Facto indesmentível é que para uma democracia ser saudável e de qualidade necessita de dispor de um governo com apoio maioritário cuja legitimidade seja evidente e resulte de uma escolha clara do eleitorado, mas também de uma oposição que cumpra duas funções: a de ser um contrapeso efectivo ao exercício do poder pela maioria e a de propor uma alternativa política clara ao eleitorado.
Infelizmente em Portugal, desde 2015, não dispusemos destas condições: por um lado, o governo que foi empossado em 2015 não resultou de qualquer escolha clara do eleitorado, resultou apenas do ódio que a esquerda no seu conjunto votou ao governo de centro-direita de Passos Coelho. O eleitorado de 2015, que nem sequer escolheu o PS como o partido mais votado, viu-se sujeito aos ditames e caprichos de dois partidos extremistas, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista; por seu turno, a suposta maioria emergente da engenharia política a que chamamos ‘‘geringonça’’, foi apenas um circo de enganos em que o PS prometia aos seus supostos parceiros o que sabia não poder cumprir e a seguir incumpria de forma encapotada o que publicamente dizia defender.
O resultado foram seis anos de bloqueio institucional e de estreitamento das perspectivas do país.
A oposição de centro-direita também não funcionou nada bem. Teve dois ciclos: até 2017 viveu politicamente da imputação de ilegitimidade ao Governo socialista, como se lhe fosse possível encontrar uma solução alternativa mais legítima. Substituído Passos Coelho por Rui Rio depois da catástrofe das autárquicas de 2017, o PSD, cabeça da oposição, assentou-a em dois postulados, ambos politicamente falhados: o primeiro consistiu em apresentar essa oposição como uma coisa ‘‘construtiva’’ e fiável, na qual os socialistas se poderiam apoiar para governar se porventura decidissem escolher uma via mais centrista; o segundo e mais pernicioso, consistiu em desistir de apresentar ao país uma alternativa politica consistente, apostando na ideia de que o poder não se conquista, cai-nos no colo quando o adversário o perde, o que acontecerá cedo ou tarde. É aliás uma via com grandes tradições no PSD, que sempre que desiste de apostar no risco das reformas, cai na tentação incumbente da mera alternância política.
Desta forma, o maior partido da oposição, o único que pode encabeçar uma alternativa política, deixou nas mãos dos partidos mais pequenos da direita o encargo de apresentar alternativas ao poder socialista, dando aos mais radicais, designadamente ao Chega, a oportunidade histórica de se apresentarem como a única verdadeira oposição ao socialismo vigente.
Só que os factos têm muita força e a realidade acaba por se impor: Portugal em 2021 é um país bloqueado, refém das absurdas exigências da esquerda radical, com perspectivas de futuro cada vez menos risonhas, e o eleitorado acabou por reparar. Terá sido a pandemia com os seus atinentes desastres de crise económica, colapso do tão gabado sistema nacional de saúde, tragédia do ensino público, alienação da máquina do estado e da função pública em relação às necessidades dos cidadãos, o que quiserem, mas no Verão de 2021 respirava-se um ambiente de enfartamento e cansaço em relação ao regime socialista.
Faltava a prova dos nove e essa veio com as autárquicas de 2021: os socialistas ainda foram os mais votados, mas a perda de eleitorado foi evidente e a perda da Câmara de Lisboa o símbolo acabado de um fim de ciclo prenunciado.
O centro-direita assente no PSD e no CDS e na sua capacidade conjunta de se organizarem, mostrou que podia ser uma alternativa política real, ganhou um impulso novo e fez tremer o Governo de António Costa.
Não houve, salvo os comentadores e os comendadores de esquerda, quem não tenha feito notar que o ciclo político estava a virar. Não é que a hora do centro-direita tivesse chegado, mas tal como São João Batista anunciou a Cristo, também as autárquicas anunciavam que alguma coisa de novo estava a caminho.
Nesta juntura, a esquerda radical decidiu chumbar o orçamento de estado levando o Presidente da República a anunciar a dissolução da Assembleia e novas eleições legislativas.
Tivesse a direita estado preparada, tivesse apresentado ao país ao longo de seis anos a lista das medidas reformistas a que se propõe, tivesse um programa de mudança, e estas eleições seriam o momento perfeito para dar início a um novo ciclo político.
Em vez disso, o que apresentaram-se-nos uns “políticos” cheios de táctica e de estratégias de vistas curtas, que em vez de olhar para o país e para aquilo que o país está no direito de esperar do centro-direita, decidiram olhar para as Direcções dos seus partidos, que passaram anos a minar, com um único objectivo: o de tomar o poder interno, de forma a poderem beneficiar de uma vitória eleitoral que outros construíram.
No momento em que o PSD e o CDS deveriam estar activamente a preparar a vitória eleitoral de 30 de Janeiro próximo, estão a degladiar-se internamente, a auto espancar-se em público, a mostrar porque é que não estão prontos para assumir o poder. Em suma, a fazer hara-kiri na praça pública, para gaudio dos comentadores políticos e do Dr. António Costa.
Tudo isto é triste, nada disto era fado. Tivessem Paulo Rangel ou o improvável Nuno Melo tido sentido do interesse público, algum sentido de estado ou ao menos vergonha, e teriam sido os primeiros, disciplinadamente, a pôr-se ao serviço dos seus partidos e da possibilidade de vitória; Em vez disso enfileiraram no grupo daqueles que voluntaria ou estupidamente ajudam António Costa a manter-se num governo cujo único objectivo é manter-se como governo.
Pode haver milagres, mas estou convencido que ganhe ou perca as eleições internas, Paulo Rangel já perdeu, nunca será um estadista: ou ficará como uma nota de rodapé de má memória na biografia de Rui Rio, ou disputará e perderá para António Costa as legislativas. Quanto a Nuno Melo continuará um indiferente deputado europeu enquanto o partido que se empenhou em destruir lhe garantir o lugar.
Sem ser adivinho, há outra coisa de que estou certo: se António Costa ganhar as próximas legislativas sem maioria absoluta, o Governo que daí saia não vai durar muito mais. É um Governo a prazo.
Seria então inaceitável que o centro-direita que saia dessas legislativas não aproveite o ano ou dois anos seguintes para se preparar e apresentar ao país, o que agora declinou fazer, uma verdadeira alternativa reformista.
Como diz o outro, a esperança é a última a morrer…
Advogado, subscritor do Manifesto por uma Democracia de Qualidade