Sophia Loren. A diva italiana que precisa de ajuda

Sophia Loren. A diva italiana que precisa de ajuda


Será difícil que alguém a perca de memória, ora pela sua beleza que conquistou o mundo, ora pelos papéis que desempenhou ao longo de uma carreira de mais de 50 anos. Agora, Sophie Loren, com 86 anos, tem sido dirigida pelo filho nos seus últimos trabalhos. Mas, apesar de admitir “não querer parar”, a lenda…


“Nunca me perdi, sempre resisti, sempre lutei. Com a minha família tive uma vida muito dura, não tive pai… E acredito que Deus me ajudou muito. Sempre fiz as coisas bem, da melhor maneira possível, como uma menina que vai à escola e que tem que fazer bem as suas tarefas. Pouco a pouco, tornei-me alguém” confessou a diva do cinema italiano, em 2015, durante uma homenagem no festival Lumière, em Lyon.

A artista, com os seus grandes olhos cor de mel, já possui uma carreira de mais de 50 anos, tendo realizado o seu último trabalho em 2020, protagonizando o filme da Netflix, Uma Vida à tua Frente, lançado em novembro do ano passado e dirigido pelo seu próprio filho, Edoardo Ponti. O filme conta a história de uma sobrevivente do Holocausto que acolhe um jovem refugiado senegalês. Uma história do presente, mas que, segundo a artista, “a permitiu viajar de diversas formas ao seu passado”. “Era uma criança durante a Segunda Guerra Mundial e este filme lembra-me as coisas que vivi em Nápoles naqueles anos”, recordou ao La Repubblica. “Sinto-o muito próximo do meu coração. E devemos assegurar que certas coisas não mais se repetirão”, acrescentou.

Um troca de prioridades A produção marcou também o regresso da italiana, presença esporádica nos ecrãs nas últimas décadas, mas não por falta de vontade ou de propostas: “Ainda me são enviados muitos guiões, mas nenhum me interpelou como Uma Vida à sua Frente. Foi por isso que não trabalhei durante quase dez anos”, afirmou em entrevista ao The New York Times, em 2020. Além disso, tratou-se também de “uma questão familiar”. 

Desde os anos 80 que Sophia Loren decidiu inverter prioridades. Passara os 30 anos anteriores a construir uma carreira que, primeiro em Itália, depois a partir de Hollywood, fizera dela uma das mais célebres e respeitadas atrizes mundiais. Com uma vida intensa e uma agenda preenchidíssima, durante a qual foi dirigida por Vittorio de Sica, Ettore Scola, Dino Risi ou Charlie Chaplin, contracenando com Marcelo Mastroianni, Cary Grant, Paul Newman ou Peter Sellers, a artista parou e perguntou a si mesma: “O que queres da vida, Sophia?”. “Uma família”, foi a resposta que encontrou, revelou Loren. Casada desde os anos 1950 com o produtor Carlo Ponti (falecido em 2007), mãe de dois filhos, a atriz já tinha a família, mas faltava-lhe tempo para ela. “A partir de agora, talvez desacelere um pouco”, pensou então.

Problemas de mobilidade Aos poucos fomos, por isso, vendo-a desaparecer, como se esta se fosse transformando numa figura mítica que continua a apaixonar muitos. E, as poucas aparições que tem feito, têm demonstrado que o tempo passa também pelos ícones que no imaginário nos podem parecer imortais. Com o filme Uma vida à tua Frente, Sophie Loren venceu o prémio David de Donatello, comumente chamado de Prémio David, o mais importante prémio cinematográfico de Itália, concedido pela Academia Italiana de Cinema e considerado o Óscar italiano, na categoria de Melhor Atriz. A emoção no seu olhar ao ouvir o seu nome, não foi um espanto para os espectadores. Contudo, assim que a atriz se levantou para se deslocar até ao palco, o cenário alterou-se: a artista precisou da ajuda do filho Edoardo Ponti, que a acompanhou ao palco. Ao que parecia, Loren tinha as costas curvadas e muita dificuldade em andar e subir as escadas. 
Atualmente, a atriz de Nápoles vive isolada na sua mansão nos arredores de Genebra, levando uma vida muito normal. Loren passa os seus dias em passeios no seu grande jardim, prepara a sua própria comida, costuma jantar por volta das sete da tarde, vai dormir cedo e, se alguém lhe liga, ela mesma atende. Na mesma entrevista, a lenda do cinema sublinhou a importância que os seus quatro netos têm na sua vida, admitindo “só querer desfrutá-los ao máximo”. 

A última aparição em público Depois da cerimónia das entregas de prémios David de Donatello, a seguinte aparição em público e a última até agora, ocorreu há cinco meses quando abriu o seu primeiro restaurante em Florença, Sophia Loren Original Italian Food, impecavelmente vestida com um paletot branco (provavelmente do seu amigo Giorgio Armani) que destacou a beldade que ainda permanece, apesar dos seus 86 anos. A atriz foi aplaudida por dezenas de fãs que gritavam o seu nome. Enquanto isso, a protagonista de Duas Mulheres, filme de 1960 que lhe valeu um Óscar na categoria de melhor atriz (a primeira vez que isso aconteceu com um filme não falado em inglês), cumprimentou e apertou algumas mãos com a humildade de quem sentiu os bombardeios da Segunda Guerra Mundial, passou fome e sofreu o abandono do pai. Mas mais uma vez, o seu estado de saúde, preocupou os fãs. A estrela italiana passou o evento constantemente segurando a mão do seu parceiro de negócio Luciano Cimmino, ou apoiando-se em algum lugar, com medo de cair. Por isso, os problemas de mobilidade continuaram a ser visíveis. 

Uma carreira repleta de sucessos Antes de contracenar com o jovem Ibrahima Gueye, teve como parceiros no ecrã lendas como Marlon Brando, Cary Grant, Marlon Brando, Clark Gable, Frank Sinatra, Charlton Heston, Gregory Peck, Anthony Quinn, Paul Newman, David Niven, Alec Guinness e, claro, Mastroianni, num percurso que começou nos anos 1950 e foi distinguido com mais de meia centena de prémios, um dos mais especiais, o Óscar Honorário em 1991, quando foi declarada “um dos maiores tesouros do mundo”.

A atriz, de seu nome verdadeiro, Sofia Scicolone, nasceu em Roma, a 20 de setembro de 1934. Filha bastarda e abandonada pelo pai, os primeiros anos foram de pobreza pelas ruas em Pozzuoli, perto de Nápoles, agravados pela Segunda Guerra Mundial. Num dos bombardeamentos, enquanto corria à procura de um abrigo subterrâneo, alguns estilhaços chegaram a atingi-la, o que lhe causou alguns ferimentos. 

Aos 14 anos, vendo a guerra terminada, Sophia Loren participou no concurso de beleza Miss Itália onde foi uma das finalistas e foi eleita Miss Elegância. Essa participação começou a despertar a atenção dos cineastas. Seguiram-se então aulas de representação e as suas estreias na sétima arte registadas como Sofia Scicolone ou Sofia Lazzaro, a maior parte delas em papéis pequenos ou mesmo de figurante sem crédito, como no épico religioso americano Quo Vadis, de 1951.
Foi com o seu produtor e mais tarde marido, Carlo Ponti, que a artista viu a sua carreira explodir. “Ponti será sempre o homem da minha vida, aquele que realmente me compreendeu, me acompanhou”, descreve a viúva. O casal conheceu-se quando esta tinha 15 anos e ele 37. Casaram em 1957, mas como Ponti ainda era oficialmente ligado à primeira mulher de acordo com a lei italiana, que não reconhecia os divórcios, foram obrigados a anular o casamento em 1962 para não enfrentar acusações de bigamia. Só em 1966, em França, foi possível oficializar a relação, que durou até à morte de Ponti em 2007, aos 94 anos.

O nome artístico “Sophia Loren” surgiu em 1953 e a sua grande oportunidade surgiu no ano seguinte, quando foi escolhida por Vittorio De Sica para protagonizar um dos segmentos do filme O Ouro de Nápoles (ao todo a atriz participou em 14 filmes do realizador). 

O talento de Sophia Loren ultrapassou as fronteiras de Itália em 1957, ao assinar um contrato de cinco filmes com a Paramount Pictures. O primeiro filme em língua inglesa foi Orgulho e Paixão, onde contracenou com Frank Sinatra e Cary Grant, que se apaixonou perdidamente por ela, facto confirmado no seu livro de memórias lançado em 2015, Ontem, Hoje e Amanhã – Minha Vida, título que faz referência a um dos seus filmes mais importantes, uma antologia realizada por De Sica em 1963 na qual interpretou três papéis diferentes.

Seguiram-se outros filmes, onde a atriz continuou a mostrar o seu talento tanto para drama como comédia em grandes produções americanas e filmes europeus: Duas Mulheres, em 1961, El Cid – O Campeador, no mesmo ano, Boccacio 70, em 1962, Ontem, Hoje e Amanhã, um ano depois, A Queda do Império Romano e Matrimónio à Italiana, em 1964, Lady L, em 1965, Arabesco, em 1966, A Condessa de Hong Kong, em 1967, O Último Adeus, em 1970, O Homem de La Mancha, em 1972 e Um Dia Inesquecível, cinco anos depois.

Agora, com 86 anos, a grande atriz que confessa não estar a par do cinema contemporâneo e que continua a trabalhar afirma que a sua paixão pelas narrativas e pelos filmes se mantêm “intactos”, sentindo borboletas nas filmagens. 
Em 2015, a estrela manifestou-se contra a cultura da “selfie” na homenagem em Lyon: “No meu tempo, o mérito e perícia de uma atriz baseavam-se no seu talento. Agora, quando as pessoas me encontram, tiram o telemóvel para tirar fotografias. Não sei muito sobre redes sociais, mas parece que é isso que fazem as pessoas mais famosas. Na minha era de Hollywood era muito melhor. Era-se conhecido pelas capacidades e perícia. Tive muita sorte por fazer parte desse tempo”, defendeu Loren. Desse tempo, deste e do próximo. A sua figura é inesquecível e, ao que parece, a reforma não estará para breve. A pergunta que se coloca é: até quando as suas pernas aguentam sem ceder?