Assistimos nos últimos tempos à tentativa, por parte de muitos dos protagonistas da direita portuguesa, de se afirmarem como os verdadeiros defensores da classe média portuguesa, num ensaio da linha argumentativa para as próximas eleições legislativas.
Torna-se cada vez mais evidente que, para a direita, a forma e com quem se apresentam às eleições legislativas é um pormenor desde que se “derrote o socialismo”, não obstante o crescimento económico dos últimos 6 anos em convergência com a média europeia, contas públicas em ordem, aumento de rendimentos, apoios sociais generalizados, como são os casos, e de forma não exaustiva, do valor dos passes de transportes, redução das propinas no ensino superior, aumento do abono de família, redução das taxas moderadoras na saúde, gratuitidade dos manuais escolares, redução do desemprego e, ainda, todas as medidas de combate à pandemia, que têm permitido ao país ir atravessando com impactos socioeconómicos menores do que noutros países.
A sua proposta política é a seguinte: os socialistas estão a nivelar por baixo o rendimento dos portugueses e por isso teremos de reduzir os impostos para devolver rendimento às famílias e às empresas.
Este argumento sedutor esconde, na verdade, uma agenda que se quer escondida, mas que convém trazer para a luz do dia.
A direita afirma que a governação dos últimos 6 anos tem levado ao empobrecimento generalizado da classe média portuguesa, baseando-se no facto da diferença percentual entre salário mínimo e salário médio ser hoje menos significativa, apelando para tal, à mesquinhez e inveja dentro do seio da comunidade, fazendo uso das táticas lamentáveis do Chega, virando portugueses contra outros portugueses ainda com menos meios. Com isso pretendem esconder, como se referiu, a sua agenda de sempre – a redução de impostos para os que têm mais rendimentos, piorando ao mesmo tempo os serviços públicos do Estado e abrindo as portas à privatização dos mesmos, porque o Estado não teria os meios adequados para prestar serviços públicos de qualidade.
Quando se refere que o país está a empobrecer, porque a diferença entre o salário mínimo e o salário médio é cada vez menor, omite-se que não só o salário mínimo aumentou nos últimos anos como nunca antes no nosso país, mas também que o salário médio aumentou, ainda que não na mesma proporção.
Significa que o país não deve continuar a trabalhar para o aumento do salário de todos? Penso que ninguém defenda tal, mas importa saber como se pretende melhorar os salários de todos.
Do PSD, da IL, do Chega e do CDS, tirando as perentórias declarações de Passos Coelho em 2013 em que defendeu a redução do salário mínimo para aumentar o emprego e o crescimento económico, ouvem-se, hoje, uns tímidos “que o salário médio deve aumentar” nada dizendo quanto ao salário mínimo. Quanto deve aumentar? Quando deve aumentar? Qual a evolução que se propõe? Por outro lado, quanto aos restantes salários aquilo que defende não é o seu aumento, o que verdadeiramente defendem é a redução dos impostos sobre o rendimento base, aumentando com isso o rendimento líquido disponível.
No imediato parece ser boa política, mas já se sabe que tendo em conta a progressividade fiscal, os mais ricos teriam ainda mais rendimento que os mais pobres e funções essenciais do Estado, como a escola pública, o Serviço Nacional de Saúde, a segurança pública, os apoios sociais teriam de ser piores, pois o dinheiro não estica.
A direita defende aumento do salário mínimo só não diz para quanto, nem quando. Defende o aumento do salário médio em relação ao salário mínimo, omitindo, aqui também, o quanto, o quando e o como. Defende mais médicos e enfermeiros e outros profissionais no Serviço Nacional de Saúde, mais polícias, com melhores salários, ao mesmo tempo que defendem a redução de impostos e a redução das despesas do Estado. Talvez fosse tempo de começarem a falar verdadeiramente ao que vêm e parar com o “Spin” de frases ocas de conteúdo como “acabar com o socialismo”.