Uma vespa na cerveja


E, como o Deus a sério, aquele que dizem ter poder sobre o céu e sobre a Terra, limito-me a observar a desgraça da criatura que ele criou. Passam-se minutos como se fossem horas.


Surgiu entontecida, desamparada, aos ziguezagues como se já estivesse bêbeda. Depois, interrompeu o voo caótico e mergulhou de cabeça no meu copo de cerveja. Já tinha bebido quase tudo mas, ainda assim, a bichinha ficou sem pé. Um ser perdido num mar amarelo de espuma branca.

Primeiro pareceu procurar inteirar-se do lugar onde tombara. Depois mexeu as patas frágeis como se nadasse, sem resultados aparentes. Fico a observá-la como se representasse uma parte do universo. Victor Serge escreveu um dia: “Uma rapariga ruiva não é o universo!” Muito menos será uma vespa na cerveja.

Lembrei-me de Carlos Oliveira e do seu Uma Abelha na Chuva. Mas uma vespa não é uma abelha. Tem as mesmas riscas negras e amarelas, mas tem também tudo para ser o seu inverso. Vejo-a lutar contra a corrente. Uma tentativa desesperada de chegar ao vidro onde talvez se pudesse agarrar. Inclino o copo, provoco um tsunami minúsculo e, contudo, devastador. As asas, encharcadas, de nada lhe servem. As antenas mantêm-se teimosamente à superfície.

O sol das duas da tarde bate a jorros sobre o seu drama de sobrevivência. Insiste em nadar no oceano encapelado onde mergulhou tontamente num espírito suicidário. Posso dar-lhe vida. Sou como um deus menor com poder sobre a existência e sobre a morte. E, como o Deus a sério, aquele que dizem ter poder sobre o céu e sobre a Terra, limito-me a observar a desgraça da criatura que ele criou. Passam-se minutos como se fossem horas.

A vespa usa, agora, as patas amolecidas como se fossem remos. Está tão naufragada como eu, se querem saber. Morre ou não morre? Vive ou não vive? É um problema que teremos de resolver os dois. Espero por um gesto de piedade que não chega; espero por uma sensação de piedade que não sinto. Como naqueles momentos de tristeza absoluta em que também eu fico preso sem ser capaz de sair do fundo de uma garrafa.

Uma vespa na cerveja


E, como o Deus a sério, aquele que dizem ter poder sobre o céu e sobre a Terra, limito-me a observar a desgraça da criatura que ele criou. Passam-se minutos como se fossem horas.


Surgiu entontecida, desamparada, aos ziguezagues como se já estivesse bêbeda. Depois, interrompeu o voo caótico e mergulhou de cabeça no meu copo de cerveja. Já tinha bebido quase tudo mas, ainda assim, a bichinha ficou sem pé. Um ser perdido num mar amarelo de espuma branca.

Primeiro pareceu procurar inteirar-se do lugar onde tombara. Depois mexeu as patas frágeis como se nadasse, sem resultados aparentes. Fico a observá-la como se representasse uma parte do universo. Victor Serge escreveu um dia: “Uma rapariga ruiva não é o universo!” Muito menos será uma vespa na cerveja.

Lembrei-me de Carlos Oliveira e do seu Uma Abelha na Chuva. Mas uma vespa não é uma abelha. Tem as mesmas riscas negras e amarelas, mas tem também tudo para ser o seu inverso. Vejo-a lutar contra a corrente. Uma tentativa desesperada de chegar ao vidro onde talvez se pudesse agarrar. Inclino o copo, provoco um tsunami minúsculo e, contudo, devastador. As asas, encharcadas, de nada lhe servem. As antenas mantêm-se teimosamente à superfície.

O sol das duas da tarde bate a jorros sobre o seu drama de sobrevivência. Insiste em nadar no oceano encapelado onde mergulhou tontamente num espírito suicidário. Posso dar-lhe vida. Sou como um deus menor com poder sobre a existência e sobre a morte. E, como o Deus a sério, aquele que dizem ter poder sobre o céu e sobre a Terra, limito-me a observar a desgraça da criatura que ele criou. Passam-se minutos como se fossem horas.

A vespa usa, agora, as patas amolecidas como se fossem remos. Está tão naufragada como eu, se querem saber. Morre ou não morre? Vive ou não vive? É um problema que teremos de resolver os dois. Espero por um gesto de piedade que não chega; espero por uma sensação de piedade que não sinto. Como naqueles momentos de tristeza absoluta em que também eu fico preso sem ser capaz de sair do fundo de uma garrafa.