O Salazarismo morreu?


Salazar marcou a vida política portuguesa muito para além do seu período, demasiado longo, de governação. O salazarismo permaneceu como um ferrete na mentalidade portuguesa.


“Politicamente só existe o que se sabe que existe. Politicamente, o que parece é.”
Salazar

A partir do dia 24 de março do próximo ano, Portugal terá vivido mais tempo em democracia do que em ditadura que, como sabemos, durou 48 anos, tornando-se a mais longa da Europa ocidental.

Salazar governou o país durante 36 anos, ou 40, se considerarmos que, na prática, quando foi nomeado ministro das Finanças, em 1928, passou a ser ele a mandar no Governo.

Seja como for, Salazar marcou a vida política portuguesa muito para além do seu período, demasiado longo, de governação. O salazarismo permaneceu como um ferrete na mentalidade portuguesa.

É verdade que esta questão não assume a relevância do franquismo na vida política espanhola, cuja transição pacífica o deixou adormecido, mas não morto.

Por cá, onde a democracia foi conquistada por via revolucionária, acreditou-se que o salazarismo teria sido enterrado com a vitória do movimento militar de 25 de abril, com a conquista da democracia, com a descolonização.

Acreditou-se que os salazaristas resistentes desapareceriam pela lei natural da vida. Que tudo se resumiria a uma página negra da nossa História, que devia ser estalada e analisada, mas que não passaria disso.

Lembram-se certamente de um concurso na RTP, em 2007, em que Salazar foi considerado o “maior português de sempre”, com 41% dos votos dos telespetadores. Vale o que vale, mas o sinal estava lá.

Pois bem. Eis que um partido recém-nascido, o Chega, ressuscita o lema salazarista “Deus, Pátria e Família”, a que acrescentou “Trabalho”, tema também caro ao ditador.

O que pretende este partido, que aspira a crescer nas próximas eleições legislativas de Janeiro próximo, colocando o seu líder com fasquia os 15% e, por via desse resultado ideal, tornar-se o terceiro partido português.

Claro que falamos de intenções, de desejos, talvez mesmo de sonhos irrealizáveis, mas o que é certo é que este partido, a exemplo do VOX, em Espanha, com o franquismo, não esconde pretender ser o continuador do legado salazarista.

O Chega sabe que pode jogar no campo da democracia. Sabe que existe uma franja de eleitorado – veremos a sua dimensão – que não se enquadra na atual conjuntura política, que é permeável às promessas de acabar com todos os vícios e todos os males que afetam a nossa democracia. E que também são sensíveis à palavra “Ordem”. 

As eleições de janeiro tornaram-se ainda mais importantes por causa desta tentação de ressurgimento dos “valores salazaristas”.

Os portugueses vão mostrar, nas urnas, se aqueles “valores” ainda fazem sentido no século XXI, se o salazarismo e seus sucedâneos são apenas História, ou se, pelo contrário, ressuscitaram com novas roupagens.

A democracia e os partidos democráticos têm aqui um papel decisivo.

Jornalista