Assinalou-se a 9 de dezembro o dia internacional contra a corrupção. Como vem sucedendo nos últimos anos, diversas entidades, públicas e da sociedade civil, dinamizaram eventos a marcar a agenda, relembrando e reforçando a reflexão de toda a sociedade sobre a importância do tema e a necessidade de um controlo mais eficaz tanto a nível preventivo como punitivo.
O Observatório de Economia e Gestão de Fraude, pela sua natureza e por vontade dos seus membros, tem procurado contribuir também para esta reflexão, tendo organizado a conferência "Estratégias de prevenção e controlo", conjuntamente com a Ordem dos Contabilistas Certificados, o ISCAL e o CEDIS, e participado na I Conferência Regional "A Prevenção da Corrupção e a Transparência", organizada em Angra do Heroísmo pela Inspeção Regional Administrativa e da Transparência dos Açores.
Nesse mesmo dia, o Presidente da República promulgava o diploma fundador do Mecanismo Nacional Anticorrupção e do regime geral de prevenção da corrupção (Decreto-lei n.º 109-E/2021, de 9 de dezembro), depois de, alguns dias antes, ter sido encontrada uma solução jurídica para a criminalização das situações de enriquecimento ilícito ou injustificado por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos.
Por formas diversas, o tema da corrupção tem sido objeto de uma maior atenção e escrutínio pelos cidadãos e pela sociedade. As entidades públicas e a sociedade civil têm dinamizado diversos projetos e conferências de alerta e reflexão sobre o tema. Através destes eventos, as entidades públicas com funções de controlo têm evidenciado sinais de alguma dificuldade no exercício cabal da sua ação, e as da sociedade civil algum desconsolo quanto às medidas existentes e à sua menor eficácia no controlo da fraude e da corrupção no Estado. Umas e outras apontam para a necessidade da revisão ou atualização das medidas e instrumentos existentes, tendo sobretudo em consideração que é o superior interesse dos cidadãos – o nosso interesse! – que está verdadeiramente em causa, bem como todo o quadro de relações de confiança e credibilidade sobre as instituições e sobre o próprio Estado.
O quadro legislativo agora adotado pelos poderes políticos vem assumir as propostas vertidas na Estratégia Nacional de Combate à Corrupção 2020-2024, e que foram sendo trabalhadas ao longo dos dois últimos anos, associando-lhe ainda a diretiva europeia relativa à necessidade dos Estados-membros criarem canais de denúncia nas organizações públicas e privadas (diretiva 2020/1937).
O substancial quadro de medidas agora criado, que, como se referiu, inclui a criminalização do enriquecimento injustificado, medida punitiva que vinha sendo já reclamada há alguns anos, propõe-se fundamentalmente contribuir para o reforço das medidas de caráter preventivo, ou seja, para operar sobretudo a montante do problema.
As medidas agora criadas procuram contribuir para o aprofundamento de culturas organizacionais responsavelmente mais envolvidas com a integridade, através da adoção de instrumentos como:
– Códigos de ética e de conduta e manuais de boas práticas sobre todas as suas atividades diárias.
– Identificação de zonas e áreas de risco quanto a possíveis situações de fraude e corrupção e adoção de adequadas medidas de cuidados sobre elas, através de planos de prevenção de riscos de fraude, corrupção e infrações conexas.
– Criação e adoção de canais de denúncia, que procurem despistar situações de fraude e corrupção que de outro modo ficariam ocultas, sem qualquer possibilidade de serem objeto de qualquer investigação ou punição.
– Estabelecimento de um regime sancionatório sobre as entidades que não adotem devidamente as medidas indicadas.
– Alargamento de todos estes cuidados às entidades de maior dimensão do setor privado, no que pode considerar-se como uma verdadeira medida revolucionária no âmbito da prevenção da fraude e da corrupção organizacional.
Trata-se sem dúvida de um leque ambicioso de medidas inovadoras e com um potencial de utilidade que não pode ser questionado.
Todavia, como qualquer medida, só depois da sua adoção plena pelas organizações poderemos perceber a sua eficácia e utilidade efetiva. Um fator de importância primordial que pode indicar-se já para esse sucesso é o da capacidade que as entidades tenham para envolver todos os seus colaboradores no cumprimento descomplexado dos identificados instrumentos de gestão e de prevenção de riscos. Se as pessoas não se envolverem, porque as medidas previstas em tais documentos não lhes sejam explicadas, porque não se identifiquem com elas ou porque simplesmente sejam geradoras de um clima de desconfiança, o mais provável será que daqui a algum tempo estejamos a reclamar pela atualização e revisão das medidas dada a sua ineficácia.
Por outro lado, e para finalizar esta breve análise, subsiste ainda um outro elemento a destacar. O naipe de medidas agora criado destina-se particularmente a prevenir e controlar a fraude e a corrupção nas entidades e organizações privadas e da denominada administração pública, deixando de fora um setor de grande importância da ação do Estado e da Governação Pública, que é o da ação política. E este palco, como bem sabemos pela frequente divulgação mediática de casos sob suspeita, é, de entre todos, o que tende a estar mais exposto publicamente ao problema.
Será caso para nos questionarmos, enquanto sociedade, para quando a definição e adoção de medidas de reforço sobre o controlo e prevenção da corrupção associada à macro gestão do Estado?