Salvaguardas anticorrupção: não é recomendável improvisar


Para além de questões morais ou de legalidade, a corrupção é um risco que afeta a organização pública, que gera desperdícios e que denota sinais de descoordenação


Que a corrupção é um problema relevante das sociedades modernas, sobre isso não há dúvida. No mundo todo se faz esse debate, de ações repressivas a medidas preventivas, com destaque nas recentes ações do presidente estadunidense na promoção de uma estratégia anticorrupção com o objetivo de aumentar o combate à lavagem de dinheiro, ou ainda, cita-se os movimentos de diversos países na estruturação de agências anticorrupção ou similares.

Pautas congéneres tem espaço nas discussões incentivadas pelos organismos internacionais e centros de pesquisa, ecoando o marco histórico da Convenção das Nações Unidas contra a corrupção de 2005, em um movimento irreversível de preocupação com esse tema, o que tem como uma das consequências a discussão da qualidade das ações adotadas nesse sentido, em especial em um aspecto preventivo, o tema desse breve texto.

Em relação ao fenómeno da corrupção, de forma acadêmica, é possível se chegar a um consenso de que se trata de um abuso de poder por parte de agentes públicos, e que quebra as relações entre o poder público e as suas partes relacionadas, alterando finalidades de políticas e programas para o atendimento de interesses pessoais, prejudicando interesses coletivos. Uma visão pragmática, e que engloba, de um modo geral, as tipologias de corrupção: nepotismo, fraude, conflito de interesses, propina, suborno, apenas para exemplificar.

Nesse contexto, pode-se ver a corrupção, em uma certa medida, para além de questões morais ou de legalidade, e sim como um risco que pode afetar a organização pública, dentre muitos outros, como o desperdício e a falta de coordenação. Ao ser vista como um risco, pautado nas definições estatuídas sobre esse conceito, a corrupção tem a sua relevância ancorada na probabilidade da sua ocorrência, bem como no impacto de seus efeitos na gestão, e pode-se afirmar também que a estratégia de mitigação desta precisa de um bom equilíbrio entre os problemas que ela causa e os efeitos advindos do seu combate e prevenção.

Ao vê-la dessa forma, a implementação de programas preventivos em relação a corrupção nas organizações públicas assume outra dimensão, transcendendo a discussão centrada na cultura da organização e seus valores, para ter foco na análise dos processos administrativos, identificando e valorando as possibilidade de corrupção, com a proposição de um conjunto de salvaguardas customizadas a realidade de cada organização, e que, de forma menos onerosa e mais efetiva, possam reduzir a incidência de corrupção, com melhores possibilidades de monitoramento e aprimoramento.

A visão da corrupção como um risco traz concretude a discussão da sua prevenção, com destaque no processo de construção de salvaguardas, de medidas que inibam a ocorrência desses atos. Do tradicional código de conduta a uma rotina de verificação, essas ações preventivas se vinculam agora a um risco identificado naquele contexto organizacional, com a necessidade de serem viáveis, pouco onerosas e efetivas.

Desse modo, a discussão da qualidade dessas salvaguardas é fundamental para o bom desempenho de programas organizacionais anticorrupção, seja para quem implementa, seja para quem os avalia. Pode-se, para fins didáticos, apresentar três requisitos essenciais para a qualidade dessas salvaguardas, como norteadores de sua construção, após a fase de identificação e de avaliação dos riscos. Para compreender didaticamente esses requisitos, o artigo vai apresentar esses requisitos acompanhado de um exemplo da gestão pública.

O primeiro requisito é a efetividade. A salvaguarda tem de funcionar, e para isso, deve dialogar com o risco de corrupção identificado e ter o potencial de reduzir a sua probabilidade de ocorrência e o seu impacto, caso se materialize. Não faz sentido gerar uma salvaguarda que onere a gestão e dê a sensação de segurança, se ela não tem efetividade em relação ao risco de incidência de corrupção.

Como exemplo, destaca-se a adoção generalizada de códigos de conduta como mecanismos anticorrupção, em setores de alta incidência de risco de corrupção, como os setores de compras governamentais, com pesados incentivos para atuação corrupta e com um cenário de possibilidades de baixa detecção. Um risco cujo desenho carece de mecanismos mais robustos de prevenção, como a transparência de preços unitários praticados, e verificações rotineiras, com limites de autorização vinculados aos valores das aquisições.

O segundo requisito para uma salvaguarda de qualidade é o impacto da implementação desta na gestão. Na construção de uma medida preventiva, cabe o questionamento sobre em que medida a sua implementação burocratiza e torna mais onerosa a gestão da organização, afetando a eficiência das políticas públicas, gerando a necessidade de um ponto ótimo entre os mecanismos e seus efeitos, dilema que pode ser melhor compreendido à luz da gestão de riscos.

Ao colocar um funcionário verificando os processos de todas as compras governamentais, independentemente do valor, gerando relatórios corretivos, o gestor alimenta uma sensação de segurança enganosa, pois além de onerar todos esses processos, atrasando a entrega de itens essenciais ao desenvolvimento das políticas públicas, ele termina por fazer uma ampla e superficial verificação que pode não detectar situações mais elaboradas no que se refere a corrupção, que sempre tem surpresas no cotidiano, em especial pelos incentivos advindos dos robustos ganhos.

O terceiro requisito é o custo de implementação da salvaguarda. Quanto custa a implementação e a manutenção desses mecanismos anticorrupção. Essa discussão remete a questão da sustentabilidade dessas salvaguardas, para que além do efeito imediato sob o impacto de escândalos, seja viável a sua implementação e que se prolongue no decorrer do tempo.

O uso de dispositivos tecnológicos pode gerar situações curiosas de se gastar milhões para controlar centavos, em especial na gestão de material nos órgãos públicos, nos quais se pode adotar sensores de valor considerável para controlar itens de baixo valor, o que poderia ser tratado de outra forma, com cotas e curvas de demanda, mas efetivas e menos onerosas, apesar de não passar a sensação de segurança derivada da mitificação do uso de tecnologia.

Programas de prevenção à corrupção, tão valorizados com a ascensão dessa agenda, demandam discussões que rompam o improviso e a generalização, e essa mudança de paradigma passa pela adoção de conceitos da gestão de riscos, e consequentemente, pela discussão da qualidade da salvaguarda anticorrupção. Uma estratégia para que a luta anticorrupção, que tem marcado esse século, saia do campo da indignação geral e se instrumentalize em ações pragmáticas, verificáveis e que tenham efeito sobre a governança das organizações.

Salvaguardas anticorrupção: não é recomendável improvisar


Para além de questões morais ou de legalidade, a corrupção é um risco que afeta a organização pública, que gera desperdícios e que denota sinais de descoordenação


Que a corrupção é um problema relevante das sociedades modernas, sobre isso não há dúvida. No mundo todo se faz esse debate, de ações repressivas a medidas preventivas, com destaque nas recentes ações do presidente estadunidense na promoção de uma estratégia anticorrupção com o objetivo de aumentar o combate à lavagem de dinheiro, ou ainda, cita-se os movimentos de diversos países na estruturação de agências anticorrupção ou similares.

Pautas congéneres tem espaço nas discussões incentivadas pelos organismos internacionais e centros de pesquisa, ecoando o marco histórico da Convenção das Nações Unidas contra a corrupção de 2005, em um movimento irreversível de preocupação com esse tema, o que tem como uma das consequências a discussão da qualidade das ações adotadas nesse sentido, em especial em um aspecto preventivo, o tema desse breve texto.

Em relação ao fenómeno da corrupção, de forma acadêmica, é possível se chegar a um consenso de que se trata de um abuso de poder por parte de agentes públicos, e que quebra as relações entre o poder público e as suas partes relacionadas, alterando finalidades de políticas e programas para o atendimento de interesses pessoais, prejudicando interesses coletivos. Uma visão pragmática, e que engloba, de um modo geral, as tipologias de corrupção: nepotismo, fraude, conflito de interesses, propina, suborno, apenas para exemplificar.

Nesse contexto, pode-se ver a corrupção, em uma certa medida, para além de questões morais ou de legalidade, e sim como um risco que pode afetar a organização pública, dentre muitos outros, como o desperdício e a falta de coordenação. Ao ser vista como um risco, pautado nas definições estatuídas sobre esse conceito, a corrupção tem a sua relevância ancorada na probabilidade da sua ocorrência, bem como no impacto de seus efeitos na gestão, e pode-se afirmar também que a estratégia de mitigação desta precisa de um bom equilíbrio entre os problemas que ela causa e os efeitos advindos do seu combate e prevenção.

Ao vê-la dessa forma, a implementação de programas preventivos em relação a corrupção nas organizações públicas assume outra dimensão, transcendendo a discussão centrada na cultura da organização e seus valores, para ter foco na análise dos processos administrativos, identificando e valorando as possibilidade de corrupção, com a proposição de um conjunto de salvaguardas customizadas a realidade de cada organização, e que, de forma menos onerosa e mais efetiva, possam reduzir a incidência de corrupção, com melhores possibilidades de monitoramento e aprimoramento.

A visão da corrupção como um risco traz concretude a discussão da sua prevenção, com destaque no processo de construção de salvaguardas, de medidas que inibam a ocorrência desses atos. Do tradicional código de conduta a uma rotina de verificação, essas ações preventivas se vinculam agora a um risco identificado naquele contexto organizacional, com a necessidade de serem viáveis, pouco onerosas e efetivas.

Desse modo, a discussão da qualidade dessas salvaguardas é fundamental para o bom desempenho de programas organizacionais anticorrupção, seja para quem implementa, seja para quem os avalia. Pode-se, para fins didáticos, apresentar três requisitos essenciais para a qualidade dessas salvaguardas, como norteadores de sua construção, após a fase de identificação e de avaliação dos riscos. Para compreender didaticamente esses requisitos, o artigo vai apresentar esses requisitos acompanhado de um exemplo da gestão pública.

O primeiro requisito é a efetividade. A salvaguarda tem de funcionar, e para isso, deve dialogar com o risco de corrupção identificado e ter o potencial de reduzir a sua probabilidade de ocorrência e o seu impacto, caso se materialize. Não faz sentido gerar uma salvaguarda que onere a gestão e dê a sensação de segurança, se ela não tem efetividade em relação ao risco de incidência de corrupção.

Como exemplo, destaca-se a adoção generalizada de códigos de conduta como mecanismos anticorrupção, em setores de alta incidência de risco de corrupção, como os setores de compras governamentais, com pesados incentivos para atuação corrupta e com um cenário de possibilidades de baixa detecção. Um risco cujo desenho carece de mecanismos mais robustos de prevenção, como a transparência de preços unitários praticados, e verificações rotineiras, com limites de autorização vinculados aos valores das aquisições.

O segundo requisito para uma salvaguarda de qualidade é o impacto da implementação desta na gestão. Na construção de uma medida preventiva, cabe o questionamento sobre em que medida a sua implementação burocratiza e torna mais onerosa a gestão da organização, afetando a eficiência das políticas públicas, gerando a necessidade de um ponto ótimo entre os mecanismos e seus efeitos, dilema que pode ser melhor compreendido à luz da gestão de riscos.

Ao colocar um funcionário verificando os processos de todas as compras governamentais, independentemente do valor, gerando relatórios corretivos, o gestor alimenta uma sensação de segurança enganosa, pois além de onerar todos esses processos, atrasando a entrega de itens essenciais ao desenvolvimento das políticas públicas, ele termina por fazer uma ampla e superficial verificação que pode não detectar situações mais elaboradas no que se refere a corrupção, que sempre tem surpresas no cotidiano, em especial pelos incentivos advindos dos robustos ganhos.

O terceiro requisito é o custo de implementação da salvaguarda. Quanto custa a implementação e a manutenção desses mecanismos anticorrupção. Essa discussão remete a questão da sustentabilidade dessas salvaguardas, para que além do efeito imediato sob o impacto de escândalos, seja viável a sua implementação e que se prolongue no decorrer do tempo.

O uso de dispositivos tecnológicos pode gerar situações curiosas de se gastar milhões para controlar centavos, em especial na gestão de material nos órgãos públicos, nos quais se pode adotar sensores de valor considerável para controlar itens de baixo valor, o que poderia ser tratado de outra forma, com cotas e curvas de demanda, mas efetivas e menos onerosas, apesar de não passar a sensação de segurança derivada da mitificação do uso de tecnologia.

Programas de prevenção à corrupção, tão valorizados com a ascensão dessa agenda, demandam discussões que rompam o improviso e a generalização, e essa mudança de paradigma passa pela adoção de conceitos da gestão de riscos, e consequentemente, pela discussão da qualidade da salvaguarda anticorrupção. Uma estratégia para que a luta anticorrupção, que tem marcado esse século, saia do campo da indignação geral e se instrumentalize em ações pragmáticas, verificáveis e que tenham efeito sobre a governança das organizações.