‘Rolls-Royce’ das leis anticorrupção


As empresas portuguesas demonstram um nível ‘alarmantemente baixo’ de conhecimento e de interesse sobre o combate à corrupção


Em 2017, a Rolls-Royce Holdings plc celebrou um acordo de ação judicial diferida com o Serious Fraud Office (SFO) do Reino Unido, assumindo o pagamento de mais de 500 milhões de libras esterlinas por conta duma acusação de subornos e corrupção em contratos internacionais. Este símbolo do rigor britânico não saiu impune ao UK Bribery Act – a lei em vigor no Reino Unido desde 1 de julho de 2011 sobre práticas de corrupção envolvendo agentes públicos ou privados no comércio internacional.

Nos seus dez anos de vigência, o UK Bribery Act tem sido apontado como o regime mais completo e desenvolvido do mundo em matéria de anticorrupção internacional. Não será decerto uma panaceia, mas encontra-se seguramente uns passos à frente.

Tudo começou em 1977, nos Estados Unidos da América (EUA), com o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), a primeira lei do mundo a criminalizar a conduta de subornar ou corromper agentes públicos estrangeiros. Surgiu na sequência da investigação do caso ‘Watergate’ envolvendo o então presidente Richard Nixon, mediante a qual o Securities and Exchange Commission (SEC) e o senador Frank Church desvendaram um esquema de ‘sacos azuis’ em diversas empresas norte-americanas, que serviam para financiar partidos políticos e subornos em negócios internacionais. Em 1997, vinte anos depois, foi assinada a convenção da OCDE sobre o combate da corrupção de agentes públicos estrangeiros em transações comerciais internacionais. Uma iniciativa vista por muitos como uma forma dos EUA exportarem o FCPA, para garantir que outros países desenvolvidos não tivessem uma vantagem competitiva no comércio internacional. Na realidade, a transposição dessa convenção tem sido feita a várias velocidades, mas poucos têm sido os países que replicaram o modelo norte-americano.

Em 2006, o SFO do Reino Unido sofreu um duro revés no âmbito duma investigação falhada sobre um caso de corrupção internacional envolvendo a BAE Systems, um gigante do setor aeroespacial vocacionado para o setor da defesa, e o governo da Arábia Saudita. Este caso despoletou uma revisão profunda do regime legal em vigor, culminando em 2011 com o novo UK Bribery Act.

Mas o que é que torna o UK Bribery Act tão diferente dos demais? Primeiro abrange a corrupção tanto de agentes públicos como de privados, aumentando o espectro de atuação. Por outro lado, este regime legal introduziu pela primeira vez a responsabilidade corporativa na prevenção da corrupção e de subornos em contexto internacional, obrigando as empresas a implementar planos de cumprimento, ou de ‘compliance’ na nomenclatura original, em relação a riscos de corrupção e de suborno, o intitulado ‘ABC – anti-bribery and corruption’. Esta sido a característica mais distintiva do UK Bribery Act. Os planos de ‘compliance ABC’ têm ido muito mais para além duma mera lista genérica de medidas adotadas pelas empresas. Tem de facto implicado uma avaliação prática do risco em áreas de negócio particularmente expostas a corrupção, como sejam indústrias extrativas e construção civil, obrigando as empresas a rever os seus parceiros e acordos comerciais além-fronteiras.

A última avaliação a Portugal, efetuada em 2013 pelo grupo de trabalho da OCDE relativo à convenção sobre o combate da corrupção (que é de facto menos exigente que o UK Bribery Act), concluiu que o nosso regime legal ainda oferece demasiadas lacunas, referindo que as empresas portuguesas demonstram um nível ‘alarmantemente baixo’ de conhecimento e de interesse sobre o combate à corrupção internacional. Em suma, até agora temos ido devagar nesta matéria, tendo optado por conduzir um carro citadino barato, já que os ‘Rolls-Royce’ são definitivamente coisa para os ‘ricos’.                           

‘Rolls-Royce’ das leis anticorrupção


As empresas portuguesas demonstram um nível ‘alarmantemente baixo’ de conhecimento e de interesse sobre o combate à corrupção


Em 2017, a Rolls-Royce Holdings plc celebrou um acordo de ação judicial diferida com o Serious Fraud Office (SFO) do Reino Unido, assumindo o pagamento de mais de 500 milhões de libras esterlinas por conta duma acusação de subornos e corrupção em contratos internacionais. Este símbolo do rigor britânico não saiu impune ao UK Bribery Act – a lei em vigor no Reino Unido desde 1 de julho de 2011 sobre práticas de corrupção envolvendo agentes públicos ou privados no comércio internacional.

Nos seus dez anos de vigência, o UK Bribery Act tem sido apontado como o regime mais completo e desenvolvido do mundo em matéria de anticorrupção internacional. Não será decerto uma panaceia, mas encontra-se seguramente uns passos à frente.

Tudo começou em 1977, nos Estados Unidos da América (EUA), com o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), a primeira lei do mundo a criminalizar a conduta de subornar ou corromper agentes públicos estrangeiros. Surgiu na sequência da investigação do caso ‘Watergate’ envolvendo o então presidente Richard Nixon, mediante a qual o Securities and Exchange Commission (SEC) e o senador Frank Church desvendaram um esquema de ‘sacos azuis’ em diversas empresas norte-americanas, que serviam para financiar partidos políticos e subornos em negócios internacionais. Em 1997, vinte anos depois, foi assinada a convenção da OCDE sobre o combate da corrupção de agentes públicos estrangeiros em transações comerciais internacionais. Uma iniciativa vista por muitos como uma forma dos EUA exportarem o FCPA, para garantir que outros países desenvolvidos não tivessem uma vantagem competitiva no comércio internacional. Na realidade, a transposição dessa convenção tem sido feita a várias velocidades, mas poucos têm sido os países que replicaram o modelo norte-americano.

Em 2006, o SFO do Reino Unido sofreu um duro revés no âmbito duma investigação falhada sobre um caso de corrupção internacional envolvendo a BAE Systems, um gigante do setor aeroespacial vocacionado para o setor da defesa, e o governo da Arábia Saudita. Este caso despoletou uma revisão profunda do regime legal em vigor, culminando em 2011 com o novo UK Bribery Act.

Mas o que é que torna o UK Bribery Act tão diferente dos demais? Primeiro abrange a corrupção tanto de agentes públicos como de privados, aumentando o espectro de atuação. Por outro lado, este regime legal introduziu pela primeira vez a responsabilidade corporativa na prevenção da corrupção e de subornos em contexto internacional, obrigando as empresas a implementar planos de cumprimento, ou de ‘compliance’ na nomenclatura original, em relação a riscos de corrupção e de suborno, o intitulado ‘ABC – anti-bribery and corruption’. Esta sido a característica mais distintiva do UK Bribery Act. Os planos de ‘compliance ABC’ têm ido muito mais para além duma mera lista genérica de medidas adotadas pelas empresas. Tem de facto implicado uma avaliação prática do risco em áreas de negócio particularmente expostas a corrupção, como sejam indústrias extrativas e construção civil, obrigando as empresas a rever os seus parceiros e acordos comerciais além-fronteiras.

A última avaliação a Portugal, efetuada em 2013 pelo grupo de trabalho da OCDE relativo à convenção sobre o combate da corrupção (que é de facto menos exigente que o UK Bribery Act), concluiu que o nosso regime legal ainda oferece demasiadas lacunas, referindo que as empresas portuguesas demonstram um nível ‘alarmantemente baixo’ de conhecimento e de interesse sobre o combate à corrupção internacional. Em suma, até agora temos ido devagar nesta matéria, tendo optado por conduzir um carro citadino barato, já que os ‘Rolls-Royce’ são definitivamente coisa para os ‘ricos’.