Construção. Ilegalidades e falta de segurança levaram à morte de 49 trabalhadores

Construção. Ilegalidades e falta de segurança levaram à morte de 49 trabalhadores


Não é a primeira vez que o Sindicato da Construção denuncia os problemas do setor, apontando para situações de “escravatura contemporânea”. Estrutura sindical vai ser recebida no próximo dia 12 no Ministério do Trabalho, mas continua sem resposta por parte do gabinete de Pedro Nuno Santos.


Quase metade dos acidentes de trabalho mortais que ocorreram em Portugal dizem respeito ao setor da construção. Os últimos dados da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) apontam para 103 mortes com a construção a registar 45. Mas ao i o presidente do Sindicato da Construção de Portugal, Albano Ribeiro dá um número superior: 49.

Uma diferença que, de acordo com o responsável, é justificada pela falta de contabilização em determinadas situações. “Basta que o trabalhador morra na ambulância a caminho do hospital ou já na unidade hospitalar para que não conte para essas estatísticas, daí esta pequena diferença”.

De acordo com o dirigente sindical, muitas destas situações poderiam ter sido evitadas se fossem respeitadas todas as regras de segurança. 

“Cerca de 70% das mortes que ocorreram em 2021 foi por negligência grosseira. Os trabalhadores não tinham os meios de proteção que deviam ter porque os patrões – e não estamos a falar dos empresários que respeitam as regras e pagam todos os valores a que os trabalhadores têm direito, nomeadamente o subsídio de férias e de Natal – não têm uma cultura de segurança. Nas grandes obras, os acidentes quase não se fizeram sentir”, diz ao nosso jornal.

E dá exemplos de trabalhadores que caíram dos telhados por falta de apoios ou que ficaram soterrados pela queda de um muro devido a ausência de escoramentos. “Temos conhecimentos de mortes de trabalhadores com 70 anos. Isso é desumano, nem sequer deviam estar a trabalhar, mas como têm reformas muito baixas têm de se sujeitar”. 

Situações que, de acordo com Albano Ribeiro, são frequentes e que ganham maiores contornos quando estamos perante um setor que está a trabalhar com imigrantes sem formação na atividade.

“A situação está cada vez pior, mas o problema é que o setor precisa de trabalhadores e todos os dias vimos portugueses a saírem para outros países, e, por isso, é cada vez mais frequente o recurso a mão-de-obra imigrante não qualificada. Se não forem tomadas medidas muito concretas podem morrer muito mais este ano, porque muitos destes imigrantes chegam a Portugal através de angariadores de mão-de-obra e tornam-se presas fáceis para morrerem porque muitos deles nunca trabalharam na construção nos seus países de origem”, acrescenta. 

Face a esse cenário, o presidente do Sindicato da Construção de Portugal propôs a criação de uma comissão quadripartida que envolvesse a associação empresarial do setor, a ACT, o sindicato e as câmaras municipais. “A ideia é que antes de uma obra arrancar, essa comissão devia intervir para verificar no terreno se as condições de segurança são as adequadas para os trabalhadores e se as empresas são idóneas. A proposta foi feita a várias entidades e até hoje ninguém respondeu. Se essa comissão fosse criada naturalmente que muitos dos acidentes seriam evitados”, diz ao i. 

“escravatura contemporânea” Esta não é a primeira vez que Albano Ribeiro denuncia as ilegalidades que estão a ser praticadas no setor. Ao nosso jornal já tinha afirmado que a falta de mão-de-obra, apesar de ser transversal a todos os setores, está a prejudicar a construção que precisa de 80 mil trabalhadores. Uma escassez que está a obrigar “muitas obras públicas e privadas a não avançarem” e a originar “situações de trabalho precário, clandestino e à criação de redes de angariadores”. 

E foi mais longe: “Um trabalhador estrangeiro é contratado para receber 800 euros e só recebe 400 euros. O restante vai para os angariadores”, acrescentando que há cada vez mais denúncias desta situação a chegar ao sindicato e há casos em que os trabalhadores nem sequer recebem nada. “Chegou-nos um caso a dizer que assinou um contrato com um angariador em cima de um capô de um carro e nunca recebeu nada. Se não se fizer nada vamos entrar numa situação selvática”.

Uma situação que levou o presidente do sindicato a pedir reuniões aos ministros das Infraestruturas e do Trabalho. O i sabe que o encontro com o Ministério de Ana Mendes Godinho está agendado para o próximo dia 12, mas até ao fecho da edição não foi possível obter qualquer resposta por parte do gabinete de Pedro Nuno Santos.

E volta a apontar o dedo à Autoridade das Condições do Trabalho. “Os inspetores vão só às grandes obras, onde há engenheiros, arquitetos e uma direção de obra para serem recebidos. Não vão às pequenas, onde existe o trabalho precário, clandestino e isso fomenta esta situação. Estamos quase perante um cenário de escravatura contemporânea no setor da construção e que ameaça aumentar vertiginosamente”.

E lamenta que, em caso de acidentes de trabalho mortais, a ACT apenas anuncia a abertura de inquéritos. “É frequente ouvirmos a ACT dizer que não tem meios para fazer todas as fiscalizações, mas neste caso deve direcionar as suas ações, até até já nos oferecemos para irmos com eles às obras mais críticas. E a somar a isso há que contar com os inspetores que não percebem nada do que vão fazer numa obra”. 

O responsável vai pedir novos encontros com os embaixadores da Índia e do Brasil, uma vez que a maioria dos trabalhadores são provenientes destes países, para voltar a chamar a atenção para as ilegalidades que estão a ser cometidas. 

Para já, o sindicato está a disponibilizar dois professores de português para ensinarem a nossa língua aos trabalhadores indianos, paquistaneses e de outras nacionalidades para que sejam mais facilmente integrados. E vão avançar com ações de sensibilização que vão incidir em grandes obras, como é o caso do Metro de Lisboa e do Porto, entre outras. “Tudo faremos em 2022 para que não aconteça o que aconteceu em 2021. É um objetivo que temos que pode ser mais ou menos atingível em função dos meios que temos à disposição dos trabalhadores”, acrescenta.