Há dias, o ministro do Ambiente admitiu o transvase de água da Barragem do Cabril, no Zêzere, para a barragem de Belver, no Tejo, através de um túnel com 50 quilómetros de extensão. Tem que se dizer que a ideia do túnel é um achado com alguma genialidade: primeiro, porque é a forma esconder uma obra destinada a retirar água do Zêzere, que desagua no Tejo, para a lançar no mesmo Tejo uns quilómetros à frente; e, depois, por avalizar a tese de Catarina Martins quanto ao efeito pernicioso das barragens na evaporação da água. Pelo menos a que sai do Cabril e segue no túnel, mesmo que alguma se perca pelas leis da física, não evapora. Os parceiros são para as ocasiões.
Claro que em matéria de tal sensibilidade ambiental, o senhor ministro logo se apressou a negar o transvase que admitira, esclarecendo mesmo que “não é nenhum transvase, a água deixa de fazer uma hipotenusa para passar a fazer dois catetos”. Assim elucidados que dois simples catetos não geram um transvase por falta de hipotenusa que o conceba, só poderá concluir-se que ela, a hipotenusa, se lhe tenha sumido durante a entrevista.
De tais especiosidades geométricas é que não cuidaram os antigos povos que se dedicaram a transvases, mesmo os gregos tão dados à geometria. Precisamente no tempo de Pitágoras, que tão bem casou os catetos com hipotenusas, Periandro, rei de Corinto, foi o primeiro a tentar, no século VI a. C, o transvase de mares, do Jónico para o Egeu, através do Estreito de Corinto, evitando que as embarcações tivessem de dar a volta de 600 quilómetros ao Peloponeso. Um transvase sem catetos nem hipotenusa, uma simples linha recta de cerca de 6 quilómetros.
As limitadas capacidades técnicas da época e o clamor dos “ambientalistas” da altura de que as águas do Adriático inundariam o Mar Egeu (clamor que também condicionou posteriores tentativas do Rei da Macedónia no século IV a. C., de Júlio César e de Nero, é facto histórico) levaram a que o transvase revestisse a forma de uma estrada de pedra, que permitia a circulação de navios e das mercadorias por plataformas de rodas, puxadas por animais. Este transvase durou séculos, servindo rotas comerciais, guerras navais e até as lutas entre Octávio e Marco António e Cleópatra.
Claro que nessa estrada de pedra não poderiam os nossos ministros, e até o primeiro deles, fazer impetuosos transvases para velocidades de 200 à hora, para assegurar a sua augusta presença em cerimónias tão decisivas como a inauguração de guindastes ou palestras eleitorais.
E duvida-se que em piso tão duro e tão conspurcado pelos animais de tracção, o presidente da Juventude Socialista encontrasse ambiente propício à sua luminosa proposta de transvase do actual clima instável para um clima estável como património da humanidade. Se igualizando as estações do ano, ou a condicionante geográfica, dos polos ao deserto arábico, resta saber.
Grande transvase, todavia em canal entupido, atulhado de propaganda, foi o donativo ao povo, à razão de 5 euros por mês, para contrariar a alta dos preços dos combustíveis.
Transvase também nas remunerações dos funcionários que, de congelamento passaram para acréscimos de 0,9%, e desembocaram num aumento de 3,1% da massa salarial. Um transvase de banda larga.
Transvase rápido para o desemprego de 200 trabalhadores, e sem hipotenusas que o estorvem, é o fecho da Central do
Pego, para o sr. ministro do Ambiente “uma questão menor face à importância de Portugal ser dos primeiros países a encerrar todas as centrais a carvão”, acrescentando mesmo que “no dia de encerramento vai festejar com enorme alegria…”. Nada mais natural, o transvase dos dogmas religiosos para os ambientais exige comemoração.
Mas, como na natureza nada se perde, oxalá o admitido túnel do Cabril possa servir de inspiração e transformar-se num outro, bem trancado e sem saída, para onde se transvasem, em linha recta, sem catetos nem hipotenusas e sem possibilidade de retorno, as más políticas que nos têm encaminhado para a cauda da Europa.