Foi há muitos anos que este pensamento me ocorreu pela primeira vez. Entre conversas partilhadas com um grande amigo, na Serra da Estrela, à volta de uma fogueira que, pouco a pouco, se extinguia.
Estava ela naquela fase em que as brasas vencem as chamas e chamam a si o protagonismo do momento. A luz e o calor intenso foram substituídos por um conforto mais morno e pelo poder mágico, quase hipnótico, de um laranja incandescente tão belo e extraordinário como efémero.
Falávamos então de arte, o Hélder e eu. Falávamos das minhas pretensões de poder seguir uma carreira artística e do talento que ele percecionava em mim. Coisas de amigos generosos!
Falávamos das minhas dúvidas. Duvidava eu das minhas capacidades para realizar coisas belas, capazes de se aproximarem da beleza magnífica, mas pura e simples da natureza. Disse-lhe então, a propósito das brasas, que “há cores que só existem na luz”.
Cores impossíveis de reproduzir até para o mais talentoso dos artistas. Cores que pertencem a um momento único, imaterial, de que ninguém se pode apropriar. Que só poderão ser guardadas num recanto das suas melhores memórias.
E como fazer para as reproduzir? Para as partilhar?
Tens que assumir os teus limites, com humildade. Disse-me ele. Sábio. Criar cores e formas, que só as tuas mãos possam fazer. E depois partilhá-las com os outros, confiando no seu julgamento e na sua aceitação.
Volto algumas vezes a esta conversa de tempos idos, com um amigo que também já partiu para outros mundos, para outras cores.
Voltei a ela recentemente, neste verão, durante um passeio na praia em boa companhia. Comentávamos então a cor do mar. Maravilhosa. De um azul-turquesa, ciano, indigo, ultramarino…
Todos eles em conjunto, impossíveis de separar e de dissociar. Existindo como um todo. Belo. “Cores que só existem na luz”. E que existem em momentos que serão guardados para sempre. Em nós.
Paulo Romão
Designer