O lado sombrio de pedras brilhantes

O lado sombrio de pedras brilhantes


Crime organizado, grupos terroristas, mafiosos, senhores da guerra ou políticos corruptos beneficiam de uma indústria que pretende mostrar uma outra face.


Pequenos, extremamente valiosos, eternos, funcionando com uma espécie de dinheiro comprimido, os diamantes são os melhores amigos de qualquer contrabandista. Às margens do luxo, requinte e glamour que associamos aos diamantes, existe um outro mundo sombrio, que ocasionalmente vai fazendo manchetes, como aconteceu com o recente caso dos militares portugueses acusados de traficar diamantes de sangue, comprados no florescente mercado negro da República Centro-Africana, que alimenta o conflito neste país. Apesar destes vislumbres, na prática não se sabe exatamente quantos destes diamantes oriundos do comércio ilícito vão parar às joalharias, passando pelos grandes polos da indústria dos diamantes, como Antuérpia, na Bélgica, e, cada vez mais, por Surat, Índia.

Se os números do Natural Diamond Council – anteriormente chamado Diamond Producers Association, uma organização dedicada a promover os diamantes naturais, face à crescente ameaça da produção artificial, que junta gigantes do setor como a De Beers, Alrosa e a Rio Tinto – indicam que uns 99% dos diamantes comercializados passam pelo crivo do Processo de Kimberley, mandatado pelas Nações Unidas para impedir que diamantes de sangue – ou seja, extraídos por grupos rebeldes em situações de guerra – cheguem ao mercado, muitos consideram essa categoria como demasiado restrita, não contando com outros abusos de direitos humanos. E mesmo esses números são disputados, alguns analistas chegam a apontar que até um quarto do comércio internacional de diamantes, com um valor avaliado no equivalente a quase 70 mil milhões de euros em 2019, passe pelo comércio ilícito.

Caso estas estimativas esteja corretas, trata-se de uma bonança incrível para o crime organizado, grupos terroristas, Estados autoritários, políticos e funcionários corruptos, sobretudo em África, onde são minados uns 65% do fornecimento global de diamantes brutos. Importa salientar que 80% deles vêm de áreas onde os direitos humanos simplesmente não existem, segundo números citados pela CNBC, sendo uns 20% resultado de mineração artesanal.

Se o artesanal está na moda no ocidente, sendo associado a produtos de qualidade e a práticas sustentáveis, na mineração muitas vezes significa estragos ambientais, condições laborais deploráveis, doença e morte precoce. Isto quando se trata de mineração artesanal às ordens dos donos das concessões – quando se trata de gente pobre das redondezas, que arrisca infiltrar-se nos locais durante a noite, para escavar e surripiar uns quantos diamantes, o resultado pode ser brutal. Aliás, até na mina Williamson, na Tanzania, de onde foi extraído o diamante rosa que adorna um dos broches favoritos da Rainha Isabel II, uma das pedras mais perfeitas do mundo, foram investigados abusos por parte de seguranças contratados pela Petra Diamonds, acusados de espancar, balear e assassinar garimpeiros ilegais, avançou o Guardian. Ou seja, um caso de diamantes que poderiam seriam ser considerados sujos, mas que não deixam de ser legais.

Diamantes sujos “Kimberly não é nada mais do que uma tentativa de conservar o comércio de diamantes, que é imoral no seu âmago”, sentenciou Penny Hess, diretora do African People’s Solidarity Committee, citada pelo Brussels Times, vendo-o como uma tentativa de lavar uma “indústria genocida que ajuda a manter o espetro do colonialismo europeu em África”.

Outros veem-no como resultado da real pressão sobre a indústria diamantífera, que se viu obrigada a mudar de práticas, preocupados porque os diamantes “são bonitos, mas só são simbolicamente valiosos”, explicou James Suzman ao i. A questão, defendeu este antropólogo, que trabalhou para a De Beers, tentando os seus produtos mais éticos, é que “o valor simbólico pode estragar-se facilmente se houver uma má história por trás”.

Se hoje a expressão “diamante de sangue” é quase um palavrão, e traz logo à cabeça a imagem de crianças soldados, drogadas, obrigadas a matar nos confins das selvas da Serra Leoa, ou de escravos em minas, cativos de cruéis grupos armados, é muito graças ao papel de Leonardo Di Caprio, no aclamado filme Diamante De Sangue (2006). Mas, antes disso, já se iniciava o processo de Kimberley, em 2003, muito devido ao relatório Fowler, da ONU, em 1998, que revelava a escalada do tráfico de diamantes angolanos, o grosso do qual – falamos de cerca de 15% da produção mundial de diamantes, escreveu o Economist em 1997 ia parar à UNITA, financiando a guerra civil através das suas minas artesanais.

“A guerra angolana é por diamantes”, sumarizou à época o mercenário Eeben Barlow, ao serviço do regime de Luanda, à conversa com um repórter da Folha de S. Paulo. Mas mesmo após o fim da guerra, os diamantes angolanos seriam de novo considerados de novo sujos, com abusos por parte da Endiama, a Sociedade de Desenvolvimento Mineiro de Angola (SDM), uma espécie de braço do MPLA. Aliás, a partir de 2006, guardas terão chegado a torturar garimpeiros ilegais. “As vítimas são obrigadas a ter relações homossexuais entre si, tendo chegado ao extremo de se forçar um genro a violar o seu sogro”, denunciou o jornalista Rafael Marques, citado pela VoA.