Discos. De Quarteira para o mundo

Discos. De Quarteira para o mundo


À Moda Quarteirense é uma montra de mais de 30 artistas da cidade algarvia. Com curadoria de Dino d’Santiago, Mike Ghost e Holly, Quarteira dá palco aos seus artistas.


O sol brilha, as ondas batem levemente na praia de Quarteira, o cheiro dos pastéis e do pão das diferentes pastelarias enche o calçadão marginal, bem como a cerveja, os tremoços, e as sardinhas. É verão, mesmo que seja inverno. Mas Quarteira não é só turismo, praia e ingleses, e os ‘locais’ querem mostrar o seu talento e daquilo que são feitos. É assim que nasce o disco À Moda Quarteirense.

“Sou a paz entre Quarteira e Loulé, sou tão fresco quanto o peixe do cota Zé; Sou o puto que escuta ‘sai daqui mas é’, sou a toalha onde o pescador seca seu pé”. Assim canta Dino D’Santiago em Cavalo Preto, o terceiro tema do disco em questão, lançado no fim do passado mês de outubro. Mais de 30 músicos juntam-se, em 16 temas diferentes (batizados com nomes de ruas da cidade), para dar a conhecer Quarteira, os seus recantos, e os seus talentos, e para servir de plataforma de lançamento para as suas jovens promessas. “Os mais conceituados artistas dão a mão aos ainda não conhecidos do grande público, e Quarteira torna-se num exemplo para a importância da cultura no empoderamento social, cultural e económico”, lê-se na descrição deste disco, que tem direção artística de Dino D’Santiago, Mike Ghost e Holly.

Entre os mais de 30 artistas presentes no disco, há um fio condutor: Quarteira. Todos são oriundos deste sítio, ou pelo menos têm fortes ligações a ela. Virgul, Yuri da Cunha, Sacik Brow, Biex, Baby Creezy, Alicia Rosa, Lady N, Subtil, Perigo Público e Fragas são alguns dos protagonistas.

De Quarteira para o mundo O disco nasceu pelas mãos do movimento “Sou Quarteira”, que por sua vez foi fundado pela Associação Beyond. Seguindo o objetivo global deste movimento, o longa-duração pretende promover a cidade, as suas gentes, e oferecer um espaço público e social aos quarteirenses para contar as suas histórias, e para poderem mostrar o seu talento, independentemente da sua condição sócio-económica.

É que Quarteira está envolta num contexto particular. Paredes-meias com as luxuosas e brilhantes Vilamoura e Vale do Lobo, ao viajar pela estrada que bordeia a cidade e que liga estes dois destinos turísticos, o panorama muda, as histórias são outras, e a beleza está noutros detalhes. No ‘cota Zé’ de que fala Dino D’Santiago, ou no pastel da Beira Mar, pastelaria mítica, frente a frente com o Atlântico. São estas as histórias que a Associação Beyond quer contar, em parceria com a Câmara Municipal de Loulé, em À Moda Quarteirense. O álbum, repare-se, é o mais recente capítulo de um livro de histórias assinadas pelo “Sou Quarteira”, entre elas o já popular Festival homónimo, a exposição e livro “Heróis”, o documentário #Sou365Dias, e o Mural “À Moda Quarteirense”, que batizou o longa-duração.

Assim, a Beyond tem feito uma verdadeira cruzada por valorizar a cidade algarvia, bem como as suas gentes, tipicamente associadas a setores como a pesca e, de uma forma muito geral, o trabalho no Mar. Resumindo: Quarteira não é só turistas no verão, e o “Sou Quarteira” faz questão de realçar isso aos olhos do resto do país.

Sonhos “Este projeto é muito mais do que um disco, é acima de tudo um trabalho que reflete a busca intensiva da sonoridade desta urbe, que para além de homenagear os talentos locais, tem ainda como objetivo dar novos palcos, infraestruturas e ferramentas para que as futuras gerações possam dar continuidade aos seus sonhos.” Palavras de Naomi Guerreiro, orgulhosa fundadora do movimento “Sou Quarteira” e membro da Associação Beyond.
O álbum foi editado a 29 de outubro, e teve uma apresentação especial na cidade que homenageia. No parque Gago Coutinho, praticamente todos os intervenientes deste trabalho estiveram presentes para regalar os habitantes com a sua música. Um estilo de “ensaio aberto” e “experiência única e totalmente diferente do disco”, antevia Sacik Brow, um dos artistas incluídos no mesmo, antes do concerto. “As canções que o compõem estarão no seu formato mais cru, não existirá máquinas, será tudo orgânico. Será uma viagem de celebração de nós para nós. Com a mensagem bem clara de que estamos aqui ‘despidos’ de preconceitos para partilhar o nosso orgulho em forma de canção, um manifesto.”

De Quarteira para o mundo Quarteira era, nos anos 90, um dos melhores sítios para crescer, especialmente se se gosta de música. A afirmação é de Miguel Correia, melhor conhecido como Mike Ghost, nascido e criado na cidade algarvia. “Havia funaná, mas logo ao lado também tinhas umas festas com punk, outras com rock, outras com Hip Hop… era assim, e toda a gente se dava bem”, explica um dos diretores criativos e ‘masterminds’ deste projeto, ao i.
Amigo de Dino D’Santiago desde os tempos da escola, a dupla começou a magicar o disco através da ideia simples de querer colocar Quarteira no mapa, e de dar palco aos vários artistas locais. Foi um estilo de resposta ao amor e ao orgulho que Dino D’Santiago, nas suas viagens, sentia, vindo do público conterrâneo. Afinal de contas, fosse qual fosse o canto do mundo onde estivesse a cantar, o artista luso-cabo-verdiano encontrou em várias ocasiões quarteirenses que faziam questão de gritar, orgulhosamente, o nome da cidade.

Esplanada mágica Conforme Ghost, acompanhado por Naomi Guerreiro, foi revelando ao i, o disco começou inicialmente com cerca de 15 artistas, bem longe dos 30 que formaram o projeto final. As reuniões faziam-se nas esplanadas dos cafés de Quarteira, onde se juntavam Dino, Mike Ghost, e outros artistas da cidade, e era impossível fugir ao olho curioso dos conterrâneos, especialmente àqueles que tinham alguma ligação à música. Resultado? “As pessoas vinham ter connosco e nós percebíamos que nos tínhamos esquecido de o juntar ao projeto… e depois essa pessoa estava ligada a outra, e não fazia sentido juntar um sem o outro… então foi crescendo assim.”
Desta forma, o projeto foi, verdadeiramente, algo feito nos interstícios desta localidade algarvia, pelas suas próprias gentes, onde o principal era “pôr o disco a soar a Quarteira”. Uma missão que se fez, até, “bastante rápido”, fruto do interesse e do envolvimento dos diferentes artistas, e da coordenação de Dino, Mike e Holly. Isto para não falar do facto de “quase toda a gente em Quarteira ter, pelo menos uma vez na vida, passado por um estúdio de gravação”. A cidade transborda criatividade, o que facilitou a estes coordenadores a escolha dos artistas. Aliás, segundo os mesmos contam, as dificuldades passaram não por escolher quem o integraria, mas sim por quem ficaria de fora, tal era a quantidade de propostas.

Calão perigoso “Nas férias, e mais no verão, Quarteira está à pinha, mas existe 365 dias por ano. Por isso começámos este projeto, porque percebemos que há muitos criativos, músicos, artistas que não têm tanta plataforma como poderiam ter se estivessem em Lisboa, ou no Porto.” Assim explicam estes intervenientes a origem do projeto, que é uma carta de amor a esta cidade, escrita na sua linguagem própria. 
O calão e as referências a cafés, restaurantes, velhas lojas e a eventos que só os quarteirenses conhecem, são o cocktail que faz este disco, e que ameaça tornar-se numa variante Molotov. Afinal de contas, corre-se o risco comum a todos os trabalhos artísticos sobre locais específicos: alguém que não seja desta cidade, pode acabar por não perceber metade daquilo de que se está a falar.
Naomi Guerreiro, no entanto, afasta essa hipótese, invocando a multiculturalidade de Quarteira, e a dedicação com que os artistas falam sobre ela. “Mais do que tudo, o que liga o disco é a história e as músicas, e é por aí que realmente vale.”

Caminho desbravado Os coordenadores deste projeto ainda não falam em segundos volumes, ou em novas ideias, preferindo focar-se, neste momento, no lançamento deste longa-duração e na edição de 2022 do Festival Sou Quarteira. No ar fica, no entanto, a sugestão a outras cidades do país. Naomi Guerreiro e Mike Ghost deixam o seu voto para que as diferentes comunidades procurem dar palcos aos seus conterrâneos, criando plataformas de lançamento para os talentos locais, tal como À Moda Quarteirense fez pelos habitantes desta cidade.