Será que o uso de antidepressivos reduz o risco de morte por covid-19?

Será que o uso de antidepressivos reduz o risco de morte por covid-19?


Ainda que haja evidências de que a toma de SSRIs reduz a gravidade dos sintomas e a mortalidade por/da covid-19, o psiquiatra Henrique Prata Ribeiro explica que estas correspondem apenas ao “abrir de uma possibilidade”.


Um novo artigo científico publicado há seis dias no JAMA (The Journal of the American Medical Association) indica que existem evidências de que a toma de inibidores seletivos de recaptação de serotonina (SSRI) pode reduzir a gravidade dos sintomas da covid-19 e a mortalidade após a infeção por SARS-COV-2.

Segundo o estudo “Mortality Risk Among Patients With COVID-19 Prescribed Selective Serotonin Reuptake Inhibitor Antidepressants”, foram analisados os registos eletrónicos de saúde de 83.584 pessoas com diagnóstico de covid-19, incluindo 3.401 pacientes às quais foram prescritos SSRIs, sendo que se descobriu que um risco relativo reduzido de mortalidade estaria associado a este uso – especificamente, naquilo que diz respeito à fluoxetina (Prozac) – em comparação com aquele que correm os doentes que não seguem esta terapêutica.

Assim, entendeu-se que aqueles que tomavam fluoxetina ou fluvoxamina (Dumirox) teriam 26% menos probabilidade de morrer quando infetados. Contudo, os investigadores não escondem que são necessários ensaios clínicos de fase 3 para apurar se estas observações podem ser replicadas em grande escala.

Os autores do estudo, associados à Universidade da Califórnia e à Escola de Medicina da Universidade de Stanford, mencionaram igualmente que, nos EUA, 13,2% dos adultos tomam SSRIs e não somente aqueles que foram anteriormente mencionados, mas também escitalopram (Cipralex), paroxetina (Seroxat) e sertralina (Zoloft).

Este estudo vai ao encontro das conclusões desenvolvidas em três ensaios clínicos que foram levados a cabo por investigadores de diversas instituições de ensino, como a Universidade de McMaster, no Canadá, que, no passado dia 27 de outubro, publicaram na The Lancet o artigo “Effect of early treatment with fluvoxamine on risk of emergency care and hospitalisation among patients with covid-19: the TOGETHER randomised, platform clinical trial”, pois no sumário deste é possível ler que “evidências recentes indicam um papel terapêutico potencial da fluvoxamina na covid-19”. Sabe-se que 741 participantes receberam 100 mg de fluvoxamina duas vezes ao dia durante dez dias e 756 participantes um placebo, tendo sido observados durante 28 dias após o tratamento. Entre os 741 participantes que receberam fluvoxamina, 79 (10,6%) necessitaram de uma permanência prolongada por mais de seis horas num serviço de urgência ou hospitalização, opondo-se aos 119 dos 756 participantes (15,7%) que receberam o placebo. Percecionou-se, deste modo, que os os resultados demonstraram “uma redução absoluta” do risco de internamento prolongado ou cuidados de urgência prolongados de 5% com e uma redução de risco relativo de 32%.

A base desta investigação asse–nta na ideia de que o uso de antidepressivos pode estar associado a níveis reduzidos de várias citocinas – proteínas de baixo peso molecular que são extremamente potentes e podem inibir (anti-inflamatórias; impedem uma reação exacerbada) ou ativar (pró-inflamatórias: promovem o processo inflamatório) determinados processos na resposta inflamatória do organismo –, pró-inflamatórias sugeridas como estando envolvidas no desenvolvimento de covid-19 com contornos graves. 

“Estes resultados têm de ser lidos com alguma cautela” Um dos pontos-chave realçados pelo estudo mais recente é o facto de, ainda que “estes resultados apoiem a evidência de que os SSRIs podem estar associados à redução da gravidade da covid-19, refletida na redução do risco de mortalidade”, termos de ter em atenção que “mais investigação e ensaios clínicos serão necessários para entender o efeito dos SSRIs em geral ou, mais especificamente, fluoxetina e da fluvoxamina, na gravidade dos efeitos da covid-19”.

E é exatamente esta a perspetiva do psiquiatra Henrique Prata Ribeiro que, em declarações ao i, depois de ter lido o estudo veiculado no JAMA, explica que “estes estudos analisam grandes números, colocam variáveis e veem o que produz significância estatística. E entendem que parece haver esta correlação. Mas isto não quer dizer que exista causalidade”, na medida em que “para se inferir isto, tem de se ter muito mais trabalho. Esta é uma primeira informação de que os SSRIs poderão ter este potencial de alguma forma baixar a mortalidade. É o abrir de uma possibilidade”, aponta o profissional de saúde que, numa entrevista à revista Luz, em outubro, salientou que o medicamento que prescreve mais é “sem dúvida a sertralina, que apesar de ter o rótulo de antidepressivo, é muito usado para combater não só a depressão, mas também a ansiedade ou a perturbação obsessivo-compulsiva”, tendo esclarecido, à época, que “é um SSRI, ou seja, um inibidor seletivo de recaptação de serotonina, que já agora, é como devemos olhar os medicamentos nesta área – pelo mecanismo de ação e não pelo rótulo de antidepressivo/antipsicótico/ansiolítico”. 

Apesar de aceitar que o número de utentes estudados é “considerável”, o psiquiatra que exerce funções no Hospital Beatriz Ângelo salienta que “não é só a questão da amostra, mas sim do desenho do estudo”, pois “tem de ser feito de forma a inferir causalidade e depois ir procurar mecanismos neurobiológicos”.

“O Prozac é muito mais usado. Tem vários efeitos secundários que usamos a favor de algumas pessoas, mas que pode ser prescrito para a depressão, combater a ansiedade, para a perturbação obsessivo-compulsiva e também para a doença bipolar – associada à Olanzapina –, mas a sua utilização não é linear”, explicita, adiantando que “o Dumirox é mais usado para controlar ideias obsessivas”. Por isto mesmo, Henrique Prata Ribeiro, autor da obra Urgências Psiquiátricas, lançada em 2018, deixa o alerta para que a população não tenha a crença de que a eficácia destes antidepressivos no combate ao novo coronavírus está assegurada: “como em qualquer circunstâncias nas quais procuramos uma solução científica, estes resultados têm de ser lidos com alguma cautela a não ser que haja um nível de evidência que nos diga que o caminho é por ali”.