Abhijit V. Banerjee e Esther Duflo. Não esquecer os últimos

Abhijit V. Banerjee e Esther Duflo. Não esquecer os últimos


Apesar da ilusão de que com a globalização nos passámos a conhecer todos muito bem, – todos, de todos os continentes e lugares -, a verdade é que não apenas a rede não chega a demasiados locais do planeta, como, ademais, mesmo os que nos julgamos privilegiados no acesso à informação e ao conhecimento, nos…


Se pensarmos numa questão, como a da pobreza, muito presente, em definitivo, nas nossas sociedades e estudarmos o que sucede, a este propósito, em paragens de matriz cultural diversa da nossa, (também) aí, estou em crer, não deixaremos de ficar surpreendidos. Neste sentido, a partir da obra de Abhijit V. Banerjee e Esther Duflo, A economia dos pobres (Actual, 2012), queria, aqui, destacar dois casos que julgo bastante ilustrativos, no contexto do que pode ser o nosso desconhecimento de outras realidades, de outras causas e motivações, para problemas de que padecemos. Pensemos, pois, na pobreza fora dos cânones ocidentais.

Concentremo-nos em uma aldeia indiana, Naganadgi, na província de Karnataka e tentemos perceber o modo como muitos pais (rurais) veem a educação dos seus filhos. Aceitemos que entendem, sobretudo, a educação, como um modo de os seus educandos adquirirem uma considerável riqueza. Mas avancemos um pouco. Constatemos que, para muitos pais, a correlação entre um salário e a escolaridade se faz de forma drástica, pelo que os ganhos que prevêem para uma formação com o nível de ensino Secundário, p.ex., é sobrevalorizada, e aqueles obtidos com uma formação com o ensino primário e básico subvalorizados, face ao que as estatísticas mostram ser a real compensação, ao nível dos rendimentos auferidos, por quem possui tais (diferentes) habilitações. Registemos que em Madagáscar, ou em Marrocos, pais pensam de forma semelhante a estes pais de uma aldeia indiana. Ora, com tais ideias pré-concebidas, “uma crença na forma em S”, o que sucede é que para muitos progenitores “faz sentido colocar todos os ovos educativos no cesto do filho que acharem ser mais promissor, certificando-se de que recebe a educação suficiente, em vez de espalhar o investimento de igual modo por todos os filhos”. 

Portanto, primeira ideia aqui a sublinhar, quanto ao que sucede ao nível educativo, e que funciona como “ratoeira da pobreza”, em vários pontos do globo, não ocidental: os pais, em muitos locais, tendem, desde tenra idade, a selecionar o filho – que, por diferentes causas/experiências, consideram “inteligente” – para ir à escola e ter uma formação extensa de modo a compensar (em ganho acrescido, o que se perde, nomeadamente, pelo não desempenho de um dado trabalho, de modo mais precoce).

Segunda ideia: sociedade com castas (atentem na importância de uma mundividência). Nomes de pessoas que incluem o nome da(s) casta(s). Num estudo, propõe-se a um conjunto de professores que avaliem exames em que certos testes surgem com o nome do aluno – e respectiva casta – e outros em que há anonimato quanto ao aluno em causa. Resultado: verificou-se “que, em média, os professores davam notas significativamente mais baixas aos alunos das castas mais baixas, quando conseguiam saber a sua casta do que quando não sabiam. Os professores das castas mais baixas tinham na realidade maior probabilidade de dar piores notas aos alunos das castas mais baixas. Deviam estar convencidos de que estas crianças não podiam ser bons alunos”. Juntando estas duas ideias, compreenderemos que “a combinação das elevadas expectativas e da pouca fé pode ser bastante letal. Como vimos, a crença na curva em S leva as pessoas a desistir. Se os professores e os pais não acreditarem que a criança consegue atravessar o alto e chegar à parte íngreme da curva em S, poderão nem sequer tentar: o professor ignora as crianças que ficaram para trás e os pais deixam de ter interesse na sua educação. Mas este comportamento cria uma armadilha de pobreza, mesmo onde ela antes não existia”.

Ensinaram-nos os clássicos que ‘há mais coisas entre o Céu e Terra do que a nossa vã sabedoria pensa’. Não é a globalização, como com ingenuidade poderíamos supor, que abole esta máxima. E também não pode ser uma nossa situação precária a levar-nos à ignorância e esquecimento dos que continuam preteridos, no mais absoluto obscurecimento, por esse mundo fora.