da necessidade de disciplinar minimamente o meio em termos nacionais e mundiais é mau sinal.
4. André Ventura mantém-se eficaz, mas o ritmo de crescimento talvez esteja mais lento do que ele esperava. Provavelmente porque as sondagens não o estão a colocar no terceiro lugar, Ventura decidiu moderar as exigências para viabilizar um governo do PSD. Começou por falar de quatro ministérios e, domingo, já admitia deixar passar Rio sem coligação, nem mesmo de mera incidência parlamentar, desde que seja para tirar Costa. Será que deixou de acreditar na realidade comprovada de que quem vota na direita mais radical raramente assume o facto nas sondagens? O CDS foi prova disso durante anos. Dado como morto, safava-se sempre nas urnas. Agora parece novamente ferido de morte. Em crescendo na direita está manifestamente o IL e Cotrim de Figueiredo como se viu nos debates.
5. Nas últimas duas semanas sucederam-se, entretanto, muitos debates, no formato 25 minutos cada um, alternando entre canais generalistas e de informação exclusivamente de cabo. Amanhã, haverá nas generalistas o debate decisivo e com mais duração, entre Costa e Rio. Há quem não concorde, mas tem a ver com a relevância tradicional de ambos os partidos (sempre mais de 60% dos votos expressos) e o critério jornalístico. Todavia, há coisas incompreensíveis no modelo de debates. Por exemplo, porque é que a RTP3, a única de informação em canal aberto, transmite os debates ao mesmo tempo que o Canal 1 da mesma casa?
Noutro plano, ninguém usou para debates (mesmo que em repetição) e outras matérias eventualmente importantes (como esclarecimentos eleitorais) a ARTV, que está no ar em canal aberto 24 horas por dia. Não quiseram ou nem pensaram nisso? A ARTV ocupa banda do multiplex TDT (televisão digital terrestre), tem bons meios alocados e não serve para nada em tempo de esclarecimento e campanha. Já quando o parlamento está a funcionar é ótima, designadamente servindo de base de dados para sketches de Araújo Pereira, que ganha bom dinheiro com eles (antes rico e comunista do que pobre e fascista!). A ARTV tem grande utilidade para quem trabalha no parlamento e para alguns jornalistas, mas bastava ser acessível por internet. Tal como está – na TDT – ninguém a liga. Melhor seria colocar lá outra televisão generalista, eventualmente a CMTV, que muitos não assumem, mas toda a gente espreita regularmente.
6. Azeredo Lopes foi absolvido das pesadas acusações de que foi alvo depois do anedótico roubo e posterior achamento de armamento e munições dos paióis de Tancos. O caso cobriu o país de ridículo. Além disso, confirmou a habitual técnica do Ministério Público (MP) de acusar os suspeitos de tudo e mais alguma coisa. Normalmente, em julgamento, a prova da coisa fica por metade, por decisão dos juízes e ação das defesas.
Até o próprio representante do MP no tribunal cortou o zelo dos colegas que conduziram o inquérito e abdicou da acusação a Azeredo Lopes, limitando-se a reparos éticos. O político saiu ilibado e não se provou o seu envolvimento na escabrosa negociação da devolução do armamento. Mesmo assim houve gente condenada, e bem. Há, porém, uma coisa que ficou totalmente provada: Azeredo Lopes foi uma nulidade na Defesa Nacional. Foi substituído. O problema é que o sucessor não é melhor