De ignorados a seres sencientes. Polvos, lagostas e caranguejos sentem dor

De ignorados a seres sencientes. Polvos, lagostas e caranguejos sentem dor


Estes animais não eram vistos como seres capazes de sentir por serem invertebrados, embora o seu sistema nervoso seja complexo. Cientistas ingleses pedem o fim de práticas comerciais e culinárias dolorosas.


O Reino Unido incluiu oficialmente os crustáceos decápodes (caranguejos, lagostas e lagostins) e os moluscos cefalópodes (polvos, lulas e chocos) no grupo de seres sencientes, isto é, seres vivos capazes de terem emoções, como dor e angústia. A medida surge no âmbito de um projeto-lei do bem-estar animal (senciência), depois de 50 instituições se terem juntado em maio desde ano para que o governo britânico redefinisse os cuidados a ter com os animais, com um relatório intitulado “Action For Animals” (Ação para os Animais). Apelavam ao Governo para que considerasse todos os animais como seres sencientes, com um Comité de Senciência Animal (a ser composto por especialistas em animais ) para responsabilizar os ministros por violações do bem-estar animal, o que acontecerá quando o projeto se tornar lei. 

O alargamento o projeto-lei surge após uma revisão independente realizada por uma equipa liderada por Jonathan Birch, professor associado no Departamento de Filosofia, Lógica e Método Científico da London School of Economics, que, depois de ter revisto mais de 300 estudos, encontrou “fortes provas científicas de que os crustáceos decápodes e moluscos cefalópodes são sencientes”. 

Os animais vertebrados, ou seja, com espinha dorsal, já estavam incluídos no projeto de lei, mas os animais invertebrados não eram reconhecidos como sencientes, embora o seu sistema nervoso seja complexo – uma das principais marcas do sentimento.

“A alteração também ajudará a remover uma inconsistência importante: os polvos e outros cefalópodes têm sido protegidos na ciência há anos, mas não receberam qualquer proteção fora da ciência até agora. Uma maneira de o Reino Unido poder liderar em matéria de bem-estar animal é protegendo estes animais invertebrados que os seres humanos têm frequentemente ignorado completamente”, disse Birch, em comunicado. 

Para que tal aconteça, a equipa de cientistas gostaria que fosse revisto o tratamento das práticas comerciais destes animais e recomenda o fim da “decapagem, corte, ablação ocular, venda de crustáceos decápodes vivos a manipuladores sem formação e não experientes”, assim como “fervura ao vivo sem atordoamento”. É também sugerido melhores práticas para o “transporte, atordoamento e abate”.

Contudo, a mudança não afetará nenhuma legislação atual ou até as práticas da indústria. Isto significa que será ainda legal nos restaurantes britânicos pôr, por exemplo, uma lagosta viva ou um polvo vivo dentro de uma panela a ferver, o que é proibido em países como a Suíça, a Noruega, a Áustria e a Nova Zelândia. Nos Estados Unidos da América, cozer uma lagosta viva é ilegal desde 1999, mas o mesmo já não acontece com os polvos, seres extremamente inteligentes, como uma série de documentários puseram na ordem do dia.

*Texto editado por Marta F. Reis