Não ao discurso político “miss mundo”


Há que falar aos eleitores de questões concretas e não de temas genéricos com os quais todos concordamos.


1. No debate político nacional referente às legislativas há temas concretos que todos os partidos deviam abordar. São matérias que não permitem apenas generalidades piedosas sobre saúde, justiça e impostos. Falar disso é falar de tudo e de nada. É uma espécie de discurso Miss Mundo, se não for acrescido de medidas concretas. Mais pragmático é, por exemplo, saber o que fazer com a TAP, com a SATA (afinal temos duas companhias nacionais), com a CP, com a Transtejo, com a Soflusa, tudo empresas que custam milhares de milhões quando deviam operar em concorrência (ou ser privatizadas) com ganhos de eficácia e diminuição de custos para os contribuintes. Em sentido inverso, é legítimo pensar na possibilidade de reverter situações como a REN, os próprios CTT ou algumas concessões rodoviárias. A propósito, diga-se que há empresas como a Brisa, monopolista da Via Verde, que modificam os contratos quando querem. O mesmo se passa, aliás, com a Galp, a EDP, a EMEL e, sobretudo, as operadoras de televisão e comunicações. É um regabofe feito à barba longa perante a passividade cúmplice de certos reguladores e com prejuízo para os desgraçados dos milhões de clientes, que acabam sempre a pagar mais devido a habilidades para-legais. Se resolvessem coisas destas, com medidas de jeito, os partidos teriam mais eco junto das pessoas. Quanto à Caixa Geral de Depósitos deveria ser objeto de um pacto nacional de não privatização. E não é por ser especialmente eficaz ou bem gerida, uma vez que quase se limita a embolsar comissões brutais para sobreviver. É mais porque já se viu a desgraça que são os banqueiros portugueses. Deu-se-lhes a oportunidade e rebentaram com tudo. Uns ficaram mesmo assim com reformas das instituições vitimadas de centenas de milhares de euros. Outros aproveitaram para meter a mão na lata. Resultado: a nossa banca, agora, fala castelhano, catalão, alemão e chinês e, basicamente, procura exportar lucro. Só no Montepio é que se fala português e, para proteger o grupo, o melhor é os associados da mutualista apostarem no caminho “Valorizar” desenhado pelos quadros e os bem-intencionados que se juntaram na lista “D”. 

2. Em duas eleições legislativas, Rui Rio vai varrer do grupo parlamentar praticamente tudo o que lhe era menos afeto ou mesmo aqueles que, não lhe sendo hostis, tinham divergências pontuais. Até Cavaco nas suas maiorias geriu duas fações personificadas por Fernando Nogueira e Dias Loureiro. Claro que, agora, ainda sobraram nas listas pessoas de qualidade, com substância política e profissional, mas a média é fraquinha, o que prova que muita gente boa não está disponível para se sujeitar ao escrutínio da vida política. Rio colocou as suas tropas. Se ganhar as eleições ou continuar a ser essencial no xadrez nacional, dá jeito aquele grupo. Se o resultado for mau e ele não se aguentar, fica lá a rapaziada que rapidamente o coloca no álbum de memórias. É a vida, como diria Guterres. Mesmo assim, Rio ainda deu uns lugares a próximos de Montenegro. Mas há gente que vai fazer muita falta: Luís Marques Guedes (afinal porque saiu?), Duarte Marques e Carlos Peixoto. Quem ficou de pedra e cal foi Adão Silva, talvez o mais desastrado líder parlamentar do PSD. Será que é para ficar no posto, ou é para ir para um eventual Governo? Rio aproveitou o momento e também mandou às urtigas o moribundo CDS e o seu líder. Aí não tinha outra hipótese. Nestas legislativas, todos (salvo os Verdes) têm de se fazer à estrada sozinhos. O CDS parece um caso perdido. É o hara-kiri político! O CDS lembra uma velha loja da baixa pombalina em liquidação total, sem nada lá dentro, tirando as prateleiras. Só falta o letreiro a dizer “trespassa-se”, sabendo-se de antemão que ninguém lhe pega.

3. No PS, a circunstância de haver muitos governantes cabeças de lista, é uma estratégia corajosa, mas perigosa. Costa opta por renovar pouco na primeira linha e evita conflitualidade pública. O problema é que a imagem de um Governo desgastado, cansado e pouco competente pode lhe ser fatal. Desde logo, porque permite às oposições bater forte e feio em aspetos da governação que correram mal, e são mesmo muitos. Aparentemente, isso facilita o discurso dos candidatos mais populistas de direita e de esquerda. Evitam propostas concretas que mexam com pessoas, optando por atacar o Governo. Por outro lado, a inserção de políticos causticados e rejeitados como Medina ou a exclusão de outros como Francisco Assis mostram uma cartelização do partido pelos indefetíveis de Costa.

4. Os recentes congressos do Iniciativa Liberal e do Chega mostram dois partidos com os quais se deve contar como peças relevantes do nosso xadrez político, à direita do PSD. Os liberais (seja lá o que isso for entre nós) estão claramente em ascensão. Podem ser os beneficiários diretos da crise do CDS/PP. Já o Chega navega mais na área do descontentamento do que na da ideologia e reúne gente de todos os quadrantes. É mais abrangente, e muito mais popular, do que o IL. Apesar disso, fica-se com a sensação de que o Chega se está a desgastar ou a estagnar, porque procura mais o foguetório do que temas doutrinários e, por outro lado, não tem figuras relevantes minimamente conhecidas. É um partido tipicamente “caudilhista”. Já as tropas de Cotrim de Figueiredo reúnem alguma elite, gente jovem e dinâmica, o que faz engrossar as fileiras. Além das propostas, na política a moda também é um ativo.

5. Com Rendeiro preso na África do Sul abriu-se a novela “Extradição, Como e Quando?”, com pés de microfone nacionais à porta. O mais triste da trama é que a captura só acessoriamente ajudará a resolver o caso de alguns dos muitos espoliados que estão por ressarcir. Há uma comissão liquidatária que se arrasta há dez anos, o que para os padrões cá do burgo é menos do que nada. Afinal quem a compõe, há quanto tempo e quanto ganham os seus membros? E a propósito, o que se passa e quanto custa a congénere do BPN?

Escreve à quarta-feira

Não ao discurso político “miss mundo”


Há que falar aos eleitores de questões concretas e não de temas genéricos com os quais todos concordamos.


1. No debate político nacional referente às legislativas há temas concretos que todos os partidos deviam abordar. São matérias que não permitem apenas generalidades piedosas sobre saúde, justiça e impostos. Falar disso é falar de tudo e de nada. É uma espécie de discurso Miss Mundo, se não for acrescido de medidas concretas. Mais pragmático é, por exemplo, saber o que fazer com a TAP, com a SATA (afinal temos duas companhias nacionais), com a CP, com a Transtejo, com a Soflusa, tudo empresas que custam milhares de milhões quando deviam operar em concorrência (ou ser privatizadas) com ganhos de eficácia e diminuição de custos para os contribuintes. Em sentido inverso, é legítimo pensar na possibilidade de reverter situações como a REN, os próprios CTT ou algumas concessões rodoviárias. A propósito, diga-se que há empresas como a Brisa, monopolista da Via Verde, que modificam os contratos quando querem. O mesmo se passa, aliás, com a Galp, a EDP, a EMEL e, sobretudo, as operadoras de televisão e comunicações. É um regabofe feito à barba longa perante a passividade cúmplice de certos reguladores e com prejuízo para os desgraçados dos milhões de clientes, que acabam sempre a pagar mais devido a habilidades para-legais. Se resolvessem coisas destas, com medidas de jeito, os partidos teriam mais eco junto das pessoas. Quanto à Caixa Geral de Depósitos deveria ser objeto de um pacto nacional de não privatização. E não é por ser especialmente eficaz ou bem gerida, uma vez que quase se limita a embolsar comissões brutais para sobreviver. É mais porque já se viu a desgraça que são os banqueiros portugueses. Deu-se-lhes a oportunidade e rebentaram com tudo. Uns ficaram mesmo assim com reformas das instituições vitimadas de centenas de milhares de euros. Outros aproveitaram para meter a mão na lata. Resultado: a nossa banca, agora, fala castelhano, catalão, alemão e chinês e, basicamente, procura exportar lucro. Só no Montepio é que se fala português e, para proteger o grupo, o melhor é os associados da mutualista apostarem no caminho “Valorizar” desenhado pelos quadros e os bem-intencionados que se juntaram na lista “D”. 

2. Em duas eleições legislativas, Rui Rio vai varrer do grupo parlamentar praticamente tudo o que lhe era menos afeto ou mesmo aqueles que, não lhe sendo hostis, tinham divergências pontuais. Até Cavaco nas suas maiorias geriu duas fações personificadas por Fernando Nogueira e Dias Loureiro. Claro que, agora, ainda sobraram nas listas pessoas de qualidade, com substância política e profissional, mas a média é fraquinha, o que prova que muita gente boa não está disponível para se sujeitar ao escrutínio da vida política. Rio colocou as suas tropas. Se ganhar as eleições ou continuar a ser essencial no xadrez nacional, dá jeito aquele grupo. Se o resultado for mau e ele não se aguentar, fica lá a rapaziada que rapidamente o coloca no álbum de memórias. É a vida, como diria Guterres. Mesmo assim, Rio ainda deu uns lugares a próximos de Montenegro. Mas há gente que vai fazer muita falta: Luís Marques Guedes (afinal porque saiu?), Duarte Marques e Carlos Peixoto. Quem ficou de pedra e cal foi Adão Silva, talvez o mais desastrado líder parlamentar do PSD. Será que é para ficar no posto, ou é para ir para um eventual Governo? Rio aproveitou o momento e também mandou às urtigas o moribundo CDS e o seu líder. Aí não tinha outra hipótese. Nestas legislativas, todos (salvo os Verdes) têm de se fazer à estrada sozinhos. O CDS parece um caso perdido. É o hara-kiri político! O CDS lembra uma velha loja da baixa pombalina em liquidação total, sem nada lá dentro, tirando as prateleiras. Só falta o letreiro a dizer “trespassa-se”, sabendo-se de antemão que ninguém lhe pega.

3. No PS, a circunstância de haver muitos governantes cabeças de lista, é uma estratégia corajosa, mas perigosa. Costa opta por renovar pouco na primeira linha e evita conflitualidade pública. O problema é que a imagem de um Governo desgastado, cansado e pouco competente pode lhe ser fatal. Desde logo, porque permite às oposições bater forte e feio em aspetos da governação que correram mal, e são mesmo muitos. Aparentemente, isso facilita o discurso dos candidatos mais populistas de direita e de esquerda. Evitam propostas concretas que mexam com pessoas, optando por atacar o Governo. Por outro lado, a inserção de políticos causticados e rejeitados como Medina ou a exclusão de outros como Francisco Assis mostram uma cartelização do partido pelos indefetíveis de Costa.

4. Os recentes congressos do Iniciativa Liberal e do Chega mostram dois partidos com os quais se deve contar como peças relevantes do nosso xadrez político, à direita do PSD. Os liberais (seja lá o que isso for entre nós) estão claramente em ascensão. Podem ser os beneficiários diretos da crise do CDS/PP. Já o Chega navega mais na área do descontentamento do que na da ideologia e reúne gente de todos os quadrantes. É mais abrangente, e muito mais popular, do que o IL. Apesar disso, fica-se com a sensação de que o Chega se está a desgastar ou a estagnar, porque procura mais o foguetório do que temas doutrinários e, por outro lado, não tem figuras relevantes minimamente conhecidas. É um partido tipicamente “caudilhista”. Já as tropas de Cotrim de Figueiredo reúnem alguma elite, gente jovem e dinâmica, o que faz engrossar as fileiras. Além das propostas, na política a moda também é um ativo.

5. Com Rendeiro preso na África do Sul abriu-se a novela “Extradição, Como e Quando?”, com pés de microfone nacionais à porta. O mais triste da trama é que a captura só acessoriamente ajudará a resolver o caso de alguns dos muitos espoliados que estão por ressarcir. Há uma comissão liquidatária que se arrasta há dez anos, o que para os padrões cá do burgo é menos do que nada. Afinal quem a compõe, há quanto tempo e quanto ganham os seus membros? E a propósito, o que se passa e quanto custa a congénere do BPN?

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