No melhor PAN cai a nódoa


Estamos cheios de histórias mal contadas e de mitos que se desfazem.


1. Não é de excluir a possibilidade de voltarmos a ter limitações de liberdades em resultado do aumento da propagação da covid-19. Com um Parlamento dissolvido ou em vias disso e um governo proximamente limitado na sua autonomia, é fundamental clarificar o enquadramento legal necessário à aplicação de restrições e confinamentos parciais ou totais, para que, depois, não se gerem discussões sem fim entre constitucionalistas, juristas, políticos, jornalistas e todo o tipo de especialistas em saúde pública e segurança. Nos próximos dias espera-se o anúncio de restrições sanitárias e convém que esteja tudo muito claro do ponto de vista da legitimidade legislativa.

2. Os últimos dias estão recheados de histórias mal contadas. Uma delas surgiu com a queda do mito ecologista da líder do PAN. Afinal, Inês Sousa Real está ligada a um tipo de agricultura que o próprio partido contesta, por via de uma sociedade comercial em que é parte. A deputada veio explicar que há uma diferença enorme entre estufas e túneis de plástico para cultivo agrícola. É um facto que as estufas são piores do que os túneis em termos ambientais. Mas o problema não está aí. A questão é que o PAN é suposto ser um partido ambientalista e não querer nem uma coisa nem outra. Como bem disse o secretário-geral da CAP, faz lembrar o caso Robles do Bloco de Esquerda, noutro campo. Esperemos que, tal como no Bloco, Inês seja obrigada a tirar desta contradição as mesmas consequências, demitindo-se por pressão interna e externa. Haja decoro!

3. Mitos e histórias mal contadas não nos faltam em muitas outras áreas, como a política, a economia, a saúde, a justiça e as forças de segurança. Mas as que mais desespero causam são as que se relacionam com as Forças Armadas porque, invariavelmente, passam para fora e dão de nós a imagem de um país de opereta. Deixando de lado o célebre caso dos submarinos, onde houve corruptor sem que se tenham conhecido os corrompidos, e passando, também, por cima do assunto das messes, basta ir às situações mais próximas, já no Governo Costa. O roubo e achamento das armas de Tancos foi uma vergonha e deu azo a uma gozação internacional. Mais recentemente, deu-se a frustrada tentativa de remover o Chefe do Estado Maior da Armada, substituindo-o por Gouveia e Melo de um dia para o outro e fora do tempo regulamentar. De seguida, surge o caso do tráfico de diamantes, ouro e droga envolvendo tropas portuguesas na República Centro-Africana. Mesmo descontando o habitual estardalhaço mediático em tudo o que envolve investigações do juiz Carlos Alexandre, há que reconhecer que o assunto é gravíssimo. Isto porque, mesmo a um nível reduzido, envolve militares portugueses e logo os que estão colocados em forças da ONU em ações de paz. É claro que essa circunstância não pode pôr em causa as forças armadas no seu todo. Mesmo assim, faz mossa e abre espaço a forças políticas que já tentaram, e conseguiram durante um tempo, acabar com os Comandos, procurando fazer o mesmo a outras forças especiais. O caso dos diamantes, transporta novamente, tal como o de Tancos, um enorme problema político. Revela de novo um ministro da defesa incompetente, impreparado e, eventualmente, pouco dado à verdade dos factos. Cravinho Jr. já devia ter sido demitido ou ter-se demitido, se honrasse a República. Desde logo, porque não é admissível que não tenha informado o primeiro-ministro do caso, mas que o tenha comunicado previamente à ONU, a qual não confirma o facto. Também não colhe a ideia do assunto estar em segredo de justiça porque o conceito não se aplicava ao conhecimento genérico da investigação. Até o Presidente Marcelo (que ficou mal ao afirmar que o caso não afetava a instituição militar) foi ignorado. Surreal!

4. Foi muito importante ouvir Rui Rio a defender um aumento dos salários em Portugal. Nem parecia ser o mesmo líder que decidiu cortar subsídios e ordenados no seu partido, inclusivamente a funcionários que não eram aumentados há dez anos. Isto com base num estudo encomendado a uma consultora externa (fica-se logo com a ideia de como seriam construídas certas decisões suas no governo). Nos últimos dias, verificou-se que Balsemão e Morais Sarmento, que sempre apoiaram Rio, declararam-se inopinadamente neutrais. Sarmento aproveitou até para anunciar a saída da Comissão Política, onde era o principal vice-presidente. Há silêncios que dizem muito. Entretanto, seria interessante saber em que ponto está o inquérito do Ministério Público à alegada prática do PSD pagar a funcionários que trabalham no partido com verbas do Parlamento e destinadas apenas aos funcionários políticos da Assembleia da República.

5. Em Portugal, as políticas ambientais são normalmente mera retórica. Veja-se: o Governo criou um Fundo de Apoio Ambiental que, teoricamente, permite a qualquer cidadão concorrer e obter ajuda para melhorar a eficiência energética da sua casa. Supostamente, pode-se receber até 85% do valor do custo da alteração, na colocação de painéis solares, bombas de calor, janelas eficientes e por aí fora. Trata-se normalmente de um embuste para quem tem menos. Além da dificuldade em preencher os formulários (quase só ao alcance de informáticos de top), o Governo exige que o cidadão pague a totalidade do investimento para se poder candidatar. Ora, estes investimentos são caros e só quem tem liquidez pode adiantar a compra de material que facilmente atinge 10 ou 20 mil euros. É mais uma medida de propaganda ou só para quem pode. Este ministro do Ambiente tem sido pródigo em pantominices políticas. Está absolutamente ao nível do fracasso da cimeira climática de Glasgow.

6. Nem todas as eleições são marcadas pelas guerras a que se assiste quando se trata de futebol e de política. Há instituições onde as coisas se passam com elevação. Tem sido o caso da disputa para bastonário da Ordem dos Economistas, a que concorrem Pedro Reis, ex-presidente do AICEP, e António Mendonça, professor do ISEG e ex-ministro dos Transpores e Comunicações. Cada um tem necessariamente a sua própria visão, que expõe com postura civilizada. Pode-se dizer que a Ordem já ganhou em prestígio.

7. Sob a batuta de Pilar del Rio, começaram ontem as comemorações que vão levar à justa celebração do centenário do nascimento do Nobel José Saramago, que ocorrerá dentro de um ano. O programa é vasto e densamente cultural. A homenagem mais bonita seria certamente Pilar fazer um esforço e aprender minimamente a falar português, tal como sucede com qualquer futebolista que passa por cá mesmo meia dúzia de anos. Olé!

 

Escreve à quarta-feira