Um novo artigo científico publicado há seis dias no JAMA (The Journal of the American Medical Association) indica que existem evidências de que a toma de inibidores seletivos de recaptação de serotonina (SSRI) pode reduzir a gravidade dos sintomas da covid-19 e a mortalidade após a infeção por SARS-COV-2.
Segundo o estudo “Mortality Risk Among Patients With COVID-19 Prescribed Selective Serotonin Reuptake Inhibitor Antidepressants”, foram analisados os registos eletrónicos de saúde de 83.584 pessoas com diagnóstico de covid-19, incluindo 3.401 pacientes às quais foram prescritos SSRIs, sendo que se descobriu que um risco relativo reduzido de mortalidade estaria associado a este uso – especificamente, naquilo que diz respeito à fluoxetina (Prozac) – em comparação com aquele que correm os doentes que não seguem esta terapêutica.
Assim, entendeu-se que aqueles que tomavam fluoxetina ou fluvoxamina (Dumirox) teriam 26% menos probabilidade de morrer quando infetados. Contudo, os investigadores não escondem que são necessários ensaios clínicos de fase 3 para apurar se estas observações podem ser replicadas em grande escala.
Os autores do estudo, associados à Universidade da Califórnia e à Escola de Medicina da Universidade de Stanford, mencionaram igualmente que, nos EUA, 13,2% dos adultos tomam SSRIs e não somente aqueles que foram anteriormente mencionados, mas também escitalopram (Cipralex), paroxetina (Seroxat) e sertralina (Zoloft).
Este estudo vai ao encontro das conclusões desenvolvidas em três ensaios clínicos que foram levados a cabo por investigadores de diversas instituições de ensino, como a Universidade de McMaster, no Canadá, que, no passado dia 27 de outubro, publicaram na The Lancet o artigo “Effect of early treatment with fluvoxamine on risk of emergency care and hospitalisation among patients with covid-19: the TOGETHER randomised, platform clinical trial”, pois no sumário deste é possível ler que “evidências recentes indicam um papel terapêutico potencial da fluvoxamina na covid-19”. Sabe-se que 741 participantes receberam 100 mg de fluvoxamina duas vezes ao dia durante dez dias e 756 participantes um placebo, tendo sido observados durante 28 dias após o tratamento. Entre os 741 participantes que receberam fluvoxamina, 79 (10,6%) necessitaram de uma permanência prolongada por mais de seis horas num serviço de urgência ou hospitalização, opondo-se aos 119 dos 756 participantes (15,7%) que receberam o placebo. Percecionou-se, deste modo, que os os resultados demonstraram “uma redução absoluta” do risco de internamento prolongado ou cuidados de urgência prolongados de 5% com e uma redução de risco relativo de 32%.
A base desta investigação asse–nta na ideia de que o uso de antidepressivos pode estar associado a níveis reduzidos de várias citocinas – proteínas de baixo peso molecular que são extremamente potentes e podem inibir (anti-inflamatórias; impedem uma reação exacerbada) ou ativar (pró-inflamatórias: promovem o processo inflamatório) determinados processos na resposta inflamatória do organismo –, pró-inflamatórias sugeridas como estando envolvidas no desenvolvimento de covid-19 com contornos graves.
“Estes resultados têm de ser lidos com alguma cautela” Um dos pontos-chave realçados pelo estudo mais recente é o facto de, ainda que “estes resultados apoiem a evidência de que os SSRIs podem estar associados à redução da gravidade da covid-19, refletida na redução do risco de mortalidade”, termos de ter em atenção que “mais investigação e ensaios clínicos serão necessários para entender o efeito dos SSRIs em geral ou, mais especificamente, fluoxetina e da fluvoxamina, na gravidade dos efeitos da covid-19”.
E é exatamente esta a perspetiva do psiquiatra Henrique Prata Ribeiro que, em declarações ao i, depois de ter lido o estudo veiculado no JAMA, explica que “estes estudos analisam grandes números, colocam variáveis e veem o que produz significância estatística. E entendem que parece haver esta correlação. Mas isto não quer dizer que exista causalidade”, na medida em que “para se inferir isto, tem de se ter muito mais trabalho. Esta é uma primeira informação de que os SSRIs poderão ter este potencial de alguma forma baixar a mortalidade. É o abrir de uma possibilidade”, aponta o profissional de saúde que, numa entrevista à revista Luz, em outubro, salientou que o medicamento que prescreve mais é “sem dúvida a sertralina, que apesar de ter o rótulo de antidepressivo, é muito usado para combater não só a depressão, mas também a ansiedade ou a perturbação obsessivo-compulsiva”, tendo esclarecido, à época, que “é um SSRI, ou seja, um inibidor seletivo de recaptação de serotonina, que já agora, é como devemos olhar os medicamentos nesta área – pelo mecanismo de ação e não pelo rótulo de antidepressivo/antipsicótico/ansiolítico”.
Apesar de aceitar que o número de utentes estudados é “considerável”, o psiquiatra que exerce funções no Hospital Beatriz Ângelo salienta que “não é só a questão da amostra, mas sim do desenho do estudo”, pois “tem de ser feito de forma a inferir causalidade e depois ir procurar mecanismos neurobiológicos”.
“O Prozac é muito mais usado. Tem vários efeitos secundários que usamos a favor de algumas pessoas, mas que pode ser prescrito para a depressão, combater a ansiedade, para a perturbação obsessivo-compulsiva e também para a doença bipolar – associada à Olanzapina –, mas a sua utilização não é linear”, explicita, adiantando que “o Dumirox é mais usado para controlar ideias obsessivas”. Por isto mesmo, Henrique Prata Ribeiro, autor da obra Urgências Psiquiátricas, lançada em 2018, deixa o alerta para que a população não tenha a crença de que a eficácia destes antidepressivos no combate ao novo coronavírus está assegurada: “como em qualquer circunstâncias nas quais procuramos uma solução científica, estes resultados têm de ser lidos com alguma cautela a não ser que haja um nível de evidência que nos diga que o caminho é por ali”.