Paula Franco. “Uma das prioridades é elevar a profissão, o rigor e a qualidade”
“Ainda temos imenso para dar. Há sempre algo para fazer, aliás, o mais importante é nunca deixarmos de ter alguma coisa por fazer. Claro que foi um mandato de quatro anos muito produtivo, em que tivemos conquistas muito importantes, mas também tivemos dois anos de pandemia que nos privaram de desenvolver outras ações que gostaríamos. Tivemos que mudar um bocadinho o nosso foco, mas mantendo e não deixando cair aquilo que era essencial. No entanto, houve muitas coisas que gostaríamos de ter feito e que não foi possível”, a garantia foi dada ao i por Paula Franca, atual Bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados e que se recandidata ao cargo.
A candidata, em entrevista dada ao i, garantiu que uma das prioridades é elevar a profissão, o rigor e a qualidade, com vista a que esse rigor e essa qualidade sejam reconhecidos pelos empresários e pelos clientes. “É muito importante que a simbiose entre o cliente e o contabilista certificado tenha um futuro diferente. Um futuro de proximidade, de parceria, em que o contabilista certificado tem que ter claramente mais tempo para o seu cliente e o cliente também tem que perceber que tem de dispor de mais recursos para que o contabilista certificado o acompanhe mais”, defendendo que isso também é “fundamental para o desenvolvimento da economia portuguesa”, lembrando que as empresas de pequena dimensão – micro e pequenas – não têm departamentos financeiros, portanto quem acompanha todo esse trabalho é o contabilista certificado. “E este tem um papel que tem de ser permanente nas empresas para que estas possam crescer e possam ser mais sustentáveis”.
E tendo em conta o atual papel na economia e que ganhou novos contornos nesta fase de pandemia, Paula Franco garante que é uma profissão que tem de começar a ser mais bem paga. “Tem de ser paga com valores mais justos” e não hesitou: “A sociedade civil reconhece muito mais o contabilista e o interesse púbico da profissão e reconhece o seu papel e o seu valor. Mas acho que é preciso fazermos mais. É preciso que esse reconhecimento se materialize no retorno financeiro que existe. Caso contrário, arriscamos qualquer dia a ter menos contabilistas certificados ou não ter contabilistas certificados porque a profissão não é atrativa. E isso é uma das questões que nos preocupa”.
Paula Franco recordou que “os contabilistas assumiram um papel, por um lado, de interpretação de muitas normas, porque os contabilistas não podiam esperar pela interpretação dos próprios serviços e dos próprios organismos. A legislação saía, no dia a seguir tinha que ser aplicada, o que claramente causou algum transtorno, em que o papel da Ordem foi essencial. Muitas vezes, atravessou-se na interpretação da legislação para que os contabilistas não fossem postos em causa”.
E foi mais longe: “Os contabilistas foram intermediários exemplares para acalmar os empresários e fazer chegar a informação de que as coisas não eram tão imediatas e que tudo tinha que ter o seu tempo para que os apoios pudessem chegar. Mas, realmente, muitas vezes, as comunicações eram feitas e davam a entender que quase no dia a seguir estariam a entrar nas empresas, o que não era verdade, nem poderia ser. E aí há o tal problema de uma certa gestão de expectativa. Aliás, pedi muitas vezes isso ao Governo que quando divulgasse que iam existir esses apoios houvesse também a informação de que todas as coisas demoram algum tempo a chegar e foi aí que senti que os empresários tiveram maior dificuldade em lidar com este assunto”.
Quanto às acusações de José Araújo da atual Ordem ser “quase uma subsecretaria de Estado dos Assuntos Fiscais”, garante que sempre teve uma atitude muito responsável. “Temos uma relação institucional com a Secretaria de Estado muito cordial e até diria muito positiva. Mas quando temos que apontar algo que está mal também não hesitamos em fazê-lo. É completamente diferente a relação que temos com a Autoridade Tributária e com a Secretaria de Estado. Temos uma relação muitíssimo boa com a Secretaria de Estado e temos uma má relação com a Autoridade Tributária. Quando digo má relação não é total, integral, mas não é tão cordial quanto devia ser”, disse na mesma entrevista.
José Araújo. “É necessário desenvolver a ideia de contabilista”
José Araújo voltou a recandidatar-se à liderança da Ordem dos Contabilistas Certificados, depois de ter sido derrotado no último ato eleitoral com 47,5% dos votos. Em entrevista ao i reconheceu que “em democracia por um voto se ganha, por um voto se perde”. Mas garantiu que “avaliado o estado atual em que está a profissão, a Ordem e a contabilidade” achou que era seu dever, “até por respeito às pessoas que votaram em mim nas últimas eleições e, pelo estado a que chegámos, que se justificava ir a votos novamente e melhorar a qualidade de vida dos contabilistas que se agravou drasticamente nos últimos tempos”.
O candidato aponta o dedo à atual liderança da Ordem ao considerar que “não só não se bateu pelos nossos interesses como nos conduziu a este processo”, acrescentando que os profissionais “foram conduzidos “para ‘vamos lá apoiar as empresas’ a todo o custo, sem qualquer tipo de oposição, sem salvaguardar os nossos interesses e as nossas necessidades atendendo à informação que o Estado já tinha”. E não deixou margem para dúvidas: “A Ordem deveria ter tido uma posição diferente”. E foi mas longe: “A Ordem é quase uma subsecretaria de Estado dos Assuntos Fiscais”.
Como política de bandeira, José Araújo defende que é necessário desenvolver a ideia de profissão, o que no entender do responsável, passa por ter um projeto para curto, médio e longo prazo. “O primeiro é recuperar a qualidade de vida porque os contabilistas têm ao longo destes anos sacrificado muito a sua vida pessoal em detrimento da profissional. Há um desequilíbrio errado, que tem consequências gravosas e que coincidiu com o burnout que a bastonária finge não existir. Não podemos ignorar esse facto porque as pessoas foram obrigadas a estar horas e horas, dias, noites e fins de semana a trabalhar para cumprirem as suas obrigações porque depois as coimas são pesadíssimas pelo não cumprimento. Isto não é como outras profissões que se não fizer hoje faz-se amanhã”.
E, como tal, defende que é necessário alterar essa situação e exigir os meios adequados para poder trabalhar e para cumprir com qualidade, com tempo e rigor esta função. E os alertas não ficam por aqui. O candidato diz ainda que é preciso aumentar a sua notoriedade junto das organizações, nomeadamente nas empresas para recentrar o papel do contabilista no apoio às atividades, aos negócios, à rentabilidade, às margens, à otimização dos custos, ou apoiar as empresas do setor social ou do setor público a cumprir as suas obrigações de informação e de transparência.
“Não estarmos focados apenas em preencher declarações e enviar dados e dadinhos. Temos de garantir que temos tempo para nos dedicarmos àqueles que nos contratam e quem nos contrata não é a administração tributária. E depois aumentar a notoriedade, dando maior qualificação e preparando a profissão para um mundo mais digital porque preparar a profissão para um mundo mais digital é algo que temos de fazer e garantir nos próximos quatro a cinco anos, com medidas imediatas. Ainda está tudo um bocadinho agarrado ao papel, mas até a pandemia veio reforçar esta mudança, mas isso não se faz de um dia para o outro, faz-se com um plano e ações concretas e com os apoios devidos, porque o Estado ao longo dos anos tem vindo a transferir para as empresas e para os contabilistas os custos de contexto. Tem-se desmaterializado, mas somos nós que fazemos os investimentos em tecnologia, em formação e em preparação para cumprir todas as obrigações que o Estado quer. Os ganhos têm de ser para os dois lados, não podem ser apenas para o Estado”, referiu, na mesma entrevista.
José Araújo diz ainda que é necessário levar a cabo uma alteração de relação entre Autoridade Tributária (AT) e o Governo, uma vez que, no seu entender, os profissionais não podem ser vistos como mão-de-obra barata e, neste caso gratuita, de elevada qualidade. “Temos de ser vistos como parceiros nesta relação e, enquanto parceiros, temos de ter direitos e obrigações. Temos de nos focar no que o nosso empregador precisa e o nosso empregador não é o Estado são as empresas. Claramente esta relação com o Estado tem de mudar profundamente”.