1. Se há coisa que se alterou desde a pandemia de covid-19 é a previsibilidade. Deixou de ser possível. É verdade que houve sempre grandes imprevistos ao longo da história. Mas, na nossa ignorância, achávamos que tínhamos quase tudo controlado, salvo as catástrofes planetárias. Até pensávamos absurdamente poder conter a degradação ambiental. Com a pandemia, tudo mudou várias vezes. Temos ido do desespero à esperança e vice-versa. O certo é que vivemos na incerteza. Aos poucos, o mundo mais desenvolvido foi-se habituando a reagir às evoluções, avanços e recuos, encontrando fatores de esperança com o apoio da ciência. Isto, enquanto nos países pobres a vida dos que menos têm segue nos termos miseráveis de sempre, sem defesas coletivas contra a covid e dezenas de outras doenças tão ou mais mortíferas. Já os ricos dos países pobres, esses, vivem esplendorosamente e gastam o dinheiro que roubam nas Avenidas da Liberdade do mundo. No computo geral, não se ignora que houve progressos no combate à doença, mas as sistemáticas mutações do vírus impedem previsões quanto à evolução, o que arrasta uma multitude de outras interrogações sobre muitas coisas. Analisando o que está a acontecer com a variante Omicron e a sua fulgurante progressão, apenas se pode desejar que seja o prenúncio de que a pandemia está finalmente a converter-se em endemia. Já não era mau, mas é melhor não prever que assim seja. A contaminação galopante evidenciou mais uma vez as enormes fragilidades da nossa estrutura de saúde e a circunstância de termos uma profunda incapacidade de antecipação e de reação imediata. Não há testes que cheguem, as filas são enormes, a comunicação é contraditória e errática, as medidas profiláticas não são aplicadas uniformemente, dão-se orientações diferentes aos doentes e potenciais infetados, fecham-se os centros de vacinação durante nove dias num período crítico e, qual cereja em cima do bolo, a linha SNS24 soçobrou. Chega ao ponto de não atender e deixar mensagem para ligar mais tarde, até que sejam contratadas mais pessoas. É pouco menos do que o caos que pensavam evitar com a antecipação de medidas de contenção. Perante isto, António Costa optou estrategicamente por assobiar para o lado e serviu-nos um discurso de Natal genérico e cheio de chavões. Vá lá que admitiu que pontualmente foram cometidos erros. É o que temos!
2. Gouveia e Melo foi o homem do ano em todo o lado. Mereceu pelo que fez, mas não pelo que disse. “Vedetizou-se” ainda nas funções da task-force, por culpa dos média. Transformaram-no primeiro num herói desinteressado, depois ele resvalou para uma espécie de socialite. Ultimamente estava com um pé na política, criando-se à sua volta um sentimento sidonista, favorecido pela farda e a figura bem-apessoada. Já admitia um movimento cívico, que é das coisas mais perigosas que há na política e na sociedade, como se vê pelo novo politicamente correto. Aflitos com o “monstro”, catapultaram-no para Chefe do Estado Maior da Armada. Marcelo tinha travado um primeiro assalto, mas agora capitulou. E a criatura lá está. Já não simplesmente contra-almirante (como o Thomaz da outra senhora), mas até acima de Vice-almirante. Agora é Almirante a sério (temos mais do que navios de guerra). Pode ser que nas funções de CEMA resolva os problemas do ramo e sobretudo fale menos, como fazia o seu antecessor, ironicamente chamado Mendes Calado, o qual não resistiu, todavia, a deixar uma mensagem de despedida, confirmando ter sido deitado borda fora. Vá lá, deram-lhe uma magnifica condecoração! Mesmo assim não foi à patética posse de Melo. Houve jornalistas que fizeram contas e chegaram, entretanto, à conclusão de que não colhe a explicação de que era preciso nomear Gouveia e Melo à pressão para evitar que passasse compulsivamente à reserva. Ainda podia esperar um ano. Dava tempo para cumprir o que foi acertado entre Calado, Melo, o Governo e o Presidente, que era proceder à substituição em março de 22. Com o perfil que se lhe conhece, Gouveia e Melo vai ter dificuldade em resistir à exposição mediática. Não vai ter grande espaço para falar a toda a hora do que lhe der na cabeça. Terá, legalmente, de se cingir a considerações sobre as suas funções, o que o afastará da ribalta. Lá mais para a frente, é possível que reapareça em pleno no xadrez político nacional. Ou então numa televisão qualquer. Talvez a fazer parelha com Cristina Ferreira, outra grande profissional de quem também já se falou para candidata a Presidente(a?). Isto se o tempo não o arquivar.
3. Em absoluto contraste com o perfil mediático que hoje caracteriza tanta gente, Portugal perdeu em 2021 um discreto, sensível e determinado político: o Presidente Jorge Sampaio. Nem sempre foi consensual, mas foi corajoso politicamente antes e depois do 25 de Abril. Soube estar e soube sair discretamente de cena, sem deixar de ser atuante e de contribuir com atos e palavras para o bem da humanidade. Tivemos poucos homens políticos da envergadura ética dele. Não o esqueçamos!
4. A ministra Van Dunen é um caso. Sendo membro do Governo, não hesitou, há tempos, em tomar posse como conselheira do Supremo Tribunal de Justiça, o que, por inerência, lhe dará assento no Conselho Superior da Magistratura (CSM), quando deixar o Governo. O mais interessante é que, por sua iniciativa, os juízes de tribunais superiores foram aumentados ao ponto de ganharem mais do que o Presidente da República. Alguns especialistas referem que Van Dunen ganhou seis anos de antiguidade naquelas funções (o tempo que esteve no Governo), podendo jubilar-se com vantagem. Planeamento de carreira! Assim tivesse sido na Justiça.
5. No Diário de Notícias do dia 27 explicava-se a forma como o ministério das finanças driblou uma decisão da Assembleia da República de proibir dar mais dinheiro ao Novo Banco. O Ministro de Estado e das Finanças justificou o nome: entrou à leão e a AR saiu de sendeiro. Na conta do NB moram lá mais 317 milhões com a justificação de que o Estado é pessoa de bem e que isso é mais importante do que a decisão de um parlamento nacional, que, mesmo dissolvido, continua a ter poderes. E agora como é, senhores deputados? Calam-se e consentem a marosca técnica?
6. Apesar de estar preso, Nicolas Navalny, o principal oposicionista de Putin, lançou para o mundo a denúncia de que o processo de naturalização portuguesa de Roman Abramovich resultou de corrupção. O multimilionário dono do Chelsea tornou-se português e, portanto, cidadão da União Europeia. Recorreu a uma lei que permite aos descendentes de judeus sefarditas naturalizarem-se (demonstrando a manutenção de ligações culturais). O propósito é reparar minimamente a perseguição e expulsão de muitos antepassados, a partir do reinado de D. Manuel, há 500 anos. A acusação de Navalmy é gravíssima e deve impor uma investigação do Ministério Público, sobretudo depois de tudo o que se se passou no SEF e nos serviços que tratam de assuntos relacionados com o MAI e naturalizações. A lei que abrangeu Abramovich tem sido aproveitada por outros sefarditas radicados em países extra UE, levantando pontualmente dúvidas semelhantes. A lei é justa, embora alguns discordem por não ser aplicável a outros povos perseguidos noutras circunstâncias e latitudes. Abramovich não é tido como um modelo de transparência de métodos. É simultaneamente um perseguido da Rússia e um amigo de Putin, depois de se ter tornado numa das maiores fortunas do mundo nas controversas privatizações e renacionalizações de grandes empresas daquele país. Investigue-se lá este novo compatriota, antes que ele desate a cantar o hino e nos apareça com a camisola das quinas!
7. Jesus saiu do Benfica. Haja Deus!
Escreve à quarta-feira