“Où est Anne Frank!”. Um “pesadelo” em desenhos animados

“Où est Anne Frank!”. Um “pesadelo” em desenhos animados


Já são muitas as recriações daquela que foi a história de uma das caras mais conhecidas do Holocausto: Anne Frank. Mas como contá-la aos mais novos? Ali Folman quer trazer Anne à vida e, sem ponto de interrogação, faz a ponte com as centenas de milhares de crianças refugiadas que, tal como esta, perdem a…


Será difícil que alguém nunca tenha ouvido o seu nome. Será difícil que não nos emocionamos com a sua história e nela vejamos a de 6 milhões de judeus que foram mortos pelas mãos dos soldados nazis, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

O seu diário, encontrado pelo pai, Otto Frank, no “esconderijo secreto”, em Amesterdão, onde se manteve na clandestinidade durante dois anos juntamente com a família e alguns amigos, está traduzido em mais de 70 línguas, publicado em 60 países diferentes. Talvez pela idade prematura que, nas folhas de papel, desaparece. Pela visão “adulta”, de uma menina de 13 anos que assiste ao desmoronar do seu mundo, que interroga e procura respostas, ciente da realidade, mas ao mesmo tempo esperançosa por um futuro melhor. 

Ao longo dos anos, muitas têm sido as formas de contar a sua história. Em 1959, já George Stevens, havia transportado Anne até aos ecrãs da sétima arte, com O Diário de Anne Frank, filme inspirado nas palavras escritas no diário que deixou. Depois disso, realizadores franceses, alemães e americanos, repegaram no diário para voltar a mergulhar no seu universo. Mais recentemente, em 2019, em estilo documentário, também Sabina Fedeli e Anna Migotto o fizeram.

Como tributo ao que teria sido o seu 90.º aniversário, a atriz Helen Mirren reconta a história de Anne Frank através das páginas do seu caderno, explorando em paralelo o destino de cinco sobreviventes dos campos de concentração – vidas assoladas por circunstâncias tão semelhantes mas cujos desfechos não poderiam ser mais diferentes. Mas como é que se há de contar uma história tão dramática e dura a crianças? 

Anne em desenho animado Transformar o Diário de Anne Frank num filme de animação para o público mais jovem não deve ter sido fácil. Mas a verdade é que Ari Folman, o conseguiu. “O que importa é fazer todos os possível para preservar uma alma”, dizia o realizador no Festival de Cannes este ano, onde apresentou a produção. O também diretor do filme de Waltz with Bachir (2008), já havia adaptado a trágica história desta jovem judia falecida em 1945 no campo de extermínio Bergen-Belsen, para banda desenhada, em colaboração com o ilustrador de livros e diretor de cinema artístico israelita David Polonski. 

Agora, no cinema, parece-nos que o realizador israelita quer ir mais longe, ao centrar o enredo em Kitty, a amiga imaginária de Anne Frank a quem a jovem confidenciou por escrito enquanto se escondia com a família no “apartamento”, na Holanda. “A ideia deste título, sem interrogação mas com exclamação, é afirmar uma observação”, explicou o cineasta. “Onde está Anne Frank hoje, num mundo onde as crianças continuam a ser vítimas da guerra, como se nada tivesse mudado desde então? O ponto de exclamação é usado para expressar isso mesmo”, elucidou.

Quando foi contactado pela Anne Frank Fonds, fundação criada por Otto Frank (o único das oito pessoas escondidas no “anexo” que sobreviveu à perseguição aos judeus durante a Segunda Guerra Mundial), em janeiro de 1963, comprometida com a distribuição e exploração mundial do diário de Anne Frank, o cineasta israelita, inicialmente recusou o pedido. Este não via necessidade de adaptar o Diário de Anne Frank, convencido de que já tudo havia sido feito antes.

Contudo, não foi preciso muito tempo até que mudasse de ideia ao estabelecer dois objetivos: dirigir-se a um público jovem que não teria lido o livro e contar a história através de uma outra visão, que não Anne, de forma a “atualizar” a narração. Segundo o Folman, foi a sua mãe, uma sobrevivente do Holocausto que o convenceu a avançar. Ao saber que foi oferecida ao filho a oportunidade de adaptar o famoso Diário, a ex-deportada, hoje com 98 anos, prometeu-lhe que, caso aceitasse a proposta, ela continuaria viva para assistir à estreia. Caso contrário, afirmou, “teria de ligar para os agentes da funerária”. 

O enredo e a "missão" O objetivo de Folman, é, por isso, reconectar a história diretamente com o adolescente atual, guiando aqueles que têm 15 anos, em 2021 – idade de Anne Frank quando esta morreu – para a realidade de uma juventude perdida como foi e continua a ser a de centenas de milhares de outros que no meio de guerras, não a podem viver. O cineasta construiu então uma narrativa que mistura a ficção e a biografia, estabelecendo um paralelo entre a história de Anne e a situação atual dos migrantes na União Europeia. 

Kitty, a amiga imaginária a quem a jovem se dirigia no seu diário, misteriosamente ganha forma e corpo no século XXI, num dia de tempestade, quando no Museu de Anne-Frank, a vitrina que continha o “precioso” diário se estilhaça. É então como se a tinta se espalhasse para dar vida à testemunha silenciosa que “ouviu” as perguntas e medos de Anne, durante dois anos. Kitty vai em busca da sua amiga e família, sem saber da passagem do tempo e do triste destino da jovem. Nessa procura, cruza o caminho com uma família de refugiados, enquanto a leitura do diário a leva de volta ao passado da família Frank.

Kitty não pára de “viajar” entre o tempo da ocupação nazi, quando esta fala com Anne, e nosso presente, tempo onde procura chegar até às circunstâncias do seu assassinato nos campos. Em Amesterdão, a amiga imaginária, entra em contacto com refugiados através de um menino que acaba por conhecer.

Mas depois da sua estreia no Festival de Cannes, já têm sido algumas as críticas apontadas ao filme, precisamente por essa ligação entre o passado e o presente. Será mesmo possível traçar um paralelo entre a perseguição aos judeus durante a Segunda Guerra Mundial e o destino atual dos refugiados que fogem dos seus países onde estão em perigo, para serem depois rejeitados pelos países europeus? 

O legado de Anne Com estreia em Portugal no dia 5 de maio de 2022, este talvez seja um dos poucos filmes destinados a jovens a partir dos seis anos que conta uma das histórias mais conhecidas daquele que é considerado um dos períodos mais “negros” da própria história da Humanidade. 

Kitty fica pasmada com todos os locais onde lê o nome da amiga: nas pontes, escolas, museus, teatros etc. Anne Frank nasceu em Frankfurt, Alemanha, a 12 de junho de 1929, no seio de uma família judia que, em 1934, se viu obrigada a fugir para a Holanda.

Em 1940, as tropas nazis invadiram a Holanda e em 1942 intensificaram a perseguição aos judeus, o que forçou a família a esconder-se num anexo, com outras famílias. Anne começou a escrever o seu diário a 12 de junho de 1942, no dia em que completou 13 anos. A última passagem escrita está datada de 1 de agosto de 1944, três dias antes da Gestapo ter descoberto o esconderijo e detido todos os que lá estavam. Anne acabou por morrer em fevereiro de 1945, algumas semanas antes do campo de concentração de Bergen-Belsen, onde se encontrava, ter sido libertado pelos britânicos. 

Das oito pessoas que se encontravam no anexo, Otto, pai de Anne, foi o único que sobreviveu. O diário e outros escritos acabaram por lhe ser entregues após o fim da guerra e este resolveu organizar as folhas soltas e publicar o diário da sua filha.  

Folman questiona o que é que as nossas democracias aprenderam com o seu testemunho, acreditando que “nos esquecemos rapidamente”, podendo observá-lo na maneira como “se trata os refugiados” atualmente. Tal como referiu, Òu est Anne Frank! sem um ponto de interrogação, mas com um ponto de exclamação, porque o filme não a procura, ele quer mesmo “trazê-la de novo à vida”. 

Maus: A história de um sobrevivente do holocausto

Maus, graphic novel (tipo de banda desenhada lançada no formato de livro), publicado em duas partes, a primeira em 1986 e a segunda em 1991, conta a história de Vladek Spiegelman, judeu polaco sobrevivente de Auschwitz, narrada por si próprio ao filho, o cartoonista Art Spiegelman.

A história que Vladek conta desenrola-se no passado narrativo, que começa no meio dos anos 1930 e continua até o fim do Holocausto em 1945. Nas tiras, os judeus são desenhados como ratos e os nazis ganham feições de gatos; os polacos não-judeus são porcos e os americanos, cães. 

Este recurso às técnicas pós-modernistas como a “imagética da fábula”, ou a ausência de cor, acabou por lhe valer, segundo muitos críticos, um espírito “incisivo e perturbador”, que “evidencia a brutalidade da catástrofe do Holocausto”. O livro é considerado um clássico contemporâneo da BD.

Em 1992,  ganhou o prestigiado Prémio Pulitzer de literatura americano outorgado a pessoas que realizem trabalhos de excelência na área do jornalismo, literatura e composição musical – e, desde que foi lançado, tem sido objeto de estudos e análises de especialistas de diversas áreas – da história, à literatura, das artes à psicologia.