As medidas mais restritivas de contenção anunciadas pelo Governo para fazer face ao aumento de casos de covid-19 não chegam de surpresa mas estão a deixar os empresários à beira de um ataque de nervos. Não só os responsáveis de animação noturna – o único que vai fechar portas já a partir de dia 26 e, pelo menos, até 9 de janeiro – como também os da restauração falam entre “tempestade perfeita” e estarem “abertos, mas como se tivessem porta fechada”.
José Gouveia, presidente da Associação de Discotecas Nacional (ADN) não tem dúvidas: esta é mais uma “machadada” no setor da animação noturna, principalmente numa altura em que o setor já mostrava alguma recuperação, ainda que “lenta”. Ao i, o responsável deixa várias críticas ao Governo, principalmente pelo facto de uma “medida com esta importância” ter sido anunciada tão “em cima da hora”.
Principalmente no que diz respeito ao Ano Novo, o responsável defende que “as discotecas também fazem este tipo de programação antecipadamente” e garantiu que foi “suplicado” ao Governo “para que não fosse tomar uma medida destas com uma semana de antecedência”.
Na opinião de José Gouveia, sem noite de passagem de ano nas discotecas, abrir-se-ão portas às festas ilegais, “numa quinta ou numa casa particular onde não há qualquer tipo de rastreio ou segurança”, defende. Mas não critica só as festas ilegais como também as legais. “As discotecas não podem abrir, mas pode fazer uma festa num pavilhão ou numa quinta. Ou num hotel ou num casino”, acusa. E dá exemplos: “Há uma festa para o Centro de Congressos de Lisboa e essa vai ser feita. As festas nos hotéis são permitidas, nos casinos também. Tudo é permitido, só não é permitido nas discotecas”, lamenta.
Lembrando o investimento que já tinha sido feito por estes espaços para a última noite do ano, José Gouveia atira ainda: “Aquilo que tínhamos começado a recuperar depois de 19 meses fechados, a 1 de dezembro, colocam-nos este obstáculo e agora dão-nos a chamada machadada final”.
E, por isso, diz não entender nem a altura do anúncio, nem o anúncio em si. “Colocámos a hipótese de os nossos clientes usarem máscara no interior e apresentarem testes negativos. Todas as possibilidades menos fechar”.
Quanto aos apoios anunciados pelo Governo, José Gouveia garante que “não são proporcionais àquilo que agora já se perdeu”, acrescentando que “o mês de dezembro corresponde por norma a um terço da faturação anual. Aquilo que se fatura em dezembro muitas vezes chega a ser um terço do que se fatura no ano inteiro”.
Tempestade perfeita Ana Jacinto, secretária-geral da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) não tem dúvidas de que as novas medidas de restrição vão ter um impacto negativo e admite que nem todos os clientes estão disponíveis para apresentar testes à porta dos restaurantes. “Com isso estamos a dificultar a operação e a principal está na oferta porque não está a responder às necessidades”, acrescentando que, para isso, é preciso criar mais centros de testagem. “Temos dialogado sobre isso com o Governo e com as autarquias, mas continuamos a ter tempos de espera muito longos, o que que faz com que clientes não tenham disponibilidade ou disposição para estarem horas em filas para poderem entrar num restaurante”, diz ao i.
A responsável reconhece que estas novas regras vão ter um impacto negativo, nomeadamente em termos de cancelamentos. Uma situação que já tinha admitido ao Nascer do SOL que se verificava desde o início deste mês. E vai mais longe ao garantir que “à data de hoje não estamos no mesmo estado que estávamos há um ano. A vacinação tem sido um sucesso, com mais de 80% das pessoas vacinadas e com 2,2 milhões de pessoas a terem recebido a vacina da gripe. Isso tem de fazer a diferença em relação a outros países que já tinham adotado este tipo de restrições. Alertámos o Governo para isso e pedimos medidas equilibradas e prudentes. Tem que haver um equilíbrio entre a saúde e o impacto económico e temos de ter medidas de apoio que permitam estas empresas continuarem a sobreviver”.
Ana Jacinto lembra que a par destas novas dificuldades, a restauração depara-se com outro problema de custos acrescidos. “Temos o aumento da luz, dos combustíveis, das matérias-primas. Estamos perante um cenário de tempestade perfeita”.
Para as discotecas e bares, que são mesmo obrigados a encerrar, ainda é pior. “Muitos estabelecimentos fizeram investimentos, contrataram laboratórios para fazer testes à entrada para tornarem esses locais seguros. Isto dá azo a convívios descontrolados porque as pessoas não vão deixar de sair. Ou seja, penalizam as empresas do setor e contribuem para o aumento do contágio, como aconteceu no verão. Parece que não aprendemos nada durante estes meses”, desabafa.
Uma opinião partilhada pela PRO.VAR (Associação Nacional de Restaurantes), que defende que mais restrições além das que já existiam, e principalmente nesta altura do ano, terão um sempre um impacto negativo. Daniel Serra afirma que nos últimos dias têm-se verificado cancelamentos de almoços e jantares de grupo na ordem dos 70 a 80%. Uma das medidas que mais temíamos e que acabou por ser aprovada é a apresentação de testes à entrada dos restaurantes porque provoca uma perda económica elevadíssima. Vamos assistir a uma debandada dos clientes: ou por dificuldades de acesso ou por aversão à realização dos mesmos. O acesso a um restaurante é diferente de um hotel e um cliente de um restaurante vai pensar duas ou três vezes antes de ir porque a exigência da apresentação de um teste cria uma barreira”. Uma situação que, no seu entender, não faz sentido já que entende que os restaurantes são seguros. Ainda assim, elogia que não tenham sido levadas a cabo alterações à capacidade dos espaços e aos seus horários de funcionamento.
E faz um apelo: “Acreditamos que os profissionais estão a tomar as melhores decisões, mas avisamos o Governo está a deixar os restaurantes abertos mas de porta fechada, ou seja, sem clientes. O que é necessário fazer, e ainda não fez até agora, é avançar com medidas de apoio que têm de ir ao encontro às perdas relativas a 2021. É preciso encontrar apoios à altura e adequados à perda e já demos várias ideias ao Governo, basta que haja vontade política para o fazer”.
Centros comerciais com “grandes reservas” Para os centros comerciais há uma única regra: redução de lotação com limite de uma pessoa por 5 metros quadrados.
Rodrigo Moita de Deus, diretor-executivo da Associação Portuguesa de Centros Comerciais (APCC) diz ao i que a medida “não faz sentido”. E explica: “Diz-nos a experiência que a limitação de número de pessoas por metro quadrado, normalmente, causa aglomerações e ajuntamentos – que é tudo aquilo que queremos evitar – à porta dos estabelecimentos comerciais”. E, refuta que “esses ajuntamentos são muito mais complicados de gerir e de controlar”, sendo este, por isso, o “principal receio e reserva relativamente à medida”.
E garante que “não é uma questão comercial, de vendas, é mesmo uma questão sanitária”. Até porque, defende, “estamos, na prática, a criar afunilamentos à entrada dos estabelecimentos comerciais que podem, de facto, ser muito mais perigosos do que propriamente aquilo que queremos evitar”. Apesar de admitir que estes rácios “são bastante mais abertos do que os rácios anteriores mas era bom que o Governo tivesse alguma latitude e margem para mexer nesses rácios na implementação da medida conforme o momento”.
As filas podem ser maiores principalmente numa altura de troca de presentes de Natal e o responsável não tem dúvidas que “já depois do desconfinamento os portugueses têm sido muito responsáveis na forma como têm atuado, as pessoas têm evitado naturalmente grandes ajuntamentos ou aglomerações”. Por tudo isto garante que a APCC tem “grandes reservas relativamente à medida”.