Há quem o tenha na sua “bucket list” ou não fosse ele um dos espetáculos visualmente mais bonitos do mundo. Desde 1984 que o Cirque du Soleil tem deslumbrado os olhares dos espetadores em todos os recantos do mundo, mostrando-se uma maneira de unir através da arte, e uma diferente forma de ver o circo. O grupo que começou com 20 artistas de rua e que mais tarde se transformou na “casa” de 4 mil trabalhadores foi à falência no ano passado, gerando preocupação dentro dos amantes deste espetáculo grandioso. Contudo, esse não foi o seu fim. Recentemente, o presidente da maior produtora de artes cénicas do mundo, Daniel Lamarre, garantiu que a empresa está saudável após a crise que a obrigou a um “intervalo” e espera voltar a erguer a sua barraca novamente.
O declínio temporário da empresa Em março de 2020, apesar de todas as incertezas e tensões que a pandemia da covid-19 fazia nascer, uma coisa já nos parecia evidente: o planeta estava a parar. A onda crescente de casos, as restrições que iam sendo impostas e a dificuldade de gerir os alicerces, fizeram com que muitas empresas das mais variadas áreas tivessem de fechar portas e o setor da cultura, foi um dos que mais sofreu as consequências. Mas seria fácil de julgar que um evento com tanta procura, sucesso e história, como é o Cirque du Soleil, conseguisse resistir. Contudo, quem o fez, não estava assim tão certo.
A verdade é que até Daniel Lamarre se viu obrigado a dar aquela que pode ter sido a ordem mais difícil da sua vida: o “fim” do projeto do qual é presidente e CEO, há mais de duas décadas e que viu nascer nas ruas de Baie-Saint-Paul.
O primeiro sinal de que as coisas “cambaleavam”, prendeu-se com a redução das faturação e o despedimento de alguns artistas: de faturar milhões de euros todos os dias, a empresa passou a ter de reembolsar milhões pela venda antecipada de ingressos, para além de ter tido de demitir 95% dos seus quatro mil trabalhadores. Até aqui, talvez o mundo não pudesse adivinhar o que ocorreria a seguir… Três meses depois, a empresa que, pela sua dimensão, parecia estar bem preparada financeiramente para enfrentar a paralisação da pandemia, declarou falência e uma dívida de cerca de um milhão de euros.
No meio de uma tempestade de especulações, parecia difícil entender como é que uma empresa cujo o crescimento foi estudado como uma história de sucesso caiu no “abismo” em apenas três meses. Na segunda-feira, 29 de junho de 2020, o Cirque du Soleil anunciou que entrou com um pedido de insolvência, causado pela “enorme interrupção e encerramento forçado de exibições como resultado da pandemia COVID-19”, afirmando ter como objetivo o reestruturar da dívida que possuía junto do Governo canadiano e de empresas de private equity. O pedido de insolvência aconteceu na sequência da empresa ter suspendido a produção dos espetáculos nos três meses anteriores, que decorreriam em Las Vegas, nos Estados Unidos, e outros dez pelo mundo. No que toca à dívida, segundo a CNN, esta seria de cerca de um mil milhão de dólares, o equivalente a 890 milhões de euros, o que terá levado ao despedimento de cerca de 3.480 funcionários da empresa, que desde março já estavam em suspensão do contrato.
A salvação A mega empresa canadiana de entretenimento procurou então obter proteção judicial dos seus credores no Canadá e nos Estados Unidos a fim de se recapitalizar e, assim, evitar esse cenário. E em novembro esta já declarava a concretização da venda aos seus credores, saindo assim do processo de recuperação judicial em que se encontrava e garantindo que essa recapitalização proporcionaria ao circo “uma base sólida para um relançamento bem-sucedido”. Como parte dessa transação, também foram anunciadas as nomeações de Jim Murren e Gabriel de Alba como co-presidentes do Circo del Sol e a continuação de Daniel Lamarre nos seus cargos. “Foram semanas difíceis e o futuro parecia sombrio, sim. Mas eu rejeitei a ideia do fim, desde o início. O meu papel era, precisamente, fazer com que isso não acontecesse”, lembrou o gerente em entrevista ao El País, na passada segunda-feira.
Lamarre, de 68 anos, nascido no Quebec, tal como o próprio Cirque du Soleil, viajou até Espanha para apoiar a campanha promocional que a empresa lançou nos últimos meses onde anunciou o seu retorno às salas de todo o mundo. Apesar de o regresso à Europa estar previsto apenas para novembro de 2022, o espetáculo já viajou até Las Vegas, depois até à Riviera Maya, no México; estreou a turnê Alegría em Orlando e em janeiro do ano que vem vai apresentar Luzia no Royal Albert Hall de Londres. Ou seja, ao que parece, as tabelas parecem inverter-se novamente, cumprindo aquilo que a empresa prometeu no momento de afundamento: do sucesso à falência em três meses, e da falência novamente ao sucesso em menos de um ano.
Além disso, Lamarre garante que a imagem da marca não foi prejudicada pela crise. “O que vivenciamos nos círculos financeiros não foi repassado aos telespetadores. Prova disso é a grande receção que estão a ter todos os espetáculos que retomámos. Contribuiu para isso o facto de, durante todo o tempo em que ficamos desempregados, não pararmos de manter o contacto com o público na nossa plataforma virtual Cirque Connect”, elucidou o gerente, acrescentando que os vídeos disponíveis foram vistos por 70 milhões de pessoas. O presidente e CEO da empresa, revelou ainda que o Cirque du Soleil possui agora “novos investidores que injetaram 375 milhões de dólares, o equivalente a 333 milhões de euros”, que garantem “estabilidade financeira suficiente para enfrentar os desafios que temos pela frente”.
O nascimento do circo mais conhecido do mundo Recuemos até ao início dos anos 1980, onde um grupo de artistas fundado por Gilles Ste-Croix, Guy Laliberté e Daniel Gauthier, trouxe os seus talentos para as ruas de Baie-Saint-Paul, uma charmosa vila às margens do rio St. Laurent, perto da cidade de Quebec. Conhecido pelo público como Les Échassiers de Baie-Saint-Paul, em português os caminhantes de pernas de pau de Baie-Saint-Paul, o grupo formava já o núcleo daquilo que mais tarde se tornaria o Cirque du Soleil. Mas os seus primeiros fãs (moradores locais) e mesmo os próprios artistas que, na altura, integravam a equipa, não sabiam que esses seriam os começos que levariam a algo mágico, emocionante e revolucionário em uma escala global.
Depois de anos onde os artistas “afinaram” a arte, Laliberté decidiu que o espetáculo já estava pronto para ser apresentado ao público fora da sua cidade natal. Em 1984, para marcar o 450.º aniversário da descoberta do Canadá por Jacque Cartier, Laliberté decidiu fazer uma tour pela província, mostrando às pessoas um vislumbre do futuro das artes circenses e refletindo sobre a história da sua nação. As pessoas ficaram então a conhecer outro tipo de forma de se fazer circo: livre de animais, atraente, dramático, bonito e atencioso. Nasceu assim, um grupo formado por apenas 20 artistas de rua, que se tornou possível a partir de uma concessão pública de 900 mil dólares, o equivalente a 799,10 mil euros, que mais tarde se viria a tornar uma potência, sediada no Québec, composta por quatro mil artistas, escolhidos de acordo com a sua história e experiência. Cantin fazia uma escolha minuciosa e procurava encontrar artistas com diversidade cultural e de competência.
Atualmente a empresa é a maior companhia circense do mundo, com mais de 30 espetáculos que viajam pelo globo. Notórios especialmente pela sua fusão de acrobacias, teatro e música, o circo puxa ideias de diversas fontes, não apenas de um grupo criativo, como de músicos, atores e artistas diversificados.
Agora, Lamarre confia não só que a crise não passou de um breve pesadelo, mas também que o Cirque du Soleil, não parará de se expandir, retomando o caminho de crescimento que percorreu ao longo das últimas décadas: “Tivemos muitos imitadores durante todos estes anos, mas nenhum se igualou ao que fazemos. Isso porque tentamos sempre reinventarmo-nos e nunca parar de surpreender o público. Investimos em P&D, novas tecnologias, efeitos visuais e cenografia moderna”, revelou o gerente.