A notícia de que militares do exército português que integravam uma missão das Nações Unidas na República Centro-Africana se terão alegadamente envolvido numa rede internacional de tráfico de droga, ouro e diamantes constitui uma situação de extrema gravidade. Trata-se de uma notícia que coloca em causa a imagem e o prestígio internacional das Forças Armadas Portuguesas, e consequentemente de Portugal, no mundo inteiro.
Mas também tem sérias repercussões a nível interno, uma vez que não parece estar a ocorrer o regular funcionamento das instituições democráticas se os mais altos responsáveis do Estado Português, como o Presidente da República e o Primeiro-Ministro não foram informados do que se estava a passar, tendo o assunto permanecido apenas no conhecimento do Ministro da Defesa.
Efectivamente, segundo o que os jornais escreveram, o Ministro da Defesa teria sido informado já em Dezembro de 2019 pelo Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas das suspeitas de que alguns militares portugueses, que integravam a missão na República Centro-Africana, se estariam a dedicar ao tráfico de droga, ouro e diamantes. E que, em consequência, teria informado nos primeiros meses de 2020 a ONU da situação e encaminhado o assunto para a Polícia Judiciária Militar.
Não informou, no entanto, do que se estava a passar nem o Primeiro-Ministro nem o Presidente da República, que assim foram mantidos na ignorância da situação, segundo foi explicado, devido a pareceres jurídicos que o aconselharam a não o fazer.
Ao contrário do que seria de esperar, os referidos pareceres jurídicos não foram publicados, o que impede o público de conhecer a sua fundamentação perante uma omissão de informação com esta gravidade. A partir do momento em que o Ministro da Defesa assume que transmitiu essa informação às Nações Unidas, é manifesto que a teria que ter até previamente transmitido ao Chefe do Governo. e este ao Chefe de Estado.
Na verdade, uma vez que Portugal não é, ao que saiba, um protectorado das Nações Unidas, não é perante as Nações Unidas que o Ministro da Defesa Nacional deve responder e informar em primeira mão sobre factos de extrema gravidade que alegadamente se terão passado com as nossas Forças Armadas, deixando o Presidente da República e o Primeiro-Ministro na sua total ignorância.
Na verdade, nos termos do art. 191º, nº2, da Constituição, o Ministro da Defesa é responsável perante o Primeiro-Ministro e, de acordo com o artigo 190º da Constituição, o Governo é responsável perante o Presidente da República que, aliás, é por inerência o Comandante Supremo das Forças Armadas (art. 120º da Constituição).
Em consequência, o art. 10º, nº1, b) da Lei de Defesa Nacional (Lei Orgânica 5/2014, de 29 de Agosto) reconhece ao Presidente da República o direito de ser informado da situação das Forças Armadas, sendo por isso inconcebível que a existência de uma rede criminosa a actuar no seu âmbito não seja objecto da competente informação ao Presidente da República.
O Presidente da República veio, no entanto, afirmar que não se justificava estar a analisar o caso porque se tratava de uma investigação judicial que se encontra em segredo de justiça. Mas o que está efectivamente em causa não é a investigação judicial nem o segredo de justiça, é a actuação isolada de um Ministro da Defesa, que alegadamente terá omitido informação relevante do Primeiro-Ministro e consequentemente do Presidente da República. E sobre isso não há nenhum segredo de justiça que deva impedir o cabal esclarecimento do que se passou.
Uma vez que já foi anunciada a dissolução do Parlamento e a marcação de eleições antecipadas para 30 de Janeiro, iremos ter durante vários meses um Governo em plenitude de funções sem qualquer controlo parlamentar. Se nesse Governo se verifica que os Ministros andam em roda livre e omitem informações ao próprio Primeiro-Ministro sobre o que se passa nos seus Ministérios, começa a estar claramente em causa o regular funcionamento das instituições democráticas. E esse é um problema com que o Presidente da República se deveria preocupar em primeira linha.